Portugal deve adotar medidas para reduzir um quadro regulatório excessivamente restritivo que possa ser uma barreira ao investimento direto estrangeiro (IDE), aconselha a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Num relatório divulgado esta segunda-feira é traçado um retrato sobre o investimento estrangeiro em Portugal com recomendações para medidas que possam melhorar a atratividade do país aos olhos destes investidores. Reduzir os entraves regulatórios pode aumentar em mais de 13% o número de transações de fusões e aquisições internacionais e em mais de 6% o número de projetos “greenfield”, constituídos de raiz, estima a OCDE.

Embora as empresas estrangeiras representassem apenas 2% das organizações em Portugal em 2020, respondiam por 18% da mão de obra e contribuíam para 28% do PIB e 46% das exportações. Foram também responsáveis por 25% dos investimentos na área de investigação e desenvolvimento (I&D) em Portugal. E, em comparação com as empresas nacionais, pagavam mais: um ordenado mensal numa empresa estrangeira oscilava entre 1.193 e 1.474 euros, dependendo da dimensão, contra 778 a 1.091 euros nas empresas domésticas.

O custo competitivo da mão de obra em Portugal, especialmente em comparação com outras economias europeias, e a existência de trabalhadores qualificados têm sido fatores de atratividade do país. Mas, em algumas áreas, como as tecnologias de informação e a engenharia, Portugal acompanha a tendência externa e revela escassez de certos tipos de talento, abrindo a porta à contratação de talento noutros países. É na entrada de trabalhadores estrangeiros que reside um dos entraves apontados pelos investidores externos. Apesar de alterações recentes, como a primeira autorização de residência ser agora válida por dois anos (antes era por um) e o fim das quotas de imigração e testes de mercado de trabalho, 60% dos investidores consideram o processo de vistos e autorizações como um obstáculo. Os processos demasiado longos são referidos pela OCDE.

Melhorar a eficiência da autoridade responsável pela imigração, com o intuito de facilitar a contratação de talentos de fora do espaço económico europeu (EEE), é uma das sugestões. A OCDE deixa como exemplos o recurso a ferramentas digitais ou a alocação de mais recursos humanos ao tratamento de pedidos deste género.

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Impostos, casa, vistos. No mundo sem fronteiras dos nómadas digitais (onde nem todos entram)

A relação dos investidores estrangeiros com a administração pública também é enumerada neste relatório. Apesar daquilo que a OCDE considera serem “esforços sistemáticos de simplificação”, como o Simplex, os investidores consideram que as interações com a administração pública são “onerosas” e pedem serviços mais eficientes. Três em cada quatro investidores consideram como um obstáculo os atrasos administrativos e a burocracia, enumerando que são precisos cerca de 90 dias para ter uma licença para operação de atividade comercial – mais do dobro do tempo que era necessário noutro país. Cumprir com as obrigações fiscais também precisa de mais tempo em Portugal: 234 horas de trabalho por ano, comparando com 50 horas na Estónia, de acordo com dados de 2019.

A OCDE recomenda que sejam simplificados os processos de licenciamento e autorização, como o licenciamento industrial e licenças de construção, um dos entraves mais mencionados. É pedido que se garanta que as autoridades tenham capacidade para emitir licenças dentro dos prazos legais e também que se torne efetiva a aplicação da regra de aprovação tácita para “aumentar a previsibilidade dos investidores”. Para reduzir o tempo gasto com obrigações fiscais, é ainda pedida a simplificação da tributação das sociedades e também o reforço dos serviços de informação e assistência, “aumentando a digitalização na administração fiscal”.

Investidores estrangeiros sentem dificuldade em compreender regulamentação

A análise da OCDE antecipa que “​uma melhor regulação da atividade empresarial e um sistema judicial mais eficiente poderiam aumentar a confiança dos investidores”. Os longos processos judiciais podem comprometer a atratividade do país para o IDE – algo que também afeta investidores nacionais.

Apesar das reformas no sistema judicial, que “melhorou a eficiência” dos tribunais nos últimos anos, reconhece a OCDE, a duração dos processos continua a ser longa, em comparação com os países homólogos, em especial nos tribunais administrativos, diz a OCDE. Em Portugal, são precisos cerca de dois anos e quatro meses para resolver um caso administrativo, sete vezes mais do que na Lituânia, por exemplo.

Neste campo, é sugerido que seja usado mais amplamente as avaliações de impacto regulatório e que se envolva “mais ativamente o setor privado na elaboração de legislação”, para garantir que a regulação cumpre o objetivo pretendido, ao mesmo tempo em que se evita custos administrativos desnecessários para as empresas. A OCDE também defende o aumento da digitalização nos tribunais e reforço dos recursos humanos para reduzir a duração dos processos judiciais.

Modelo económico europeu é “aberto” a exterior, mas não “é ingénuo”, diz Elisa Ferreira

Na sessão de apresentação do relatório, Luís Castro Henriques, da AICEP, destaca a importância de “avaliar onde é possível melhorar” a partir de informações deste género. “Se um país quer manter-se competitivo e atrair este tipo de investimento, tem de avaliar onde pode melhorar. Até porque, se não melhorarmos, melhoram os outros.” Castro Henriques diz estar “satisfeito” com o resultado do estudo feito pela OCDE, embora admita não estar “de acordo com tudo”. “Temos de usar o estudo para perceber como melhorar e como nos elevarmos.”

Elisa Ferreira, a comissária europeia responsável pela pasta da coesão e reformas, não marcou presença na apresentação, referindo questões de agenda, mas deixou uma mensagem em vídeo. “Espero que [relatório] seja mais um instrumento útil à disposição dos decisores e das empresas”, referindo que é a conclusão de um projeto “que identifica reformas, alguns ajustamentos, no sentido de ajudarem Portugal a aumentar a sua competitividade enquanto destino de investimento estrangeiro.”

“O modelo económico europeu é aberto ao exterior, mas não significa que seja ingénuo”, vincou a comissária, referindo-se a temas como “interdependências” que “estão a ser usadas para outros fins, nomeadamente por outros atores internacionais”. “Ficou brutalmente evidente no jogo da energia nos últimos 12 meses, desde a bárbara invasão russa à Ucrânia”, exemplificou.

“A abertura exterior não pode deixar de estar presente”, reconheceu Elisa Ferreira, destacando que em Portugal os investimentos estrangeiros “têm contribuído para a subida do nível de rendimento do país”. “É cada dia mais importante estimular projetos inovadores e estimuladores da economia que possam acrescentar valor ao nosso tecido empresarial e industrial.”

(Atualizada às 16h09 com mais informação)