É um dos argumentos da defesa de Christine Ourmières-Widener. A CEO da TAP, ainda em funções, que o Governo demitiu na sequência da indemnização de 500 mil euros a Alexandra Reis, diz que o Governo “continua a confiar” em si, “ao ponto de a manter integralmente em funções” neste período de transição, antes da entrada de Luís Rodrigues, que será o sucessor da francesa. Mas Ourmières-Widener pediu orientações à tutela para gerir a companhia neste período turbulento.

Num documento remetido à Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF), dentro do direito de audiência prévia da gestora no âmbito do processo da sua demissão, após as conclusões da auditoria da Inspeção-Geral das Finanças (IGF), a defesa de Ourmières-Widener tenta desmontar aquilo que chama de “processo simulado de demissão com justa causa”.

A defesa alega que “o Governo utiliza vários conceitos genéricos e indeterminados para qualificar a conduta” da gestora, e sublinha que apesar de o Governo “alegar” que esta “foi tão grave e intolerável, conduzindo à quebra das relações de integridade, lealdade, cooperação, confiança e transparência com o acionista”, Ourmières-Widener “continua a exercer as suas funções enquanto CEO, continua a participar nas reuniões da Comissão Executiva e a ter que lidar, diariamente, com temas urgentes da TAP”.

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“Sem qualquer guideline“, refere a defesa, “a requerente [Christine] continuou a desempenhar as suas funções e o Governo continuou a confiar no seu profissionalismo, bem sabendo que a mesma nada faria para prejudicar os interesses da companhia”.

Na visão da defesa, isto é prova de que “o Governo continua a confiar na requerente ao ponto de a manter integralmente em funções, sem sequer lhe ter dado qualquer orientação sobre o que deveria, ou não, fazer”. Isto apesar de, no passado dia 13 de março, a gestora francesa “ter solicitado tais orientações, em email enviado para os senhores ministros das Finanças e das Infraestruturas, respetivamente, Fernando Medina e João Galamba”.

No tal email, a CEO da TAP destaca que neste mês “desafiante” para a aviação e para a companhia, os habituais processos de decisão na empresa abrandaram por via das consequências da auditoria, e diz que tem feito “tudo” para limitar o impacto negativo da turbulência na gestão. Ainda assim, gerir a empresa tornou-se “impossível” pelo que são precisas “orientações” da tutela.

“É o meu dever chamar a vossa atenção para o facto de o mês de março ser sempre um período crítico de transição nas companhias aéreas. Este mês de março de 2023, face à vossa decisão, é ainda mais desafiante para a desestabilizada equipa de gestão tomar decisões críticas necessárias para minimizar o possível impacto na TAP”, começa a CEO.

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“Houve uma desaceleração dos habituais processos de tomada de decisão e está a ser adotada uma postura mais cautelosa em cada situação; tal como seria de esperar num período turbulento como este”, continua.

“Escrevo este email para confirmar que fiz (e continuo a fazer) tudo para mitigar os impactos negativos. No entanto, face ao vosso anúncio público da minha demissão, gerir a empresa está a tornar-se virtualmente impossível durante este período crítico”, refere a gestora. “Preciso de orientações claras para assegurar que a TAP está preparada para uma temporada primavera/verão (a mais crítica para as companhias aéreas) bem sucedida”, apela.

“Destaco e insisto que não posso ser responsável pelas futuras consequências que possam ter impacto na TAP relacionadas com a pressão e a turbulência criada pelo vosso anúncio de demissão. Gerir uma companhia aérea num ambiente como este, onde as decisões do dia a dia e a reatividade são necessárias para executar uma estratégia para o sucesso da companhia, é muito difícil/ impossível”, conclui Ourmières-Widener.

Foram dadas orientações, no entanto, sobre a apresentação de resultados da empresa. Num capítulo destinado a refletir sobre o período após o anúncio público da decisão, a defesa refere que “mesmo após a sua demissão pública, as ordens e instruções continuam a ser emitidas diretamente pelo MI [Ministério das Infraestruturas], sendo este que se articula, quando e como entende, com o MF [Ministério das Finanças].

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Exemplo disso foi a decisão de não apresentar publicamente os resultados da empresa em 2022. A defesa inclui uma sequência de emails enviados pelo ministério de Galamba a 16 de março, cinco dias antes da apresentação dos lucros de 65 milhões de euros, em que este informa o CFO da TAP, Gonçalo Pires, de que “… os resultados da TAP deverão ser objeto de comunicado e não deve ser efetuada qualquer conferência de imprensa ou dada qualquer entrevista sobre este assunto”. No mesmo dia, um outro email ditava que esta posição “foi previamente acordada com a área governativa das Finanças”. Esta informação contraria o que disse o ministro, que afirmou que a conferência só não se fez porque está em causa uma transição na gestão.

O administrador financeiro confirmou no Parlamento que houve coordenação com o Ministério das Infraestruturas sobre a apresentação das contas em conferência de imprensa. Gonçalo Pires, que confirmou ser amigo próximo do ministro João Galamba, afirmou ter concordado que, no momento sui generis que a TAP vive, defendeu uma apresentação o mais discreta possível, apesar dos bons resultados de 2022. Posição que teve o apoio da maior parte da administração da TAP.