“Não sabemos o que foi anunciado, temos de ver”, foi assim que Pedro Soares dos Santos reagiu ao anúncio feito esta quarta-feira pelo primeiro-ministro, de que está a ser trabalhado um acordo com a distribuição e com a produção para reduzir os preços dos alimentos.

“A Jerónimo Martins não está a negociar com ninguém, faz-se representar pela APED, tal como o Continente, a Auchan, o Lidl, o Eleclerc. É com a APED que essa negociação, a ser feita, terá de acontecer”, destacou o CEO e chairman da dona do Pingo Doce.

A ir para a frente, o Pingo Doce garante que a descida será “repercutida integralmente” nos preços. “Há famílias a passar dificuldades, o Governo já devia ter avançado com medida há mais de um ano”, defende a CEO do Pingo Doce, Isabel Ferreira Pinto, dando o exemplo da Polónia e de Espanha.

A responsável destacou que, ao contrário do que se tem afirmado, a redução do IVA em Espanha teve impacto nos preços, porque estes “subiram menos do que em Portugal” devido à baixa do IVA dos produtos taxados a 5%. Em Portugal, “o Governo foi o único agente interveniente na cadeia de valor que não fez qualquer tipo de redução na receita no ano passado”, acrescentou, sublinhando que “chegou a altura de tomar medidas para ajudar as famílias”.

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Luís Araújo, CEO da polaca Biedronka, defendeu que a redução do IVA para 0% na Polónia “foi inteligente e transportou valor sólido para as empresas polacas”. A inflação, adiantou, seria 4 pontos superior se não tivesse sido implementada esta medida”. E as famílias “pagaram menos um bilião de zlotis do que teriam pago caso não tivesse sido implementada”.

Também questionado sobre as medidas para travar o impacto da inflação, Pedro Soares dos Santos apelou: “não deem ajudas à distribuição, deem à produção, com a condição de os produtos ficarem em Portugal”. Segundo o líder da JM, “a escassez que vivemos no ano passado foi muito perigosa, e têm o exemplo do Reino Unido”. Essa escassez, sublinhou, fez com o que o grupo tivesse de optar por “ter produto e não ter capacidade de discutir preço. Se tivéssemos optado pela escassez, talvez as vossas questões fossem diferentes. Graças a Deus que as empresas de retalho em Portugal não optaram pela escassez”

Soares dos Santos considerou também que as medidas “vêm tarde e chegam numa altura em que vai haver um certo alívio da inflação”, pelo que assim “vão custar menos” ao Estado. O Governo foi o grande alvo das críticas de Soares dos Santos. Ainda sobre apoios, o chairman da JM defende que devem ser dados à produção e às famílias, para que voltem a ter poder de compra. “Porque o Estado foi quem mais recolheu, foi quem mais beneficiou da inflação e foi quem menos fez pelas pessoas. E podia ter feito muito mais”.

Uma “grande mentira liderada pelo ministro da Economia”

Soares dos Santos foi ainda mais longe. “Se calhar nunca saímos da austeridade. E a mentira foi explanada no seu total. E como o mundo mudou, a inflação voltou, e as taxas de juro voltaram, o dinheiro deixou de ser barato e o BCE deixou de comprar os ativos, espelhou-se que afinal a austeridade nunca acabou. A isto juntou-se uma inflação perigosíssima”, alertou.

“Vamos passar mau bocado outra vez com esta história das taxas de juro”, crê Soares dos Santos. “Estamos outra vez numa nuvem que não sabemos. Esta história do Credit Suisse e do UBS não esta bem contada. Se calhar, se falarem o dr. Horta Osório ele conta o que lá passou e porque é que saiu. Ainda vamos viver muitas incertezas. O que a FED fizer, os europeus vão fazer a seguir, uns meses depois. Se eu depender dos bancos posso ir à ruína, é aqui que os bancos têm um papel importante”, concluiu.

A curto prazo, o CEO da JM acredita que os preços vão reduzir, mas não vão voltar “aos valores anteriores porque os custos já cá estão”. Mas o segundo semestre deverá ser “diferente”, porque haverá nova produção e nova chegada de produtos ao mercado. “Já começam a ver-se os primeiros sinais”.

Soares dos Santos classificou ainda como “lamentáveis” as declarações do ministro da Economia, António Costa Silva, que admitiu a existência de preços especulativos na distribuição. “Foram afirmações muito infelizes do ministro da Economia, de quem anda fora do mundo real. Acredito que o Governo, pressionado pela contestação social, procure desviar as atenções, e foi o que fez. E ainda por cima usaram a ASAE para o espetáculo. Mas acho que as pessoas começaram a acordar para a verdade dos factos e que por trás disto havia uma grande mentira liderada pelo senhor ministro da Economia”.

Distribuição sob pressão máxima do Governo por causa de preço dos alimentos. Medidas de outros países estão a ser estudadas

2022, o ano da hecatombe

Já o CEO da Jerónimo Martins Agro Alimentar, António Serrano, corroborou a visão de Soares dos Santos, e classificou 2022 como o ano da “hecatombe” em toda a produção, por causa da guerra. “Ao longo do ano foi provocando grandes estragos, em alguns casos não havia disponibilidade de produtos, como os fertilizantes. Tivemos problemas, não havia stocks, os preços subiram. Foi difícil encontrar fertilizantes”. Em alguns casos, as subidas atingiram os 150%, considerando o transporte e a energia.

O exemplo “mais importante” é o do leite. Em meados do ano passado o grupo foi confrontado com a hipótese de não haver leite. “Os custos aumentaram, muitos produtores deixaram de produzir, não só em Portugal mas também em Espanha, França, Países Baixos. Os preços escalaram. Portugal era o país com os preços mais baixos ao produtor. No final de 2021 um litro de leite custava 32 cêntimos ao produtor e em 2022 estava em 60 cêntimos litro. Se em Portugal não tivessemos feito isso não teríamos produto, porque os outros países vieram em cascata comprando uma matéria-prima que passou a ser escassa”.

Nos vegetais também “aconteceu o que não pensávamos ser possível”, que foram prateleiras vazias no Reino Unido, devido a crises de seca em vários países.

Esta quarta-feira, no parlamento, o primeiro-ministro admitiu baixar o IVA dos alimentos, mas apenas com um compromisso da distribuição de que essa descida corresponderá a um queda do preço final. Segundo apurou o Observador, a descida para taxa zero poderá vir a ser estabelecida de forma temporária e apenas num conjunto limitado de produtos.

Costa afirmou que estão a ser trabalhadas medidas “numa tripla dimensão que passa por um acordo com a distribuição mas também com a produção, para estabilizar a reduzir preços”.

Governo já admite baixar IVA de cabaz de alimentos. IVA zero pode chegar de forma temporária mas só com acordo da distribuição e produção