O Ministério da Saúde admite vir a alargar a prática das interrupções voluntárias da gravidez nos centros de saúde para facilitar o acesso ao direito ao aborto, sobretudo nos locais onde ele está condicionado nos hospitais. A medida foi anunciada pelo ministro Manuel Pizarro na Comissão de Saúde desta quarta-feira.
O governante admitiu que este modelo de acesso às interrupções voluntárias da gravidez funcionou de modo positivo no Centro de Saúde de Amarante — que, antes da pandemia de Covid-19, atendia as mulheres que pretendiam realizar o aborto sem necessidade de recorrerem aos cuidados hospitalares.
O serviço foi suspenso durante a pandemia, mas Manuel Pizarro indicou na Comissão de Saúde que o centro de saúde está a trabalhar para implementar novamente a prática das interrupções voluntárias da gravidez. Depois, o Ministério da Saúde pretende alargar a medida a outros pontos dos cuidados de saúde primários.
Nenhum ponto da lei dita que a interrupção voluntária da gravidez tem de ocorrer necessariamente nos cuidados hospitalares. Diz apenas que este ato clínico tem de ser efetuado por um médico ou por outros profissionais de saúde sob a sua direção.
A lei aponta também que “os estabelecimentos de saúde oficiais ou oficialmente reconhecidos em que seja praticada a interrupção voluntária da gravidez” têm de se organizar “de forma adequada para que a mesma se verifique nas condições e nos prazos legalmente previstos”.
Direção Executiva procura soluções nos privados
Em busca de soluções para colmatar os obstáculos que estes constrangimentos colocam no acesso ao aborto no sistema pública de saúde, a Direção Executiva já tinha dito ao Observador que está “a trabalhar com todos os hospitais”. E diz que as repostas podem estar “nos próprios hospitais”, “em hospitais próximos do SNS” ou “em hospitais privados convencionados quando o SNS não consegue assegurar uma resposta em tempo adequado”.
Os cuidados de saúde primários também estão a ser abordados para fomentar “uma cultura de respeito e de humanização de cuidados no atendimento e resposta às utentes”.
Atualmente, há apenas três clínicas privadas reconhecidas e autorizadas pelas autoridades de saúde a realizar abortos por opção da mulher: a Clínica dos Arcos, a Clínica Multimédica e o Hospital do SAMS — todas na região de Lisboa e Vale do Tejo. Os dados mais recentes que constam no relatório preliminar da Direção-Geral da Saúde (DGS) indicam que, entre 2018 e 2021, estas três clínicas realizaram um terço (32,3%) de todos os abortos por vontade da mulher em Portugal.
Essas clínicas já estabeleceram acordos para receberem casos enviados pelo SNS. Aliás, mais de metade de todos os abortos realizados no setor privado no ano de 2021 (53,74%) chegaram às clínicas particulares por encaminhamento dos cuidados de saúde primários; e quase um quarto (23,12%) das mulheres foram reencaminhadas pelos hospitais públicos — caso em que os procedimentos são pagos pelo Estado.
Em 23,12% dos casos, as mulheres dirigiram-se diretamente às clínicas. Nesse caso, os preços praticados rondam os 600 a 800 euros. O que estará agora em cima da mesa é alargar esses acordos.
Fernando Araújo admitiu a possibilidade de aprofundar a ligação do SNS com os privados para responder às dificuldades de acesso ao aborto, algumas das quais foram denunciadas pelo Diário de Notícias.
“Se não temos capacidade noutras unidades do SNS, que devemos tentar ter a médio e longo prazo, a curto prazo vale a pena ter acordos com outras entidades, mesmo fora do SNS”, disse o diretor executivo do SNS numa Comissão de Saúde: “O que temos é de salvaguardar que há uma resposta a tempo para estas mulheres que fazem uma opção fundamentada e isso não pode nem ser protelado, nem ser escondido ou limitado”.