Os relógios, funcionado sem problemas na sua mecânica, aguardam que um minuto passe para darem lugar ao outro. Os ponteiros rodam respeitando a duração dos momentos. Quando o tempo que transparece para lá do vidro se demora ou adianta mais do que cada segundo merece, o sinal está dado, é hora de mudar de acessório. Roberto Martínez foi a reação ao aviso do alarme ativado por uma equipa que parou no tempo.

A seleção não deixou de ser o motivo pelo qual, na manhã no dia do jogo com o Liechtenstein, uma quinta-feira de aulas e trabalho, nas ruas de Lisboa, as pessoas já carregavam as quinas ao pescoço ou no peito. Martínez trouxe muitas coisas novas, isso não. Talvez por tanto prezarem a equipa nacional, a estreia do novo selecionador fosse uma nova oportunidade de se voltarem a apaixonar pela equipa das quinas. Neste momento, é como os casamentos: os primeiros tempos não custam e a partir daí logo se vê.

Roberto Martínez deixou de ser nome de treinador para soar a epíteto de um galã latino que foi eficaz na tática do amor à primeira vista. Numa troca de olhares entre o que conseguiu mostrar e o que se espera daqui para a frente, o 4-0 com que Portugal ganhou ao Liechtenstein foi o sorriso que provocou borboletas na barriga aos portugueses mesmo que o adversário não prometesse fazer ninguém apaixonar-se.

A ‘Canção De Engate’, a que ele preferiu chamar de “grito de guerra”, não sofreu variações quando cantada por Martínez. Sentiu-se um ligeiro sotaque ao abrigo da condição de que, por ter nascido em Espanha, ‘A Portuguesa’ não tenha sido o hino que ouviu ao crescer (dado irrelevante ao desempenho do cargo que ocupa, onde se espera que a competência seja o valor que marque a diferença).

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O bouquet de rosas oferecido aos portugueses na estreia no comando técnico de Portugal, numa partida a contar para a qualificação para o Euro 2024, veio em forma de 3x4x3. Desde logo, sabia-se que Diogo Leite e Matheus Nunes eram os nomes que não iam constar na ficha de jogo. Diogo Costa e Pepe, inicialmente chamados pelo selecionador, deixaram a concentração da equipa por estarem a contas com lesões. Para ocupar a vaga do guarda-redes, Celton Biai subiu dos sub-21 para a seleção A.

No primeiro onze escolhido por Martínez, o conjunto de três centrais foi composto por Danilo, sobre a direita, Rúben Dias, ao centro, e Gonçalo Inácio, na esquerda. Os laterais foram Raphael Guerreiro e João Cancelo.

Com um selecionador a querer fazer experiências para saber com o que contar para o futuro, a partida contra o Liechtenstein, dada a diferença de qualidade entre as equipas, podia fazer com que Portugal encarasse o encontro como se de um amigável se tratasse. Apesar de o ritmo não ser alto, a seleção nacional conseguiu facilmente instalar-se no meio-campo ofensivo. Com os dois laterais protejados ao nível da linha da grande área do adversário, a equipa das quinas apresentou muitas soluções atacantes, nomeadamente ao nível dos corredores exteriores com Guerreiro e Cancelo em constante ação. Bruno Fernandes, a atuar em dupla com Palhinha no centro do campo, funcionou como lançador, demonstrando particular apetência ao nível do último passe.

Ficha de Jogo

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Portugal-Liechtenstein, 4-0

1.ª jornada do grupo J de qualificação para o Euro 2024

Estádio de Alvalade, em Lisboa

Árbitro: Espen Eskas (Noruega)

Portugal: Rui Patrício, João Cancelo, Danilo (Rúben Neves, 67′), Rúben Dias, Gonçalo Inácio, Raphael Guerreiro, Palhinha, Bruno Fernandes (João Mário, 89′), Bernardo Silva (Vitinha, 78′), João Félix (Rafael Leão, 67′) e Cristiano Ronaldo (Gonçalo Ramos, 78′)

Suplentes não utilizados: José Sá, Celton Biai, Dalot, António Silva, Otávio, Nuno Mendes e Diogo Jota

Treinador: Roberto Martínez

Liechtenstein: Buchel, S. Wolfinger (Yildiz, 81′), Malin (Luchinger, 38), Traber, Hofer, Meier (F. Wolfinger, 60′), Frommelt, Wieser, Hasler, Gassner (Lorenz, 60′) e Sele (Beck, 81′)

Suplentes não utilizados: Ospelt, Lo Russo, M. Wolfinger, Netzer, Frick, Kardesoglu, Marxer

Treinador: René Pauritsch

Golos: João Cancelo (8′), Bernardo Silva (47′) e Cristiano Ronaldo (51′ e 63′)

Ação disciplinar: não se registou qualquer cartão

Não foi preciso esse requinte para Portugal chegar à vantagem. Uma bomba rebentou com a muralha. João Cancelo (8′), na ressaca de um canto, apanhou a bola a saltar à sua frente e rematou em força para o golo. A bola ainda foi amortecida pelo guarda-redes Buchel, mas sem o efeito pretendido para o jogador do Liechtenstein.

O antigo selecionador nacional, Fernando Santos, entregou a pasta ‘Cristiano Ronaldo’ a Roberto Martínez com o jogador remetido à condição de suplente. O treinador espanhol colocou o avançado no onze inicial, fazendo com que o jogador do Al Nassr se tornasse no jogador mais internacional de sempre ao alcançar a 197.ª internacionalização. Apesar de se tratar do melhor marcador de sempre ao nível das seleções, o avançado nunca tinha marcado ao Liechtenstein. Oportunidades não faltaram. Cristiano Ronaldo recebeu no peito um belo passe de Cancelo, mas só conseguiu acertar nas pessoas por trás da baliza. Não tão desviadas assim saíram as tentativas de Bruno Fernandes e Palhinha que, de fora de área, tiveram no guarda-redes o efeito de dois cafés, visto que, ao contrário dos colegas, continuava bastante acordado.

Portugal tinha mais amor para dar. A seleção entrou muito bem na segunda parte. A densidade de jogadores junto à área era tanta que ficava difícil para a equipa de Roberto Martínez conseguir um golo limpo. O que importava era marcar. João Cancelo — ao nível do melhor que tem para dar — tentou cruzar. A interceção da defesa caiu nos pés de Bernardo Silva (47′) que rematou para o fundo da redes.

No balneário, Cristiano Ronaldo calibrou a mira e se estava difícil entrar com a bola controlada no último terço, então viessem de lá as bolas paradas. Cancelo foi derrubado em mais um incursão pela linha de fundo e o lance terminou com o jogador do Al Nassr a colocar a bola na marca dos 11 metros e a marcar (51′). De seguida, o posicionamento era outro, mas continuava a ser só Ronaldo e a bola. Na cobrança do livre, Cristiano escolheu o lado do guarda-redes que se mostrou impotente para conter a força do remate (63′).

Assim, antes da viagem ao Luxemburgo, Portugal garante 3 pontos e fica desde já com a liderança do grupo J, já que, nos outros jogos, a Bósnia venceu a Islândia por 3-0 e a Eslováquia e o Luxemburgo empataram a zero. Estreia perfeita para Roberto Martínez que, embora a aguardar por testes contra adversários de maior exigência, convenceu. Habituemo-nos a ele que se continuar assim pode ficar por alguns anos.