Afinal, depois de Fernando Medina ter recusado a responsabilidade pela omissão de um parecer que detetava falhas no controlo do Plano de Recuperação e Resiliência, o Governo esclarece que foi mesmo o ministério das Finanças o responsável por acompanhar o processo, que acabou com a divulgação do documento, ditada por uma ordem judicial.

Depois de esta sexta-feira o ministro das Finanças ter empurrado o assunto para o ministério da Presidência, de Mariana Vieira da Silva, recordando que as Finanças não tutelam a área dos fundos comunitários, uma resposta enviada ao Observador e coordenada entre os dois ministérios assume que a Presidência “não recebeu” quaisquer pedidos de meios ou entidades para divulgar o parecer em causa.

Uma versão que bate certo com a que tinha sido adiantada pelo Jornal de Notícias, que pediu repetidamente acesso a esse documento às Finanças, até recorrer ao Tribunal Administrativo de Lisboa para obrigar o Executivo a revelar a informação.

Medina escondeu parecer que apontava falhas no controlo do PRR

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Na resposta enviada ao Observador, o Governo assume que, apesar de Medina se ter posto fora do dossiê, foram as Finanças que “intermediaram”, junto da Comissão de Auditoria e Controle do PRR (responsável pela elaboração do parecer), a “disponibilização” do documento.

O Executivo não se pronuncia sobre o desfecho do caso na Justiça, acrescentando que o texto acabou por ser remetido pelo presidente da Comissão em fevereiro deste ano — cinco meses depois de o jornal ter começado a pedir acesso a ele — com “informação rasurada, ao abrigo da lei de acesso a documentos administrativos”.

O objetivo, prosseguem os ministérios de Medina e Vieira da Silva, foi “preservar a estratégia de auditoria” da mesma comissão, “sob pena de esta ficar comprometida com a sua divulgação pública”. A revelação do conteúdo do documento acontece já depois de a Comissão de Acesso a Documentos Administrativos ter determinado que a informação deveria ser divulgada, como escreveu o Jornal de Notícias.

Parecer é positivo, mas há risco de conflitos de interesse e duplo financiamento

O documento, enviado pelo Executivo ao Observador, contém de facto informação rasurada que não permite perceber a que investimentos e projetos se refere concretamente em cada ponto. Mas data de setembro de 2022 e diz respeito ao segundo pedido de pagamento relativo ao PRR, sendo que a Comissão de Auditoria e Controle tem a responsabilidade de fazer um parecer prévio sobre cada um desses pedidos semestrais. Neste caso, a avaliação tocava 18 marcos e duas metas relativas ao PRR e correspondia a um montante de mais de 2,1 mil milhões de euros.

Apesar de admitir que não conseguiu ainda fazer uma “avaliação de risco completa e devidamente suportada em termos técnicos”, a Comissão avança com algumas conclusões. Por um lado, identifica riscos de “duplo financiamento” nalguns projetos; e apesar de uma “evolução positiva”, nota que o sistema de controlo interno do PRR “evidencia ainda insuficiências“, especificamente no que toca à “verificação da inexistência de conflitos de interesse”.

Sobre a auditoria realizada pela Inspeção-Geral de Finanças, que avaliou o cumprimento das recomendações feitas quanto ao primeiro pedido de pagamento, registou-se uma “evolução positiva”, embora só duas dessas tenham sido dadas por encerradas — “as restantes foram consideradas em fase de implementação ou parcialmente cumpridas”. Entre as não encerradas, e consideradas relevantes pela “confiança” que deve existir à volta do PRR, nomeiam-se o risco de incumprimento de prazos e metas, por exemplo.

“A IGF – AA, sublinhando a evolução positiva registada, considera que o sistema de controlo interno do PRR evidencia ainda insuficiências”, frisa o documento.

A Comissão acaba por dar um luz verde a este segundo pedido de pagamento para que seja enviado à Comissão Europeia, embora com vários avisos, incluindo sobre as limitações das atuais conclusões — dependentes de mais informação ou de análises que ainda estão a decorrer — e sobre a necessidade de cumprir as recomendações formuladas pela Inspeção-Geral de Finanças; de realizar “ações de controlo e follow up para mitigação do risco de duplo financiamento e do risco de ausência de declaração de inexistência de conflito de interesses” ou o reforço dos mecanismos de “mitigação do risco de conflitos de interesse”.

Na sexta-feira de manhã, Medina tinha sido questionado por jornalistas sobre a notícia do Jornal de Notícias que dava conta do parecer “escondido”. Recusando comentar a “adjetivação” escolhida pelos jornais, o ministro empurrou então a responsabilidade pela pasta para Vieira da Silva: “As Finanças não têm a tutela relativa aos fundos comunitários, devem dirigir as questões a quem as pode responder”.