[ALERTA SPOILER: este artigo contém detalhes sobre o sexto episódio da quarta temporada de “Succession”. Se não os quer conhecer, não leia]
Morrer não foi nada a cara do pai – e os Roy ainda andam a lidar com isso. Onde acaba o sentimento e começa o sentimentalismo ao serviço de uma estratégia de venda é difícil dizer, mas suspeitamos que nem os próprios saibam.
O melhor de “Succession” acontece sempre aí, quando trabalha nas pequenas zonas dúbias da psicologia humana e as expande para vastos terrenos de jogo, campos de batalha. Talvez como os funâmbulos olham para a corda bamba e vejam a largura de uma ponte, Jesse Armstrong monta sobre a mais insignificante troca de palavras um concentrado de drama humano que pode ir da humilhação ao amor, da ternura à crueldade, do fracasso à sublimação (é ver, por favor, a cena quase final em que Roman escuta em loop, ao ouvido, a voz do pai a escarnecê-lo num clip adulterado).
Na contagem decrescente para o final, o episódio 6 troca a costa leste por Los Angeles para os preparativos do Dia do Investidor, um daqueles momentos em que os empresários modernos usam o seu dinheiro para comprarem a sensação de que são estrelas pop. Em palco, descontraidamente vestidos (descontracção pensadam rigorosamente, ao pormenor), entram em cena ao som de música pop ou hip-hop que não podia falar menos dos valores que representam para apresentarem novos produtos acerca dos quais estão, invariavelmente, “empolgados”, “tão excitados” de “partilhar” e é tudo tão “fun”, tão “desafiante” e toda a “corporate bullshit” a que os tontos têm direito.
Declaradamente na esteira do pai, o evento estava preparado para Logan Roy, de modo que, agora, os filhos têm de fazer simbolicamente o que precisam de estender a toda a empresa: calçar os sapatos do defunto. Tomar o seu lugar. No dilema cada vez mais tenso entre fazerem o que pensam que o pai faria ou assumirem as suas próprias ideias e vontades que, por falta de uso, nem eles sabem, ao certo, quais são.
Órfãos, verdadeiras crianças que, depois de exibirem a sua vulnerabilidade, se escondem atrás das palavras e dos gestos mais cruéis, peregrinam aqui em direção a esse púlpito final que tanto pode ser o pódio como o cadafalso, enquanto, em volta, os oportunistas esperam para perceber se os devem aclamar ou comer-lhes os restos.
O negócio, é claro, nunca mais se faz. Há 35 episódios que se adia a sucessão na liderança da Waystar e assim deve continuar por, pelo menos, mais três. Roman e Kendall continuam a tentar conservar o império, enquanto o potencial comprador europeu, Lukas Matsson, suposto génio da tecnologia, caminha de pés nus pelo mundo, comenta decorações démodé de aviões privados e decide o futuro de biliões de dólares com um tweet. Shiv joga jogos duplos e, como Tom resume, continua a manter todas as opções em aberto. E Connor, claro, nem aparece no episódio porque nem os autores da série disfarçam que não conta para nada.
À medida que o corpo do patriarca arrefece, lá se vai perdendo o medo de ocupar o espaço vazio. Estala o verniz, saltam as verdades. “Tu és um monarca fraco num interregno breve”, diz Gerri. “Preciso que acredites que eu sou tão bom como o meu pai. Consegues fazer isso?”, devolve, infantilmente, Roman, sem se aperceber de quão vulnerável se acaba de revelar e num estilo típico das crianças Roy, que acham que só têm de pedir o que querem que aconteça e que, depois, cabe aos outros fazê-lo acontecer. Como se a sua felicidade fosse um dever dos outros. “Não podes ganhar contra o dinheiro”, sentencia ela. “O teu pai sabia disso. O dinheiro vai levar tudo.”
E, entretanto, no centro da alegoria, está o novo produto que Kendall vai apresentar aos investidores, o tal que o pai morreu antes de apresentar: Living+, uma espécie de lar de luxo para idosos que ele tenta, à força, adornar com efeitos especiais para fazer crer que é outra coisa, mas que, no limite, é só isto: a nossa eterna impotência perante o absurdo da morte.