Afinal, João Lourenço decidiu manter Hélder Pitta Gróz como Procurador-Geral da República de Angola. Uma nota da Presidência da República, difundida na sua página oficial do Facebook, dá conta do decreto assinado pelo Chefe de Estado nesta terça-feira: reconduz o general no cargo e nomeia vice-procuradora-geral da República, Inocência Pinto, atual líder da Direção Nacional de Prevenção e Combate à Corrupção.
Terminam assim quatro meses de indefinição, muito criticada, num dos mais importantes órgãos do sistema judicial angolano, com um papel crucial na luta contra a corrupção, bandeira hasteada no primeiro mandato de João Lourenço e não arriada no segundo.
No entanto, foi a magistrada Inocência Pinto — que chegou a ser apontada como a sucessora do homem que angolanos e portugueses se habituaram a ver como o rosto institucional do combate à corrupção em Angola—, quem ficou em primeiro lugar na votação feita pela Comissão Eleitoral do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público (CSMMP) na segunda-feira (teve 11 votos, enquanto o general conseguiu 10, ex-aequo com o vice-procurador Mouta Liz).
Inocência Pinto foi nome mais votado para PGR angolana, Pitta Gróz em segundo lugar
Segundo a lei angolana, João Lourenço pode escolher um dos três nomes propostos pelo CSMMP, independentemente dos votos alcançados por cada um. E o Presidente angolano voltou a optar por Pitta Gróz e a manter a sua ideia inicial: ter uma mulher como vice-procuradora da República. Duas perguntas se impõem: porque é que não o fez então em dezembro de 2022, no primeiro ato eleitoral do CSMMP? E porque é que Pitta Gróz que escreveu uma carta a dizer que queria sair em dezembro, agora concorreu de novo ao lugar?
Aliás, a re-candidatura de Pitta Gróz foi tida, no sábado passado, como “uma grande surpresa”. E não era para menos, tendo em conta todo o processo anterior.
O Observador contactou o PGR na segunda e na terça-feira, mas o general recusou fazer qualquer comentário sobre o assunto, preferindo afirmar que está “empenhado no trabalho sobre a Semana da Legalidade” no âmbito de mais um aniversário da Procuradoria.
“Só posso entender que esta recondução por parte do Presidente resulta de factos novos no âmbito do combate à corrupção e que envolve o presidente do Tribunal Supremo e a presidente demissionária do Tribunal de Contas”, diz Luís Jimbo. Para o diretor executivo do Instituto Angolano de Sistemas Eleitorais e Democracia, o facto de ser “o atual PGR quem está encarregado de conduzir estes casos — já há um relatório conduzido pelo SIC [Serviço de Investigação Criminal] e esperamos a acusação em breve — terá pesado na decisão de João Lourenço”.
De outro modo, Luís Jimbo diz não entender o porquê desta demora, “pois o Presidente já tinha tido oportunidade para o renomear, após a primeira eleição pelo CSMMP. Não se justifica esta espera para depois ser nomeado”, afirma, ao mesmo tempo que vê com bons olhos a nomeação de Inocência Pinto: “Tem estado na linha da frente no combate à corrupção e é de uma nova geração, deixando-nos a expectativa de que seja uma rutura não só de geração mas também nos valores da justiça neste combate”.
Já uma fonte do Bureau Político do MPLA, que preferiu falar sob anonimato, justifica ao Observador a necessidade de um novo ato eleitoral dentro do CSMMP pois a de dezembro não teria “cumprido toda a legalidade”. Em dezembro, o general terá apresentado apenas o seu nome (quando deveria haver mais dois segundo as normas) e que terá dito aos seus pares que o fazia por indicação expressa de João Lourenço (JLo, como é tratado pelos angolanos). Esta terá sido, aliás, uma das razões que levou a que o Presidente e o PGR se tivessem desentendido em dezembro. Mas a mesma fonte nada diz sobre o porquê da demora.
O Observador tentou, em vão, obter um esclarecimento sobre esta demora e decisão junto do Palácio Presidencial. O mesmo sucedeu com o MPLA, partido no poder há 48 anos, com que o Observador não conseguiu falar.
Um processo longo e por explicar
Seja como for, o decreto de João Lourenço coloca um ponto final num processo pouco claro, que se arrastava há quatro meses. Dois meses antes de terminar o seu mandato de cinco anos à frente da PGR, em dezembro último, segundo fontes conhecedoras do processo disseram ao Observador, o general alertou o Palácio da Cidade Alta (sede do governo presidencialista angolano) para esse facto, dando tempo para que se pensasse em soluções.
A 16 de dezembro o plenário do CSMMP propôs ao Presidente da República, que é quem tem a competência constitucional para o nomear, a sua recondução para novo mandato. E poucos dias depois tornavam-se públicos os problemas.
A 24 de dezembro já havia notícias na imprensa angolana (no Angola24horas, por exemplo) de que o general tinha renunciado, o que foi confirmado ao Observador por uma fonte próxima do general que adiantava ter o PGR pedido a sua jubilação. Fonte oficial introduz agora aqui uma nuance: Pitta Gróz teria apenas colocado o seu lugar à disposição.
As razões nunca foram confirmadas institucionalmente mas várias circularam nos jornais e nas redes sociais e foram tema de debates em rádios angolanas, resumindo-se todas numa: João Lourenço tinha-se zangado com Hélder Pitta Gróz.
Se de facto JLo dera ordens diretas (ou indiretas) sobre a eleição, então não teria respeitado a separação dos poderes constitucionalmente consagrada. Mais. Na mesma reunião, de acordo com o MakaAngola do ativista e jornalista Rafael Marques, o general teria também afastado o seu vice-PGR, Luís Mouta Liz (conhecido como Mota Liz), igualmente por indicação de JLo, que preferia ver uma mulher nesse lugar.
Seis dias depois, segundo a mesma fonte, João Lourenço terá chamado o general ao Palácio presidencial e, “irritado”, ter-lhe-á manifestado o seu desagrado com o que se terá passado. Não só porque teria violado as regras, como por ter usado o seu nome, abrindo a porta a acusações de desrespeitar o princípio constitucional de separação de poderes.
A 23 de dezembro Pitta Gróz escreveu então uma carta de renúncia, invocando a sua idade, razão que não o tinha impedido de se recandidatar a 16 de dezembro e que não o impediu de o fazer agora, novamente, a 22 de abril: o general tem 66 anos, o limite estabelecido para os procuradores é de 65, mas pode ser estendido até aos 70, o que já aconteceu.
E depois seguiram-se quatro longos meses de silêncio da Presidência, com o general em funções, à espera de uma resposta da Presidência, mas obviamente “fragilizado na sua autoridade” como referia então Luís Jimbo.