Gerou uma intensa e longa discussão, com os partidos da oposição a exigirem uma audição com grelha longa — que tem sido a regra das comissões parlamentar de inquérito — face uma versão mais curta aplicada em 20 das 28 audições já realizadas neste inquérito à tutela política da gestão pública da TAP. A grelha curta foi aplicada para ouvir os 12 sindicatos da TAP, mas acabou por ser usada em outras audições. Estava prevista pelo presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que fosse também usada nas três audições desta semana e já tinha sido comunicada ao empresário e ex-acionista da TAP, Humberto Pedrosa.

Face à contestação dos deputados — Paulo Moniz do PSD considerou a opção imprudente, Mariana Mortágua do Bloco expressou desagrado e Bruno Dias do PCP mostrou-se estupefacto, Jorge Seguro Sanches saiu da sala, para refletir sobre a sua continuidade à frente da CPI à TAP. Deixou no seu lugar o vice-presidente do PSD, Paulo Rios de Oliveira, que depois de uma votação empatada em que cada deputado valia um voto, usou o seu voto de qualidade para impor a audição longa que acabou afinal, por não ser assim tão longa. Durou pouco mais de três horas.

Tempo de audição de cada inquirido leva a embate na comissão. Seguro Sanches abandona trabalhos e deixa dúvida sobre a sua continuidade

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Já antes desta discussão, o PS, que foi o único partido a querer a grelha mais curta — três minutos de perguntas com resposta direta do inquirido, em vez dos tradicionais oito minutos na primeira ronda — tinha dado outro sinal, ao chumbar dois requerimentos do PSD a pedir documentação. Foram chumbados os pedidos para que fossem enviados à CPI todas as trocas de email entre a TAP e o Ministério das Infraestruturas desde 2020 — o que o PS criticou dizendo não ser “pesca por arrastão”, tendo ainda chumbado o pedido do PSD para serem requeridas informações à PSP e à PJ sobre os acontecimentos no Ministério das Infraestruturas após a exoneração de Frederico Pinheiro como adjunto de João Galamba.

Só depois de uma discussão de uma hora é que Humberto Pedrosa acabou por ser chamado para a audição.

1 Humberto Pedrosa salientou, por várias vezes, a importância que dá à TAP e como gostaria de ter ficado. Mas quando chegou a pandemia – que acreditava que seria ultrapassada de forma mais rápida – não houve possibilidade de se manter. O plano de reestruturação da TAP (e o Governo) não contava com ele. Mas também por uma questão de dinheiro. “Não conheço nenhum empresário privado que tivesse disponibilidade de 1.000 milhões de euros para colocar na TAP. Não eram trocos. Eu não tinha. E garanto que se tivesse, tinha posto, porque acredito na TAP que vai ser uma grande companhia e tem uma grande marca. Só precisa de uma boa gestão”.

E com isto em mente garante que saiu da TAP com prejuízo. Meteu 5 milhões em capital e 12,5 milhões em prestações acessórias (que ainda estão na companhia). “Não foi tirado um cêntimo da TAP. Eu tinha cartão de crédito, nunca usei. Perdi as prestações acessórias, mas foi uma aposta minha. Aguentei até ser possível. Hoje faria a mesma coisa”. Mas perdeu mais. Perdeu, disse, cinco anos a pensar mais em aviões do que em autocarros.

Como gostava da TAP, tentei ficar, fiquei até ser possível. Quando vi que não havia condições para continuar, saí com prejuízo”, assumiu, dizendo, aos deputados, que o Estado pretendeu gerir a crise sozinho. Saiu sem qualquer dinheiro, ao contrário do seu sócio David Neeleman que recebeu 55 milhões para deixar a transportadora. “Se calhar era vontade do Governo afastar David Neeleman”, mas quanto a si não se sentiu escorraçado. “Não chorei o dinheiro que lá ficou, ficou porque teve de ficar, perdi porque tive de perder, mas foi uma opção minha, podia ter saído com antecedência. Acredito na companhia, é uma marca fantástica”, reforçou. Disse ainda que não considera ter sido “escorraçado” pelo Governo. “Chegou um ponto em que não havia condições para continuar, a estratégia do Governo não contava comigo. A minha decisão foi tardia”, admite.

Humberto Pedrosa é diferente de David Neeleman: “Saí com prejuízo. Não chorei o dinheiro que lá ficou”

2 “Doação, será?”. Com esta pergunta Humberto Pedrosa tentava encontrar a palavra certa para os chamados fundos Airbus que primeiro identificou como um empréstimo da construtora aeronáutica a David Neeleman para capitalizar a TAP, mas que perante as dúvidas da bloquista Mariana Mortágua deixou outra hipótese: doação? Sem a palavra certa, Humberto Pedrosa garantiu que os 226 milhões de euros dos fundos Airbus (que ainda não, nas suas palavras, na TAP) foram uma negociação do seu sócio com o fabricante. Uma negociação feita “diretamente” por Neeleman e que, segundo revelou à comissão de inquérito, só ficou a saber mais tarde, mas sem precisar a data em que ficou a saber. “Quando fui convidado para entrar, Neeleman tinha o projeto todo feito, eu fiscalizava o que o Neeleman ia fazer. Há pormenores sobre os quais eu não pedia explicação porque acreditava, não tenho queixa que houvesse fuga de alguma coisa feita pelo senhor Neeleman”.

Neeleman aportou 5 milhões de euros de capital à TAP, mas as prestações acessórias do empresário norte-americano – que conseguiu cidadania da União Europeia com um visto gold em Chipre – foram feitas através desses fundos Airbus.

“Esse dinheiro era da Airbus, que deu a Neeleman para capitalização da TAP. E perante a expectativa que a Airbus tinha de mais tarde continuar a vender aviões à TAP. Não foi para o senhor Neeleman”.

3O empresário português, que foi parceiro de David Neeleman na compra da TAP em 2015, explicou porque investiu na TAP nessa data, e porque não ficou na empresa durante a pandemia (mesmo perdendo dinheiro) E afirmou que está disponível para o voltar a investir, se surgisse um grupo de empresários nacionais que tivesse disponibilidade para comprar, num modelo distinto em que a transportadora se mantivesse como uma empresa de referência autónoma. Para Humberto Pedrosa, a “TAP tem condições para ser uma companhia de referência sem ser integrada num grupo”, apesar de admitir que muitos defendem a integração num grupo, que é o plano que está a ser trabalhado pelo Governo.

Esta não é a única divergência do dono da Barraqueiro em relação ao processo de privatização da TAP.  Reconhecendo que o volume de fundos colocado pelo Estado na empresa é enorme. E apesar de acreditar na empresa, indica que vai depender de quem vai gerir a empresa e de quem vai comprar. Para Humberto Pedrosa,  “se calhar este não era o momento ideal para vender. Se a TAP fosse minha, esperava por uma melhor oportunidade (aguardava um ano), para pôr a TAP a ganhar dinheiro”.

Humberto Pedrosa também revelou uma opinião vincada sobre quem não deveria comprar a TAP num cenário de integração num grupo de aviação.. “Tem que haver muito cuidado com a venda. Não é pelo valor… Mesmo que a Iberia faça uma oferta melhor do que a Lufthansa, deveríamos optar pela Lufthansa ou outra companhia. Nunca pela Iberia porque temos o risco de o hub passar para Madrid”.

4 Quando Humberto Pedrosa e David Neeleman chegaram à TAP, em 2015, a situação era má, mas os empresários não sabiam que era tão má. Isso mesmo disse Humberto Pedrosa na comissão de inquérito à TAP. “Sabíamos que a situação era má, mas não sabíamos que era tão má”.

E reforçou a ideia: “Na realidade tínhamos ideia que não era boa. Só que quando chegámos era pior do que estávamos a prever”. E explica: “O caixa estava a zero. Havia atrasos a fornecedores e não havia dinheiro para salários em dezembro”. E foi por isso que o grupo Barraqueiro usou fundos próprios para cumprir obrigações financeiras, mas também “facilitou linha de crédito com garantia pessoal minha e cedeu e garantia aberta na banca para o grupo Barraqueiro”. É que à data da privatização, a TAP tinha uma situação degradada “com capitais próprios negativos, não gerava receitas para fazer face aos custos e o seu acionista, o Estado, estava impedido de injetar novos fundos”. Nesse processo de venda as avaliações apontaram para valores entre 129 e 512 milhões negativos da empresa.

5Tem sido um tema recorrente desde que foi destapado pelo Bloco de Esquerda, e voltou a surgir na audição a Humberto Pedrosa. O contrato de prestação de serviços de consultoria, no valor de 1,6 milhões de euros, assinado com o ex-presidente da TAP Fernando Pinto, é encarado com naturalidade por Pedrosa. “Houve uma mudança, entrou um CEO novo [Antonoaldo Neves] que não conhecia a companhia e Fernando Pinto saiu. Nessa transição, era importante que Fernando Pinto continuasse a ter alguma colaboração com o conselho de administração e a comissão executiva”, refere, porque “era o único que conhecia” a TAP. Quanto ao valor, não era mais do que ganhava como CEO. Até era menos, porque ganhava 12 meses e não 14.

Sobre Fernando Pinto, os deputados quiseram saber por que foi nomeado administrador da Atlantic Gateway, a holding privada que era acionista da TAP. Era uma exigência do regulador, a ANAC, explicou o empresário, porque era necessário ter alguém com experiência no setor da aviação, que o grupo Barraqueiro desconhecia. O empresário português refere ainda que David Neeleman e Trey Urbahn, os administradores da TAP que conheciam o setor, não cumpriam a exigência legal de serem cidadãos da UE. Fernando Pinto tinha já dupla nacionalidade, brasileira e portuguesa.

6 O empresário foi chamado a justificar a opção de pagar o salário dos administradores privados através de um contrato de prestação de serviços entre a TAP e a holding privada que era acionista da companhia. A Atlantic Gateway, a empresa detida por Pedrosa e Neeleman, tinha despesas, como advogados. “Entendemos que em vez de receber salário, recebíamos via faturação da prestação de serviços da Atlantic Gateway à TAP que assim tinha fundos para fazer face às despesas”. Esses pagamentos não faziam descontos para a Segurança Social e IRS porque “esse dinheiro não ia para bolso dos acionistas e administradores”. Mas quando sobrava algum dinheiro (face às despesas da Atlantic Gateway) era enviado para a Barraqueiro e para a DGN (holding de Neeleman).

7Ao fim de três horas de audição, surgiu a primeira pergunta sobre Alexandra Reis, ex-administradora da TAP que saiu com uma indemnização de 500 mil euros, a mesma que esteve na origem da comissão de inquérito. Acresce que Alexandra Reis foi uma escolha do acionista privado. A lembrança coube ao PSD. Na resposta, Humberto Pedrosa lembrou que a ex-administradora foi contratada num processo de recrutamento para diretora de compras, “papel que desempenhou com grande sucesso”, e que não era fácil porque as compras estavam espalhadas pelas várias direções. A escolha foi do seu filho, David. O empresário considera que Alexandra Reis é uma “grande profissional, por isso é que foi convidada para a NAV e para a secretaria de Estado do Tesouro”. Sobre a saída com 500 mil euros, tem dúvidas.

“A Alexandra era diretora, se tinha uma incompatibilidade na comissão executiva, podia ter passado para diretora outra vez, em vez de a despedirem. Diz que se pudesse escolher a atual administração, escolheria o atual CEO, Luís Rodrigues, um “homem bastante competente”.

Alexandra Reis “podia ter voltado a ser diretora em vez de ser despedida”, defende Humberto Pedrosa