O Governo optou por não atualizar, em 2022, os escalões de IRS à taxa de inflação, uma decisão que terá beneficiado as receitas com o imposto num valor entre 497 milhões de euros e 549 milhões de euros, ou o equivalente a 0,2% do PIB, segundo contas do Conselho das Finanças Públicas (CFP), divulgadas esta quinta-feira. A entidade liderada por Nazaré da Costa Cabral confirma que a carga fiscal, no ano passado, atingiu um máximo histórico e volta a deixar críticas à execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

No documento em que analisa a evolução orçamental das administrações públicas em 2022, o CFP debruça-se sobre os impactos nas receitas da não atualização dos limites dos escalões em função da inflação — que atingiu 7,8% em 2022. Essa atualização, a acontecer, seria “a forma mais direta de mitigar o impacto da inflação no rendimento dos sujeitos passivos“. Mas o Governo optou por não a fazer (procedeu, antes, ao desdobramento de dois escalões).

Nas contas do CFP, a atualização dos limites dos escalões do IRS em 7,8% teria implicado um corte da receita de IRS em entre 3% a 3,2%. “Tendo em conta que a receita de IRS em contas nacionais em 2022 ascendeu a 16 910 M€, aplicando as referidas percentagens a essa receita estima-se ceteris paribus que o impacto da não atualização dos escalões terá variado entre 497 M€ e 549 M€ com um valor central de aproximadamente 523 M€, o equivalente a 0,2% do PIB“, calcula o CFP. Ou seja, essa não atualização foi responsável por “aproximadamente um quarto do crescimento da receita de IRS no ano de 2022“.

O CFP confirma que a carga fiscal, medida pela receita de contribuições sociais efetivas e impostos, atingiu um “novo máximo histórico“, ao tocar nos 36,2% do PIB, uma subida de 1,1 pontos percentuais do PIB face ao ano anterior. Esta evolução reflete, “essencialmente”, o aumento do peso dos impostos diretos (10,7% do PIB em 2022), o que se explica pelo facto de o IRS e o IRC terem subido acima da evolução do PIB nominal. O peso dos impostos diretos no produto nominal atingiu mesmo o valor mais elevado desde 2015 (10,7%), ano em que vigorava a sobretaxa de IRS.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Já o peso dos impostos indiretos “manteve-se estável em 15,1% do PIB”: o aumento do peso do IVA (em 0,5 p.p. do PIB, uma subida de 18,1%) compensou o decréscimo das receitas com o imposto sobre os combustíveis (menos 0,5 p.p.). por causa das medidas de apoio em vigor, como o descontos no ISP.

No lado da despesa, a entidade liderada por Nazaré da Costa Cabral salienta que a atualização salarial da função pública em 0,9%, não indexada à inflação, e até muito abaixo desta, “favoreceu uma reação parcial e contida da despesa pública aos preços, baixando o seu peso no PIB”. A aliviar a despesa esteve também o fim de muitas medidas de resposta à pandemia.

Execução do PRR “continuou a ficar muito aquém do previsto”

A preocupação sobre a baixa execução do PRR tem sido levantada com frequência pelo Presidente da República, que em novembro passado chamou à atenção para o facto de “dos 16.600 milhões de euros, há 800 milhões já no terreno”. “Estão contratualizados os projetos, está fechado, mas está a demorar a ir para o terreno. (…) Isto significa que está a haver dificuldades de execução, algumas ao nível europeu, outros ao nível interno”, disse Marcelo Rebelo de Sousa.

O CFP lança o mesmo alerta, tal como tem feito noutros relatórios publicados. Em 2022, a execução do PRR aproximou-se dos 800 milhões de euros, “um resultado que, à semelhança do verificado em 2021, continuou a ficar muito aquém do previsto pelo MF [Ministério das Finanças] nos documentos de programação orçamental”.

O grau de execução, face ao previsto no Orçamento do Estado para 2022, ficou abaixo dos 25%, “refletindo um desvio de 2501 M€”. “A despesa de capital concentrou os maiores desvios, explicando quase dois terços do valor global do desvio da execução em 2022, com a FBCF [formação bruta de capital fixo] a contribuir em maior escala para esse desvio”, indica o Conselho. O investimento público financiado pelo PRR atingiu os 290 milhões de euros dos 1.216 milhões previstos no OE2022, ou seja, um grau de execução de apenas 24%.

Em entrevista ao Observador, Nazaré da Costa Cabral já tinha antecipado um maior grau de execução apenas na reta final do PRR, que se prolonga até 2026. “2023 é um ano ainda muito marcado pelas tensões inflacionistas que prejudicam o lançamento de concursos e, eventualmente, pode atrasar alguns investimentos”, disse, acrescentando que 2024 e 2025 “são os anos em que o PRR finalmente ganha alguma tração do ponto de vista da execução efetiva e da forma como os montantes chegam à administração pública e às empresas”.

Mas também mostrou preocupação com a execução que pode tornar-se apressada na reta final. “Eu não ponho de parte — oxalá eu me engane — que chegados ao fim do PRR, andemos ali nos últimos meses ainda a tentar distribuir assim uns fundos por várias áreas para dizer que se executou integralmente o PRR em coisas que não são necessárias, e que depois vão ter um caráter completamente supérfluo”, antecipou.

Nazaré da Costa Cabral: equilíbrio aparente das contas públicas “não nos deve apaziguar”. “Admito que as coisas possam agudizar-se”