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O final de “Succession”, episódio 4: a condição desumana

Este artigo tem mais de 1 ano

Os Roy estão num processo de descoberta de coisas tão extraordinárias como a dor, a perda ou o remorso. Mas, em volta, a ambição e o egoísmo continuam a ser o que há de mais parecido com sentimentos.

Mais um episódio e é também cada vez mais evidente que “Succession” se refere ao epílogo de um tempo, de uma ordem, a velha, cuja “sucessão” o mundo há muito vem preparando
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Mais um episódio e é também cada vez mais evidente que “Succession” se refere ao epílogo de um tempo, de uma ordem, a velha, cuja “sucessão” o mundo há muito vem preparando

Mais um episódio e é também cada vez mais evidente que “Succession” se refere ao epílogo de um tempo, de uma ordem, a velha, cuja “sucessão” o mundo há muito vem preparando

[ALERTA SPOILER: este artigo contém detalhes sobre o quarto episódio da quarta temporada de “Succession”. Se não os quer conhecer, não leia]

Humanidade é uma das melhores palavras disponíveis na língua; muitas significam muitas coisas; nenhuma outra significa uma coisa e o seu exato oposto – e aí reside, nesse paradoxo essencial, a razão de todas as histórias. Ser humano significa, simultaneamente, ter sentimentos, coração, ser bom, perdoar, entender, amar, superar-se, ajudar, sair de si, transcender-se, sublimar-se; e ser cruel, egoísta, fraco, falho, vingativo, injusto, traiçoeiro, capaz das piores vilanias. Requinte final: ambos os sentidos – isto é, a humanidade na sua inteireza – tendem a revelar-se na plenitude no mesmo tipo de momentos: quando alguém se revela humano-no-sentido-de-vulnerável e outro, ao cheirar o sangue, mostra por fim as suas cores.

Agora que já conversámos linhas suficientes para que quem ainda não tinha visto o episódio 3 não sofra um ataque de spoiling, podemos esclarecer que estamos, obviamente, a falar a propósito da morte de Logan Roy e das subsequentes ondas de choque: do luto, das carpideiras, dos abutres. Quem nunca assistiu à discussão de uma herança que se acuse, mas é ainda mais deprimente quando o que está em causa não são mansões nem Gauguins, mas um T1+1 em Rio de Mouro.

O episódio 4 da temporada final de “Succession” é, literalmente, o dia seguinte à morte do patriarca. E enquanto assistimos ao desfile de cumprimentos e elogios fúnebres, percebemos que, no fim de contas, os filhos, os meninos ricos Roy, ainda são a coisa mais parecida com seres humanos a habitar aquele ambiente. Afinal, pior do que os meninos ricos mimados, só as pessoas que os rodeiam – já devíamos saber disso. “Lamento muito a sua perda”, diz maquinalmente toda a gente, “Obrigado. Hã… Igualmente?”, devolve Kendall, tacteando. Ninguém sabe, ao certo, quem consolar pela morte de Roy, “um grande homem”, diz um, “que morreu a tentar apanhar o iPhone de uma sanita entupida”, completa Tom, informando-nos, enfim, com algum detalhe sobre as circunstâncias que não vimos no episódio 3. Em fundo, vão chegando os jornais com os “obituários”: as “críticas”, diagnostica Roman. “Quase tudo cinco estrelas”.

Enquanto se espetam facas, discute o significado da pontuação no testamento e percebe que botas deve ou não agora lamber, vamos escolhendo partidos

Mas é também cada vez mais evidente que “Succession” se refere ao epílogo de um tempo, de uma ordem, a velha, cuja “sucessão” o mundo há muito vem preparando. “Morreu um gigante do movimento conservador”, diz outro, para choque de Connor, o pretenso protocandidato republicano à Presidência: “Estão a ouvir isto? Estão a tentar fazer do pai um neocon! Ele não era um neocon! Era um paleolibertário! Quase um anarcocapitalista”. Connor, que negoceia e compra a casa à viúva do pai ali mesmo, entre condolências, e que está de partida em lua-de-mel com a noiva (ela que, prontamente, começa a discutir, entre familiares enlutados, que paredes vai deitar abaixo) por Michigan, Minnesota, Wisconsin e Pensilvânia, os “honeymoon states”. O Midwest. Uma lua-de-mel ou uma pré-campanha eleitoral pela América profunda, ou o que tudo isto é: um cortejo fúnebre por um mundo morrente.

Afinal, apesar da morte dum “gigante americano” e da proximidade das eleições, os estrangeiros que se preparam para comprar a Waystar já nem se dão ao trabalho de ir aos Estados Unidos. Nem a pedido. “Não dá… Desculpem. Venha um de vocês aqui ou mandem um dos velhos …”, dizem, depois de um “We really feel for you, guys… Bad one”, traduzível, basicamente, por: “Que chato isso de o vosso pai ter morrido”.

De resto, todas as conversas apresentam a mesma estrutura: depois de começarem por oferecer os seus sentimentos (que é, precisamente, aquilo que ninguém ali tem para dar), esclarecem que “on a business level” / “de um ponto de vista empresarial”, há decisões a tomar. E aí, é claro, todos se enfileiram para tentar levar tudo o que puderem. Quem fica com a melhor indemnização, quem recebe que parte da herança, quem será, enfim, o “sucessor” debatido desde o primeiro dia da série.

E enquanto se espetam facas, discute o significado da pontuação no testamento e percebe que botas deve ou não agora lamber, vamos escolhendo partidos. Há lá coisa mais humana – também… Identificarmo-nos, colocarmo-nos do lado de, no lugar de, ter compaixão, torcer por.

Mas cuidado. “Isto é História a acontecer! Sentes o cheiro?”, diz Greg. “Sim”, confirma Tom, “o cheiro a rosas e cadáveres em decomposição”.

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