A Comissão de Transparência considera “politicamente censurável” a participação do socialista Carlos Pereira numa reunião com a ex-presidente executiva da TAP mas rejeita que os deputados possam ser impedidos de participar em encontros que achem úteis para o mandato.
PSD e Chega tinham pedido à Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados para emitir parecer sobre a presença do deputado socialista Carlos Pereira numa reunião com a anterior presidente executiva da TAP na véspera da sua audição parlamentar em janeiro, na comissão parlamentar de Economia, e se existiu conflito de interesses por ser depois coordenador do PS na comissão de inquérito à TAP.
O parecer, da autoria da deputada do PCP Alma Rivera, refere que “a participação de um deputado do grupo parlamentar que suporta o Governo numa reunião convocada pelo próprio Governo com a participação da administração de uma empresa de capitais públicos, com o objetivo de preparar uma audição relativa a essa mesma empresa, dotando esse grupo parlamentar de informações não fornecidas aos demais, coloca-o numa posição privilegiada contrária ao princípio do estatuto único constante do artigo 1.º, n.º 2 do Estatuto dos Deputados”.
O parecer refere igualmente que esta situação “levanta a suspeita sobre o condicionamento das perguntas e respostas a efetuar na comissão, pelo que é politicamente censurável”.
No entanto, “independentemente do juízo de censura política que legitimamente se faça dos factos descritos, os poderes dos deputados e dos grupos parlamentares” decorrentes da Constituição, Estatuto dos Deputados, Regimento da Assembleia da República, Código de Conduta dos Deputados e Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, “implicam que nenhum deputado pode ser impedido de participar em qualquer reunião que entenda útil para o exercício do seu mandato”.
Conclui-se também que “a indicação dos deputados para integrar qualquer comissão parlamentar, permanente ou individual, é um direito exclusivo dos grupos parlamentares”.
Este parecer foi aprovado hoje pela 14.ª comissão com os votos favoráveis de PS e PCP, a abstenção da Iniciativa Liberal (IL) e os votos contra de PSD e Chega. O BE estava ausente da sala no momento da votação.
No debate que decorreu antes da votação, a deputada Alma Rivera afirmou que, do ponto de vista das normas que regem o mandato dos deputados, “não existe nenhum impedimento que se possa invocar”, apontando que o “resto é juízo político”.
A comunista defendeu igualmente que o parecer que elaborou é “equilibrado na medida em que não ignora as inquietações que uma situação destas pode suscitar, mas também não retira conclusões que, de acordo com a ordem vigente, não pode tirar”.
A deputada Emília Cerqueira, do PSD, considerou que o parecer faz uma “leitura desligada da realidade” e deveria ter referências aos “factos públicos e notórios” de “reuniões mais ou menos secretas de um grupo parlamentar”.
E considerou que a questão prende-se com as “implicações de um deputado declarar não ter conflito de interesses quando anda a fazer combinações de perguntas e respostas”.
Rui Paulo Sousa, do Chega, apontou que o parecer dá “uma no cravo e outra na ferradura” e considerou que quando o deputado Carlos Pereira “diz não ter nenhum conflito de interesses” devido à participação nessa reunião “sem dúvida que há não está de acordo” com as disposições que regem o exercício do mandato.
Carlos Guimarães Pinto, da IL, apontou que as “dimensões jurídica e política não são totalmente separáveis” e defendeu que um deputado que integre uma comissão de inquérito tem “uma responsabilidade acrescida no que diz respeito a eventuais conflitos de interesse”.
Por seu turno, o socialista João Castro lamentou o uso do termo “reunião secreta” e a “repetição contínua de que houve perguntas e respostas combinadas”.
O deputado do PS disse subscrever “na íntegra que nenhum deputado pode ser impedido de participar” numa reunião que entenda útil e reiterou que o encontro entre socialistas, membros do Governo e a ex-CEO da TAP teve como objetivo “preparar a audição na Comissão de Economia” e decorreu antes do início da comissão de inquérito.
“Continuamos sem perceber como é que uma reunião realizada antes do início de funções de uma comissão parlamentar de inquérito pode prejudicar essa mesma comissão parlamentar de inquérito”, salientou.
Carlos Pereira era coordenador do PS na Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP, mas deixou de integrar esta comissão em meados de abril.