O caso da saída de Alexandra Reis da TAP e as consequências que resultaram na demissão dos dois principais gestores da empresa vai tornar mais difícil ao Estado contratar gestores competentes para as empresas públicas. Mais difícil porque mais caro, na medida que os potenciais contratados vão provavelmente exigir um prémio para aceitar convites, admite João Moreira Rato, o presidente do Instituto Português de Corporate Governance (IPCG) que foi convidado no novo podcast do Observador sobre os desenvolvimentos semanais da crise da TAP e que foi emitido esta sexta-feira à tarde na Rádio Observador.
O presidente do IPCG defendeu que este caso levanta questões muito relevantes em matéria de governança corporativa (a forma como gestores e acionistas se relacionam) de empresas públicas, a começar pelo papel do chairman, um cargo que deve fazer a interligação entre os acionistas, o Estado.
“Sempre que há um membro demissionário de uma comissão executiva, isso teria de passar pelo chairman, e normalmente, por uma assembleia geral onde os acionistas estão representados. A comunicação com o acionista aqui parece não ter seguido esse processo natural” cuja condução é da responsabilidade do presidente não executivo (no caso da TAP, Manuel Beja).
Para Moreira Rato, que foi presidente do IGCP (a agência pública de dívida pública) entre 2012 e 2014, a circunstância de a TAP ser uma empresa pública não altera esta regra. Estamos a falar de uma sociedade comercial, de uma empresa num setor concorrencial e deve ter um modelo de governo parecido com o das empresas privadas. O presidente do instituto de governance cita as diretrizes da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) para o setor empresarial do Estado, segundo as quais deve haver uma justificativa para existir uma propriedade pública em vez de privada. A partir daí será uma boa prática que a gestão tenha autonomia operacional para executar a gestão corrente dentro das balizas do que é o plano estratégico e financeiro. A relação com o acionista dá-se em sede própria.
“Não se esperaria que o acionista estivesse a comunicar regularmente, via mail, com a comissão executiva em matérias de gestão corrente.”
O modelo de governo da empresa, acrescenta deve permitir que exista uma separação entre o estabelecimento do plano estratégico (que é matéria do acionista), a monitorização dos riscos e a gestão corrente, que terá de prestar contas ao acionista em sede própria.
Se uma equipa executiva não tem o espaço de manobra para a gestão operacional, deve pedir menos interferência e questionar certas práticas. “E se o chairman sentir que não tem condições para desempenhar as suas funções da forma como pensa que é a melhor, tem de pensar em por o seu lugar à disposição”, acrescenta João Moreira Rato. O ex-presidente do IGCP refere que há sempre fronteiras que se tentam passar, quando questionado sobre como se sentiu pressões enquanto esteve nesse cargo.
“Como gestor público nunca aceitei que certas linhas fossem ultrapassadas”. Não teve que colocar o lugar à disposição, mas explicou que não aceitaria algum tipo de interferências no que considerava ser “minha gestão no dia a dia. A forma como apresentava a informação, era uma matéria minha. A tutela podia fazer perguntas e pedir esclarecimentos, mas nunca aceitei que houvesse essas interferências nas posições que o IGCP transmitia”.
Já sobre a dupla tutela — o facto de a TAP ter de responder (como outras empresas) aos ministérios das Finanças e das Infraestruturas — João Moreira Rato defende que faz sentido. A partir do momento em que foi decidido que a empresa devia ser pública, “pode-se concordar ou não, passa a existir um desígnio político para a TAP e é normal que o Ministério das Infraestruturas seja o guardião desse desígnio. Mas também é normal que o Ministério das Finanças tenha o controlo financeiro de empresas que tenham impacto nas necessidades financeiras do Estado. São as Finanças que têm de decidir como o custo financeiro da TAP tem de ser acomodado. Mas esta dupla tutela, acrescenta, tem de ser clara e tem de haver comunicação entre as duas tutelas”. O que no caso da TAP, como sabemos, não sucedeu.
Para João Moreira Rato, a fórmula usada na TAP pelo acionista Estado para demitir os dois gestores da TAP dificilmente se repetiria no setor privado. Primeiro, porque numa empresa privada a demissão teria de ser feita numa assembleia-geral (na TAP, foi feito o anúncio da demissão e um mês depois concretizada através de uma deliberação social unânime após audiência prévia de Christine Ourmières-Widener e Manuel Beja). Em segundo, porque a saída seria feita por renúncia, o que não daria direito a indemnização.
“Sem renúncia o mais natural seria haver uma negociação (com pagamento de indemnização ou compensação)”. Mas o contrato de gestão (que no caso dos administradores da TAP não chegou a ser aprovado) seria importante para esse tema porque é ele que deve estabelecer o que deve acontecer no caso do acionista perder a confiança na equipa executiva. E estas regras de jogo deviam ser estabelecidas à partida nesse contrato.
Questionado sobre se o caso TAP vai dificultar a contratação de gestores competentes para o Estado, o presidente do instituto do governance responde que sim. “Os gestores só aceitam vir para uma situação pouco clara, do ponto de vista da atribuição de responsabilidades e das competência dos vários órgãos, se lhes pagarem um prémio”. Ou seja, se estiver dividido entre duas empresas, uma que tem uma estratégia muito clara e outra onde o contrato não é claro e onde a governança não tem funcionado bem, só irá para a segunda empresa se lhe pagarem um prémio”.