Para quem vê de fora, as intervenções públicas recentes de Sérgio Conceição e Pinto da Costa não passavam de meras constatações de factos. Aliás, nunca um e outro falaram diretamente contra presidente ou técnico, respetivamente. No entanto, e em termos internos, todos percebiam que estava gerada nas entrelinhas mais uma mini crise no FC Porto, neste caso conjugando os dois pontos que foram colocando em risco por mais do que uma ocasião a permanência do treinador no Dragão: por um lado, a falta de resultados desportivos, com o discurso para fora do “não atirar a toalha ao chão” a ser um mero formalismo entre a esperança reduzida de uma reviravolta no Campeonato; por outro, o cenário de novo mercado com mais dinheiro para entrar do que propriamente para investir. Foi nesse contexto que surgiram na noite desta terça-feira as notícias que davam conta da possibilidade de saída ainda nesta interrupção para as seleções. “Muito exageradas”, reforçaram por mais do que uma vez ao Observador. Ainda assim, suficientes para fazer soar alarmes.

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Apesar de ser considerado como algo “normal”, toda a cúpula diretiva do futebol dos azuis e brancos marcou presença esta manhã no Olival, onde o FC Porto tinha um treino à porta fechada marcado para as 11h30. Sérgio Conceição foi o primeiro a chegar, poucos minutos depois das 9h da manhã, seguindo-se Pinto da Costa por volta das 9h30. Também Luís Gonçalves, que tem estado fora do banco dos portistas por castigo, e Vítor Baía, administradores da SAD, se juntaram depois antes da única sessão programada do dia. Segundo soube o Observador, e perante as notícias que foram sendo publicadas na véspera, a intenção da SAD era colocar alguma “água na fervura” da relação nesta fase da temporada, até por haver dois grandes objetivos “mínimos” ainda por carimbar: o segundo lugar do Campeonato (pelo menos) e a Taça de Portugal.

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Contudo, e ao contrário de outras situações de maior tensão na relação entre treinador e SAD, houve dois dados novos que não passaram ao lado de nenhuma das partes. Na ótica do técnico que cumpre a sexta época nos azuis e brancos, o facto de, pela primeira vez, Pinto da Costa ter respondido de forma direta à alegada falta de investimento no plantel à margem da gala do jornal “O Gaiense”. Na perspetiva da SAD, a maneira como surgiram as notícias que davam conta do desagrado de Sérgio Conceição com essa possibilidade de saída ainda neste período a dois meses e meio do final da temporada. Foi isso que fez com que toda a cúpula diretiva se deslocasse ao Olival esta manhã, no sentido de travar uma possível escalada de “recados”.

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De acordo com as fontes contactadas, que falaram ainda antes de qualquer conversa entre Sérgio Conceição e Pinto da Costa, o braço de ferro entende-se sobretudo à luz daquilo que pode ser o próximo verão. Por um lado, o técnico entende que necessita de outras armas não só para lutar pelos títulos nacionais mas também para não sofrer eliminações como aquela que teve agora na Champions. Mais: após seis anos onde teve de reinventar plantéis, produzir mais valias e trabalhar condicionado pelas restrições financeiras, entende que isso será quase um reconhecimento pelo trajeto feito nos azuis e brancos, admitindo uma possível saída no final da temporada caso não veja esse desejo concretizado. Por outro, a SAD sabe que terá de fazer encaixes financeiros para equilibrar as contas do segundo semestre do exercício de 2022/23, sendo que entre as potenciais vendas não estará David Carmo, um jogador que a administração considerava poder estar nesta fase como titular, na Seleção e a valorizar-se, e Uribe, que deve sair a custo zero. Ou seja, a prioridade vai numa primeira fase para as vendas e só depois poderá haver lugar a reforços.

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Perante este cenário, e como já era de esperar, Pinto da Costa falou aos jornalistas que estavam à porta do Olival recusando qualquer tipo de problema com o treinador. “Vontade de sair do Sérgio? Tem de perguntar a quem pôs as notícias, não a mim nem a ele, porque nenhum de nós falou sobre esse assunto, que não é assunto. Eu soube hoje quando vi os títulos dos jornais. Ele também não sabe de onde veio aquilo, eu também não. Certo até ao final da época? O contrato é até 2024, ele sabe que é para cumprir e eu quero que ele cumpra”, começou por referir o presidente dos azuis e brancos à saída do centro de treinos.

“Estou sempre tranquilo. Por que motivo haveria de não estar? Os jornais ainda não têm categoria para fazer uma guerra entre mim e o Sérgio. O Sérgio Conceição com toda a justiça já recebeu três Dragões de Ouro e tem uma estátua no museu por indicação minha. Acha que isso não é reconhecer o trabalho? Há um ligação de amizade que vem desde os 16 anos e espero que a ligação ao FC Porto vá para lá de 2024. Fizemos só gestos. Ele diz que não falou para jornal nenhum, eu também não, portanto agora que descubram de onde aquilo veio. A SAD está sempre cá. Já disse que para mim ele ficava até aos 50 anos. Desagradado com as declarações sobre o investimento? Por que havia de ficar? Se eu disse que houve investimento e houve, ele nunca disse que não houve… Nunca nas declarações dele ele disse que não houve investimento, nunca falou nada disso. Falou dos jogadores, até numa tentativa de valorizar os jogadores”, acrescentou Pinto da Costa.

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“Sinto um misto de grande orgulho e frustração. Muitas vezes andamos aqui às voltas daquilo que é o meu silêncio, do ruído que existe no futebol e tudo o que temos feito aqui parece que depois é zero… Tudo o que fazemos com 30% do plantel da equipa B, outros 40% que vieram de equipas médias como Santa Clara, P. Ferreira, Famalicão, Rio Ave e depois o mérito é zero, falam do Otávio, do Taremi que se atira para o chão, do Sérgio Conceição que é um arruaceiro, enfim… Daí o meu silêncio… Desculpem o desabafo mas é preciso mais de toda a gente do futebol português. Com aquilo que tem, e foram cinco anos e meio muito difíceis no FC Porto, com anos de fair play financeiro, sem poder ir buscar nenhum jogador e vender só para equilibrar, o trabalho é mesmo muito pouco reconhecido, perdoem-me o desabafo…”, tinha comentado Sérgio Conceição após a eliminação da Liga dos Campeões frente ao Inter, no primeiro “recado” interno.

“30% da equipa B, 40% vindos de clubes médios e depois o mérito é zero…”: o desabafo de um Sérgio Conceição “frustrado e triste”

“Não é verdade que haja falta de investimento. Comprámos o Grujic por nove milhões, Veron por dez, David Carmo por 20 e mais jogadores como o Eustáquio e outros. Não houve falta de investimento. O investimento que vier a ser feito nada tem a ver com eleições, isso é uma imbecilidade”, respondeu o líder portista na noite desta segunda-feira, à margem da gala do jornal “O Gaiense” onde marcou presença.

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“Conquistados com o apoio de verdadeiros portistas, com ou sem recursos”, voltou a insistir o treinador este terça-feira, neste caso partilhando com uma mensagem uma publicação de Cecília Pedroto, mulher de José Maria Pedroto, que definia Sérgio Conceição em oito palavras (exigência, empenho, rigor, trabalho, solidariedade, competência, carisma e respeito) e pedia união em torno do timoneiro. “A história está feita: ninguém ganhou tantos títulos como Sérgio Conceição no FC Porto. O Campeonato ainda não terminou e há algo mais para ganhar. Seguimos juntos e devemos apoiar incondicionalmente o nosso treinador”.

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Um episódio que já tem antecedentes no Dragão (e que por isso tira “força”)

Esta não é a primeira vez que Sérgio Conceição ameaça “bater com a porta” desde que chegou ao FC Porto no verão de 2017, na sequência da saída do Nantes (primeira e única experiência que teve no estrangeiro como técnico principal, após ter sido adjunto nos belgas do Standard Liège). E foi logo no segundo ano que esse cenário surgiu, com o treinador a não gostar da reação dos adeptos após um empate em Vila do Conde que iria penalizar em definitivo as contas pela revalidação do título. “Espero que me assobiem a mim, eu é que sou julgado pelos resultados e vou-me embora no final da época, não há problema. É isto. Sou eu o líder da equipa, sou eu que meto os jogadores a jogar, sou eu que os treinos, acontece alguma coisa negativa é o treinador que paga, assumo essa responsabilidade. Eu agarro nas malas e vou-me embora, não há problema”, disse. No jogo seguinte, a claque Super Dragões ergueu as tarjas “Adoramos os que odeiam perder, Sérgio és um dos nossos” mas nem por isso o treinador esqueceu o que se passara com o Rio Ave.

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Na temporada seguinte, em 2019/20, as derrotas com o Sp. Braga no Campeonato e na final da Taça da Liga voltaram a levar a nova reação explosiva do treinador, neste caso apontando de forma direta à SAD pela falta de apoio. “Quando ganho batem palmas, quando perco assobiam e mostram lenços. Os lenços brancos, esses, utilizo-os para me assoar ou para limpar o suor do meu trabalho aqui todos os dias. Isso não me pode condicionar no trabalho”, atirou após o desaire no Dragão. “Temos de olhar para dentro e com isto estou a dizer que é preciso haver responsabilidade coletiva. A começar por mim, claro, e não falo só do grupo de trabalho mas de toda a gente dentro deste clube. É difícil trabalhar em determinadas condições. No primeiro ano, muito difícil, não houve reforços nem havia dinheiro. No segundo ano, com a falta de verdade desportiva que houve… E este ano, sem união, fica difícil. O meu lugar está à disposição do presidente”, referiu após o segundo troféu da temporada (não esteve na Supertaça) perdido com os minhotos na Pedreira.

Essa foi uma das fases limite que colocaram Sérgio Conceição com um pé fora do Dragão, adensada pelas palavras de Fernando Madureira, líder dos Super Dragões, numa entrevista (“Só Pinto da Costa é intocável no clube”) e numa mensagem de WhatsApp que circulou nas redes sociais (“O Sérgio tem de sentir que não é ele que manda ali, ele não é o Porto. O Porto somos nós”). Pinto da Costa teve de intervir, fez uma defesa acérrima do treinador e do seu projeto desportivo, levou a que também a claque mostrasse por mais de uma ocasião uma espécie de mea culpa pelo sucedido e tudo acabou com uma reviravolta no Campeonato após a paragem devido à pandemia que permitiu que o FC Porto conquistasse a dobradinha frente ao Benfica.

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No último verão, e ainda sem a renovação assinada, Sérgio Conceição voltou a estar com um pé fora do FC Porto após conquistar mais uma dobradinha pelo clube. Neste caso, à luz do sucesso desportivo e percebendo que teria mais uma temporada com mais saídas do que investimento, foi uma possibilidade forte para dois clubes italianos, Lazio e Nápoles, numa perspetiva de negócio que acabou depois por não concretizar-se. A sair do Dragão, o técnico queria um projeto que lhe permitisse jogar a Champions com outras armas, além da luta pelos objetivos nacionais. Aliás, se não fosse assim, já poderia ter antes saído até por condições bem mais vantajosas a nível salarial apesar de serem ligas mais “periféricas”. Mais recentemente, o apedrejamento do carro onde seguia a mulher e dois filhos após a goleada sofrida com o Club Brugge em casa colocou o seu futuro no Dragão em risco mas o episódio, não estando esquecido, acabou por ser ultrapassado.

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