PS e PSD concordaram hoje na importância de consagrar na Constituição o direito à alimentação, mas os sociais-democratas alertaram para uma eventual dificuldade em concretizar as propostas apresentadas por socialistas e Livre, pedindo cautela na redação do artigo.
Na reunião da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional foram hoje debatidas duas propostas sobre alimentação, com o PS a querer consagrar na lei fundamental que “todos têm direito a uma alimentação acessível, de qualidade, saudável e sustentável, incumbindo ao Estado, em articulação com as autarquias locais, promover as políticas públicas necessárias à sua efetivação”.
O Livre quer inscrever no texto constitucional que “todos têm direito ao acesso regular à alimentação e nutrição adequadas” e que cabe ao Estado “adotar medidas legislativas, administrativas e orçamentais que combatam a fome e a insegurança alimentar”, “garantir a não discriminação no acesso à alimentação” e ainda “garantir que a produção agrícola, industrial e o sistema comercial asseguram o acesso a produtos alimentares de qualidade, com respeito pelo equilíbrio ecológico dos ecossistemas”.
No debate, o deputado do PS Pedro Delgado Alves — partido que juntamente com PSD perfaz os dois terços necessários a qualquer alteração à Constituição – defendeu que “a alimentação adquiriu uma centralidade nas políticas públicas nos últimos anos que não deve permanecer alheia do texto constitucional”.
Emília Cerqueira, do PSD, reconheceu “a bondade” das propostas e defendeu a importância de consagrar este direito na Constituição, mas deixou alguns avisos e pediu cautela na formulação da matéria.
Sobre a proposta do PS, a social-democrata questionou: “à medida que os sistemas vão mudando, até que ponto é que o Estado tem condições para garantir todos estes predicados na alimentação, para a alimentação básica que muitas vezes nem isso conseguimos garantir?”. Quanto à proposta do Livre, a deputada também alertou para uma difícil concretização.
Pelo Chega, o deputado Rui Paulo Sousa mostrou-se favorável a ambas as propostas, ao contrário de João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, que alertou para artigos que “sinalizam virtudes” – uma vez que ninguém pode negar que há um direito à alimentação – mas que depois “são vazios”.
“Estamos a introduzir direitos que muito dificilmente vão ter cumprimento constitucional pleno”, avisou, dizendo que não encara estes artigos “com simpatia”.
Duarte Alves, do PCP, mostrou abertura a estas propostas e deixou uma ‘farpa’ ao PS, dizendo que os comunistas têm insistido no controlo de preços no contexto atual de inflação, precisamente para garantir o acesso a bens alimentares.
O líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, manifestou-se favorável às iniciativas e salientou que há várias formas de materializar um direito constitucional, alertando apenas que “nem todas a autarquias locais têm a mesma capacidade de financiamento”.
Inês Sousa Real, do PAN, posicionou-se a favor e aproveitou para lembrar que o direito à alimentação vegetariana nas escolas e cantinas públicas consagrado na lei “ainda não está plenamente garantido”.
O deputado único do Livre, Rui Tavares, mostrou-se disponível para simplificar a sua proposta mas defendeu que o seu texto pode ter mais valor do que a “proposta enxuta” do PS.
Na passada terça-feira a reunião da comissão durou metade do tempo previsto devido à ausência dos deputados únicos do PAN e do Livre e de pedidos cruzados de adiamentos de artigos pelas várias bancadas, o que motivou a marcação de uma reunião de Mesa e coordenadores para gestão dos trabalhos esta quarta-feira.
Os deputados acordaram em manter o objetivo de discutir cinco artigos por reunião e que os adiamentos têm de ser pedidos com 48 horas de antecedência, sendo que apenas os partidos com propostas podem fazer este pedido.
Ficou também decidido que além das reuniões habituais de terças e quartas, caso seja necessário, pode ser marcada uma vez por mês uma reunião extraordinária à sexta-feira à tarde.
Nesta primeira fase, os partidos apresentam as propostas e manifestam a sua orientação relativamente às das restantes forças políticas, mas só na próxima sessão legislativa — e após realização de audições — haverá uma segunda leitura dos artigos, já com votações.
Esta é a 12.ª vez que o parlamento desencadeia um processo de revisão constitucional, mas apenas sete foram concluídos.