A documentação que chegou à comissão parlamentar de inquérito (CPI) mostrará que a reunião entre o deputado do PS Carlos Pereira com a ex-CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, foi para preparar a audição que no dia seguinte a gestora iria ter na comissão de Economia, já a propósito do despedimento de Alexandra Reis e da sua indemnização. A audição teve lugar a 18 de janeiro e a reunião entre o deputado socialista, elementos do gabinete do Ministério das Infraestruturas e Christine Ourmières-Widener aconteceu no dia anterior.

Segundo o deputado da Iniciativa Liberal, Bernardo Blanco, da documentação “fica claro” a combinação das perguntas e respostas. A SIC avançou, entretanto, que no centro está Frederico Pinheiro, adjunto de João Galamba, que primeiro perguntou ao ministro das Infraestruturas se a TAP podia participar na reunião. A SIC cita uma mensagem de Whatsapp de Frederico Pinheiro para Galamba dois dias antes da audição: “A TAP quer participar na reunião de amanhã com grupo parlamentar do PS, pode ser?” Ao que Galamba responde com um lacónico “pode”.

João Galamba já tinha dito, em comunicado, que  tinha sido “informado” de que a TAP, no dia 16 de janeiro — dia anterior ao encontro — tinha “transmitido o seu interesse em participar” na reunião que o Governo teria com o grupo parlamentar do PS, que foi representado apenas pelo deputado Carlos Pereira. E o seu gabinete não se opôs.

Galamba diz que TAP pediu para participar na reunião “secreta”. Ministro “não se opôs”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O ministro não esteve no encontro, mas dois elementos do seu ministério (o adjunto Frederico Pinheiro e a técnica especialista Cátia Rosas) estiveram. Aliás, segundo a SIC, foi Frederico Pinheiro quem coordenou a reunião secreta. E nas notas deste adjunto estarão escritas as perguntas que a SIC diz que são as que o deputado Carlos Pereira devia fazer na audição. E cita perto de uma dezena de perguntas: Que razões levaram à saída de Alexandra Reis? Que funções tinha? Esteve envolvida nos processos de reestruturação, nomeadamente salários? Relação entre o CEO da TAP e legalidade de indemnização; Contratação da SRS porquê? Já trabalhava para a TAP? O departamento jurídico acompanhou? Fez algum alerta? Comunicação entre chairman e CEO?

Ainda de acordo com a SIC, houve indicação para as respostas que a CEO devia dar aos deputados. Algumas foram aquelas que Christine Ourmières-Widener deu nessa audição de janeiro, outras foram um pouco diferentes.

“Sobre as razões da saída da Alexandra Reis: há divergências sobre a implementação do Plano de Reestruturação. Tem de haver um alinhamento de posições”, escreve a SIC, como sendo uma reposta combinada. Neste caso a ex-CEO respondeu nesse sentido, tal como na seguinte: “Não há nada pessoal, isso é chocante até pensarem nisso”.

Sobre comunicação com o Governo, “enviámos tudo para IGF [Inspeção-Geral das Finanças], comunicações escritas entre mim e o Governo”, isso mesmo disse Christine, tal como o envio das comunicações para Hugo Mendes.

Quanto à sociedade de advogados, “a Sociedade Rebelo de Sousa já estava a trabalhar com a TAP”, teria de responder Christine, tal como a indicação, segundo a SIC, de que “o chairman esteve sempre envolvido e disse-me que falou com o Governo. Ele assinou o documento. O Departamento jurídico TAP não acompanhou as negociações. Não podíamos ter feito isto sem o ok do acionista, deixaram de fora os advogados TAP por causa dos conflitos de interesse e confidencialidade”. Só neste último ponto a versão é ligeiramente diferente da que Christine contou, que disse que a contração de advogados era normal. Mas como se foi vendo na comissão de inquérito Christine, nas conversas com Gonçalo Pires, pretendeu mesmo reserva da informação sobre a saída de Alexandra Reis dentro da TAP.

Caso Alexandra Reis. Presidente da TAP compromete advogados e secretário de Estado que autorizou indemnização por escrito

Quanto a Carlos Pereira, e tal como o Observador já relatou, houve mesmo perguntas que coincidem com as descritas pela SIC.

Na primeira ronda dessa audição, Carlos Pereira levou tempo também a questionar o papel dos advogados. “É habitual na TAP que houvesse a contratação de sociedade advogados para processos desta natureza? E já trabalhava com a TAP essa sociedade?” E ainda houve acompanhamento do departamento jurídico da TAP sobre esta matéria?”, questionou, colocando ainda perguntas sobre outras indemnizações pagas pela TAP e pediu que fossem referidas as divergências entre Christine e Alexandra. “A senhora presidente referiu e pareceu-me claro que a razão pela qual Alexandra Reis saiu da TAP não são razões pessoais, são divergências profissionais e opções estratégicas”, afirmou o deputado na introdução à pergunta: “Pode precisar em que divergiam?” Carlos Pereira ainda perguntou sobre a passagem de Alexandra Reis para a NAV e sobre o plano de reestruturação.

Os dois tons de Carlos Pereira nas audições a Christine Ourmières-Widener no Parlamento

Antes da divulgação destas comunicações pela SIC, já Bernardo Blanco, da IL, e Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, tinham indicado, à margem da comissão de inquérito, que a reunião do grupo parlamentar do PS com Christine Ourmières-Widener tinha sido do conhecimento de Galamba. Blanco foi mesmo mais longe e declarou, logo, que as perguntas e respostas tinham sido combinadas.

Continua ainda pouco clara a origem da reunião. O deputado liberal disse que partiu do Ministério das Infraestruturas, e a SIC refere que aconteceu a pedido do PS. Bernardo Blanco referiu também que ainda não foi claro como é que a ex-CEO “teve acesso a essa reunião”, mas “claramente foi o Governo que lhe enviou o link, a nota de calendário, para a reunião, tendo o Ministério dos Assuntos Parlamentares um efeito de ponte e não estando envolvido no resto”.

Deputado do PS confirma que esteve em reunião com CEO da TAP e diz que foi para “partilha de informações”