O convite saiu pela culatra. Marcelo Rebelo de Sousa convidou a comissária Elisa Ferreira para falar no Conselho de Estado esta quarta-feira sobre fundos europeus e acabou por perder margem para pressionar o Governo sobre o assunto. O Presidente vai com António Costa ao terreno a partir de sexta-feira para fiscalizar como está o PRR no terreno, mas o retrato da sua convidada — segundo relataram conselheiros ao Observador — apresenta o Governo do PS como um campeão da execução fundos: Portugal está em quinto lugar na taxa de execução do PRR e em segundo no total dos apoios comunitários.
Se Marcelo queria passar a imagem do grande fiscalizador dos fundos (já ameaçou a ministra da Coesão que teria um dia “super infeliz” caso a execução não fosse a que acha “que deve ser”), ouviu dados da comissária europeia (ex-ministra do PS), que fazem com que não tenha muito a apontar quando estiver no terreno ao lado de Costa.
A intervenção de Elisa Ferreira perante os conselheiros de Estado encaixa, porém, com o de Marcelo na parte de que o PRR é uma “oportunidade única” que Portugal tem para aproveitar os fundos e que dificilmente voltará a ter. A comissária europeia explicou na reunião que Portugal já recebeu da UE 120 mil milhões de euros nos últimos 35 anos e que agora, nos próximos quatro, pode receber quase um terço desse valor: 40 mil milhões, divididos por 23 mil milhões do Portugal 2030 (o Quadro Comunitário de Apoio), 15 mil milhões do PRR e mais 2,7 mil milhões empréstimos.
Nos rasgados elogios que fez a Portugal, Elisa Ferreira apresentou Portugal como um país bem comportado no que diz respeito às fraudes com fundos, explicando que a média da UE é superior à registada em Portugal, ao contrário do que é a perceção pública.
As informações de Elisa Ferreira no Conselho de Estado não batem certo com os dados da Procuradoria Europeia que no início do mês mostravam que Portugal é o segundo país mais lesado por burlas com subsídios europeus e que, em 2022, além de Portugal (com danos de 2,9 mil milhões de euros), só Itália (com danos de 3,2 mil milhões de euros) registou mais este tipo de fraude.
Ainda sobre apoios comunitários, tal como tinha feito noutras reuniões, António Costa abriu a reflexão sobre o ataque aos fundos que a entrada da Ucrânia na UE representaria. A resposta foi dada na segunda intervenção de Elisa Ferreira, quando lembrou o encontro com o primeiro-ministro da República Checa, que lhe disse que não queria receber mais fundos comunitários, pois esperava já ser contribuinte líquido da União Europeia quando acabar o atual quadro comunitário de apoio.
A ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, que tem é a responsável pela coordenação do PRR, também fez uma intervenção explicativa junto dos conselheiros de Estado.
Estiveram ausentes do Conselho de Estado o ex-Presidente Aníbal Cavaco Silva, o presidente do PS, Carlos César (estes dois por estarem doentes), o presidente do governo regional da Madeira, Miguel Albuquerque, o neurocientista António Damásio e o presidente do Tribunal Constitucional, João Caupers.
No comunicado final — que é sempre genérico, curto e redondo — os conselheiros reconheceram “importância dos fundos europeus no desenvolvimento da economia europeia e portuguesa” e que a situação “ocorre num contexto único e irrepetível. pelo que é imprescindível que todos os intervenientes –– Estado, setor social, empresas, sociedade civil, cidadãos — se empenhem para que a mais completa execução dos montantes atribuídos se concretize, a pensar em todos os portugueses.” O facto de o aviso ser feito a “todos”, faz com que a leitura não possa ser uma pressão do Conselho de Estado sobre o Governo, mas apenas um aviso geral. Como é habitual, é um comunicado que não compromete ninguém.