[ALERTA SPOILER: este artigo contém detalhes sobre o quinto episódio da quarta temporada de “Succession”. Se não os quer conhecer, não leia]

A melhor parte de “Succession” é que, ao contrário de muitas outras sátiras frequentemente descritas como “geniais”, não odeia o seu objeto de trabalho. A cada episódio em direção ao fim, fica mais nítida a sua dimensão enquanto analogia de uma América em ruínas – empresarial, gananciosa, conservadora, solipsista, prepotente, ignorante, tão entretida com ela mesma e convencida da sua inexpugnabilidade que não deu pelas transformações do mundo em volta. Mas isso não significa ridicularizá-la num simplismo esquemático; ter caricaturas ou fantoches em vez de personagens; expô-la a um contraste extremado com as virtudes de uma pretensa contraparte virtuosa, como o bêbedo tropeçando pela sala de que todos se afastam para julgar, rir e, muito importante, não arriscarem ser confundidos. Pelo contrário. Quanto mais crítica “Succession” é, mais se torna consciente e auto-irónica, mais olha o resto da humanidade com a mesma descrença, mais se torna até estranhamente compassiva.

“The Kill List”, a lista negra ou, mais à letra, a lista de alvos a abater, leva-nos a um retiro numa floresta norueguesa, onde os potenciais compradores suecos da tecnológica GoJo querem perceber se há “compatibilidade cultural” com os americanos potencialmente compráveis do grupo de media Waystar. É o choque entre o novo e o velho mundo (não deixando, a esse respeito, de ser curioso que os autores da série tenham escolhido a Europa para representar o jovem leão e não a Ásia ou o Médio Oriente. Mas talvez ainda venhamos a perceber porquê), que tinha tudo para cair no sketch óbvio do elefante na loja de porcelana e que, na verdade, atravessa o precipício com invulgar sensibilidade, enquanto distribui as afiadas punhaladas do costume (ainda mais, se possível).

Vejamos Tom e Greg. O ex-genro Tom e o primo Greg. As tais duas personagens do septeto principal que são-mas-não-são-bem da família. Tom e Greg são a reinvenção de Jesse Armstrong dos bobos da corte: dizem as verdades a rir, mas são, simultaneamente, personagens trágicas, más, tão oportunistas e sem espinha como os fortes. E, à medida que Tom em particular, nada tem mais a perder, mais emerge como porta-voz da “moral” da história (admitindo que exista uma em “Succession”). Porque é que o encontro é na Noruega?, pergunta alguém, os gajos não são suecos? “Noruega, Suécia, qual é a diferença?”, diz Tom, “descendem todos dos mesmos violadores”. Para, à frente, quando questionado pelos ditos suecos acerca de qual poderá ser o futuro de França, considerando a atual conjuntura sociopolítica, declarar: “Nós, Estados Unidos, somos imperialistas tardios e, portanto, não sabemos. Porque não queremos mesmo saber. Temos a nossa própria Paris e, se ela arder, fazemos outra.”

Mas, enquanto Kendall fica muito perturbado por sujar os ténis com lama mal chega ao retiro e o resto da administração balbucia umas banalidades para tentar conquistar os escandinavos e ultrapassar o seu próprio sentimento de inferioridade perante a juventude e estilo de vida desportivo destes homens de negócios 3.0, nada, em “Succession”, nos diz que os novos miúdos na cidade são melhores. À sua maneira, parecem tão falsos e fabricados como o mundo que querem derrubar, e, se possível, ainda mais insensíveis, desequilibrados, maníacos e egocêntricos.

No episódio que nos deixa, rigorosamente, a meio da temporada final, caminhamos para o alto de uma montanha onde o challenger tecnológico comenta, olhando para a civilização lá em baixo: “As pessoas são minúsculas, não são?” Até chegarmos a um dos mais notáveis clímax da história da televisão: Matsson a mijar para um muro enquanto Roman Roy lhe grita, finalmente, do coração, o mínimo de humanidade e respeito que se exigia pela morte do pai.

Evolução dos acontecimentos à parte, os diálogos melhoram de episódio para episódio (“Temos de ficar com a ATN. Era a menina dos olhos do pai.” / “Ficamos com uma camisola. É menos racista.”; “O que achas do Matsson?” “Muito frio. Ouvi dizer que, quando manda uma, usa fones com cancelamento de ruído”). Se nunca chegar a haver sucessão e acabarem todos, como suspeitamos, a perder, teremos ao menos as citações. Teremos sempre as citações.

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