Tudo começou com a ideia de que são as diferenças que fazem cada pessoa única. E, tal como um guarda-roupa, pessoal e íntimo, na coleção de Pedro Pedro cabem muitos elementos diferentes. Entre peças de alfaiataria em xadrez, vestidos de malha e casacos em pelo apareceram de surpresa um casaco em pele de cobra ou um fato de calções em efeito tie dye, provas de que o diferente faz parte do todo e de que Pedro Pedro sabe como consegui-lo, mantendo o ADN urbano, jovem e cool que a caracteriza.
Prova também de que duas cabeças pensam melhor que uma é o funcionamento desta marca em dupla. Pedro Pedro é o designer e Ricardo Balbino é o stylist, mas o trabalho é orgânico e ambos participam no processo do outro. “Fazemos muito este jogo de vai e vem”, diz Ricardo ao Observador. A eles, naquilo a que chamam a sua comunidade de artistas no Porto, juntam-se ainda a artista Rita Caldo, que criou a bijuteria desta coleção a partir de garrafas de plástico, com contas e lantejoulas. E ainda Maria Ferreira, “a Dj que nos põe as músicas, entra na nossa cabeça e cria a história” diz Pedro Pedro. “Ela é a cola da apresentação final”, acrescenta Ricardo.
E agora, onde comprar as criações Pedro Pedro? Para já, é possível fazer pedidos através das redes sociais, uma vez que ainda não têm nenhum ponto de venda no país. Estão a preparar uma presença física em Roma, numa loja multimarca, e têm “um pé no Japão e um pé em França”. Quanto a uma loja online, o projeto deverá acontecer ainda este verão, porque dizem que a coleção primavera/verão 2023 “teve aceitação”, mas não se comprometem com uma data definitiva. Decidiram fazer as coisas com calma e ao seu ritmo, explica Ricardo, e apostar primeiro nas feiras de moda internacionais, como por exemplo a Tranoi em Paris, onde marcaram presença já este mês de março. Pedro Pedro tinha concretizado o seu regresso aos desfiles de moda há precisamente um ano, altura em que conversou com o Observador.
O regresso de Pedro Pedro ao Portugal Fashion: “Acho que continuo a ter qualquer coisa para dizer”
Para ver, descobrir e tocar. A coleção sensorial da Pé de Chumbo
Ao fim de bastante tempo à espera de Alexandra Oliveira, que estava altamente requisitada depois do desfile, para lhe perguntar qual a história da nova coleção Pé de Chumbo, ficamos a saber que, afinal, não há história. Quando soube que estaria no Portugal Fashion, há duas semanas atrás, pegou no material que tinha desenvolvido para levar a feiras e montou uma coleção. Havia camisolas e casacos de streetwear que precisavam de partes de baixo para completar o look e até se juntou também uma série de criações douradas, que normalmente não aparecem nos desfiles, embora sejam um sucesso em países do Médio Oriente e na Turquia.
A designer confessa que não houve tempo para pensar em nenhuma história, mas no fim, concorda que até resultou tudo bem. Na passerelle vimos muitos vestidos construídos com uma rede de fitas e franjas em silhuetas muito femininas. Como se trata de uma coleção de inverno há streetwear, o tema preferido da designer, que diz ser esta a raiz da Pé de Chumbo. Alexandra Oliveira gosta de fazer experiências e, quando estas resultam bem, continua a desenvolvê-las. Às vezes, entre erros e descobertas, saem novidades. Como por exemplo um novo material que parecia criar um puzzle com manchas de cor. Na verdade é rama, ou seja, lixo têxtil que é prensado e resultou numa nova textura para trabalhar.
O surrealismo e a espera de Diogo Miranda
A espera foi longa. Quando o desfile de Diogo Miranda arrancou já passavam 50 minutos da hora que o calendário ditava. Com tudo a postos às 21h30, como combinado, foi preciso esperar que acabasse um jantar no âmbito do Portugal Fashion, mas noutro ponto da cidade. Enquanto imprensa e convidados acabavam a sua refeição, a sala de desfiles foi enchendo e já quase à hora do desfile de Miguel Vieira, a coleção de Diogo Miranda lá entrou em cena.
O designer, cuja marca completou 15 anos no ano passado, mergulhou na estética surrealista e fez das modelos uma série de divas vestidas com roupas inspiradas nas décadas de 1930 e 1940. Uma silhueta retangular e bem justa ao corpo, muitas pregas e plissados a criarem efeitos de ótica foram a base de trabalho. Depois pormenores como os ombros à mostra, as luvas, as golas dos casacos levantadas acrescentaram sensualidade e sofisticação. No fim, o desfile encerrou com uma noiva, como manda a tradição da Alta Costura.
Um final feliz com Miguel Vieira
Quando os charriots com a coleção de Miguel Vieira (escondida dentro de capas pretas) atravessaram a sala de desfiles, na altura vazia, a caminho dos bastidores o seu criador estaria certamente por perto. E assim foi. Miguel Vieira apareceu e, sem hesitar, respondeu às perguntas do Observador, sempre de sorriso pronto e respostas na manga. Quando ficou a saber que iria desfilar no Portugal Fashion, há duas semanas, já a coleção estava pronta desde dezembro, porque assim ditam os calendários internacionais. Com tudo preparado e sem stresses aparentes partimos para o tema da coleção que iria encerrar o terceiro dia de desfiles do Portugal Fashion.
O poema “Ne me quitte pas” (“Não me deixes”) de Jacques Brel que em 1959 se tornou música deu o mote e marcou o ritmo da coleção. “É uma música que se aplica com a maior parte das pessoas”, explica o designer. “Acho que todos nós já passámos por uma situação de amor, desde a juventude até aos dias de hoje, em que alguém nos deixou.” Diz que, além de ser uma música da qual gosta muita, enquadra-se também perfeitamente no cenário do espaço do desfile. “É uma música muito chique e muito francesa e depois há este lado todo muito grafitado, e o contraste é simpático.” Importa relaxar os fãs que a música em nada é um reflexo de uma fase na vida do designer. “Está tudo ótimo, ninguém me deixou!”
E como é que uma música inspira roupa? Neste caso, com o próprio nome em estampados e bordados. Para Miguel Vieira a paleta de tons frios, como o branco e os cinzas, transmitem a nostalgia a que esta canção apela, enquanto o vibrante tom de amarelo com que encerra o desfile, desperta alegria e criatividade. Entre os fatos para homens e os vestidos leves e sensuais para mulher, são os pormenores que fazem a diferença. Como se trata de Miguel Vieira há uma série de detalhes assinatura que não podiam faltar. Se o logótipo com as asas e a cor preto são já reconhecíveis, talvez escapem as unhas dos homens pintadas para passar uma mensagem de versatilidade, ou as alianças que os homens usam em todos os desfiles, como se estivessem casados com a marca.
Para a história deste terceiro dia de desfiles contribuíram ainda Carolina Sobral, Estelita Mendonça e os designers da parceria Canex, The Cloth e Awa Meite.
Um desfile de moda ou um passeio pelas histórias do Grande Hotel do Porto?
O desfile de Katty Xiomara estava marcado para as 14h30 no Grande Hotel do Porto, na famosa Rua de Santa Catarina, mas 40 minutos antes da hora, ainda não se sentia a azáfama. Talvez estivesse escondida nos bastidores, atrás das portas e corredores, porque, segundo nos contou a diretora do hotel, Bárbara Moreira, toda a equipa estava mobilizada para ajudar neste evento.
No piso de baixo, a sala de eventos serviu de bastidores para vestir, maquilhar e pentear as modelos e, enquanto estas se alinhavam na escada, apanhámos boleia pelo percurso que fez dos corredores do hotel passerelle e passou por quatro salas. A mais próxima da entrada do hotel é a Sala de Leitura, onde os sofás convidam a sentar e a decoração em tons profundos fazem dela o primeiro passo na caminhada imersiva no ambiente histórico do hotel. Segue-se o The Windsor Bar, que deve o seu nome a uma homenagem a um ilustre hóspede: o duque de Windsor, o tio da Rainha Isabel II que abdicou do trono britânico por amor a Wallis Simpson. Contudo não se sabe se a duquesa o terá acompanhado, mas António Moreira, o chefe de receção que há mais de 40 anos vê todos os rostos que passam pelas portas do hotel, crê que sim. Depois o The Windsor Gastro Bar, que noutra vida foi o Jardim de inverno. Um espaço com luz natural e decorado com inspiração primaveril, em tons claros e estofos floridos. Pelo percurso, para apelar a mais um sentido, o paladar, estavam espalhadas bandejas com quatro variedades de doçuras criadas pela Escola de Hotelaria e Turismo do Porto.
Ao fundo do corredor, depois de passar por várias portas e memórias nas paredes, abrem-se as portas do Salão D. Pedro II, o imperador do Brasil que regressou a Portugal em 1889 e se instalou no Grande Hotel do Porto. Contudo a estadia não foi de memórias felizes, porque foi ali que, poucos dias antes do Natal desse mesmo ano, morreu a sua imperatriz, Teresa Cristina. D. Pedro ainda viveu durante alguns meses no hotel, mas acabou por partir para Paris e levou consigo a cama onde a mulher havia morrido, que tinha comprado ao hotel. O salão do restaurante foi todo desmontado e, embora não tenha servido almoços, teve de ser remontado a tempo do jantar,
Katty Xiomara está a fazer as fardas do hotel e desde o início da parceria que a ideia de fazer ali um desfile tem andado no ar, até que surgiu uma oportunidade de a concretizar. Este não é o primeiro desfile que acontece neste reduto, que em março completa 143 anos. Há muitos anos aconteceram ali desfiles privados de grandes lojas para clientes, como mandavam as tradições da época. Mas será o primeiro grande desfile de moda da atualidade.
A coleção de Katty Xiomara chama-se “Vermilion” e anuncia logo o que aí vem, um desfile todo pintado em tons de vermelho. “É a cor que tem dualidades mais intensas, mais fortes, mais radicalizadas, polarizadas é, de facto, o vermelho”, conta Katty Xiomara ao Observador. “A ideia foi basearmo-nos naquilo que a cor nos transmite, nos contrastes que ela tem”. Na passerelle vimos uma coleção tipicamente Katty Xiomara, muito feminina e delicada, trabalhada em diferentes tonalidades da sua cor farol.
A designer venezuelana diz que é algo estranho e até um risco, em relação ao que costuma fazer, mas confessa que há algum tempo que queria trabalhar uma coleção inteira com uma só cor e a ideia surgiu quando viu o filme “Hero” (2002) há já alguns anos, porque na película cada capítulo tem uma cor diferente. O vermelho foi também a inspiração na maquilhagem deste desfile. Houve “linhas definidas e esfumadas em tons de vermelho”, explicou a maquilhadora Isabel Sampaio, que se traduziram na aplicação de pinceladas desta cor em três interpretações diferentes, na pálpebra de cima, na de baixo e nos lábios.
Na coleção vimos o símbolo de uma mão trabalhado de diferentes formas. “A mão ampara-nos e também faz o sinal de parar”, explica a designer que acrescenta que é também uma alusão à parceria que tem com a Associação Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR). Os sapatos estavam criavam um efeito manchado vermelho que Katty explicou não ser uma representação de sangue, mas sim uma representação de “percurso” e do “desgaste do percurso”, por isso alguns sapatos estavam mais manchados do que outros. O desfile de modelos foi acompanhado por uma performance. As atrizes Carolina Alegria, Inês Fonseca, Joana Mesquita e Margarida Carvalho, interpretaram em monólogos textos escritos por Katty Xiomara e Cati Freitas, vestidas de vermelho, claro.