O alargamento dos direitos dos consumidores na Constituição proposto pelo PS mereceu esta quarta-feira um consenso generalizado dos partidos, que, pelo contrário, recusaram uma proposta do Chega para consagrar o “dever de trabalhar”.
Na reunião de 29 de março da comissão de revisão constitucional, o PS apresentou uma proposta para incluir na lei fundamental que todos os consumidores têm direito a “serviços de interesse económico geral em condições de universalidade, igualdade e equidade”, incluindo nestes “os de fornecimento de água, de saneamento, de energia, de transportes coletivos urbanos, de telecomunicações, de correios e outros previstos na lei”. Para estes setores, defendeu ainda o coordenador do PS, Pedro Delgado Alves, deverão ser definidas em lei “as necessárias obrigações de serviço público”.
Pelo PSD, a deputada Márcia Passos disse que o partido “tem simpatia pela proposta apresentada”, o que abre caminho aos necessários dois terços para a sua aprovação, necessários em qualquer alteração ao texto constitucional.
O deputado IL João Cotrim Figueiredo, também manifestou abertura, embora apelando a alterações de redação, considerando que não pode ficar a ideia da gratuitidade destes serviços.
Na mesma linha, também Chega, BE, PCP e IL disseram não ter objeções, com o socialista Pedro Delgado Alves a assegurar total disponibilidade para “limar arestas” na proposta final.
A reunião, de cerca de três horas, centrou-se sobretudo nos direitos dos trabalhadores. O ex-presidente do PSD, Rui Rio, foi trazido à discussão através do deputado do PCP Manuel Loff que se “estreou” na comissão, o que levantou questões de alguns partidos, uma vez que não é efetivo nem suplente.
No entanto, Marta Temido, vice-presidente da comissão, depois de consultar os serviços, citou o Regimento que permite que todos os deputados possam assistir e participar em qualquer comissão, sem direito a voto, embora pedindo que o entendimento seja validado em reunião da Mesa e coordenadores.
O nome do antigo presidente da Câmara Municipal do Porto foi trazido ao debate quando se discutia o artigo relativo ao direito ao trabalho, que o Chega queria transformar em “dever e direito ao trabalho”, excetuando dessa obrigação apenas os que sofram de “diminuição de capacidade por razões de idade, doença ou invalidez”.
“Os cidadãos têm o dever de trabalhar, contribuir para o financiamento da Segurança Social”, justificou o deputado do Chega Rui Paulo Sousa. A proposta mereceu críticas generalizadas, com Manuel Loff a questionar se se estaria a falar de trabalhos forçados.
“Seria imposto apenas a desempregados pobres, privando-os de apoios sociais? Isso já foi proposto por um antigo presidente do PSD, Rui Rio, quando estava na Câmara do Porto”, criticou, uma associação repudiada pelo deputado e líder da JSD, Alexandre Poço.
Também o presidente da comissão, o ex-secretário-geral do PSD José Silvano, pediu aos deputados para que se focassem na “interpretação das normas constitucionais”.
Neste mesmo artigo, o PS considerou enriquecedora uma proposta do PSD para incluir entre as incumbências do Estado a requalificação profissional dos trabalhadores, bem como a densificação dos motivos sugeridos pelo BE para a não discriminação de trabalhadores.
O PSD, pela deputada Clara Marques Mendes, considerou não fazer sentido constitucionalizar, como pretendia o PCP, “a estabilidade dos vínculos contratuais” ou que ficasse na lei fundamental a garantia de cobertura dos trabalhadores por instrumentos de regulação coletiva, sugerida pelo BE.
Pelo caminho, sem os necessários dois terços, ficarão propostas do PCP para reforçar a proteção dos dirigentes e das associações sindicais ou para garantir que o Salário Mínimo Nacional nunca pode ser penhorado, com os partidos a remeterem essas alterações para a lei ordinária.
Pelo contrário, registou-se na comissão abertura para alargar o direito de petição e ação popular a matérias como a legalidade urbanística, sugerida pelo BE, ou a defesa e proteção animal, proposta pelo PAN.