O défice da Caixa Geral de Aposentações (CGA), na ótica da contabilidade orçamental pública (ótica de caixa), foi, em 2022, maior do que o previsto e atingiu os 196 milhões de euros, uma deterioração de 277 milhões face ao resultado positivo do ano anterior. Segundo um relatório do Conselho das Finanças Públicas (CFP) divulgado esta quinta-feira, “desde 2014 que o saldo da CGA não registava uma situação deficitária”.
De acordo com informação prestada pela CGA ao CFP, o défice de 2022 explica-se, sobretudo, com a utilização de receita não efetiva (ativos financeiros) para o pagamento de despesa efetiva (pensões), que foi autorizada pelo secretário de Estado do Orçamento. “Com efeito, foi utilizado em despesa com pensões o montante de 321,1 milhões de euros que tinha sido aplicado no final de 2021 em Certificados Especiais de Dívida de Curto Prazo (CEDIC) e que foi reembolsado em 3 de janeiro de 2022”, refere o CFP, no relatório sobre a “Evolução Orçamental da Segurança Social e da CGA em 2022”.
O saldo da CGA, na ótica da contabilidade orçamental pública (ótica de caixa), passou de um excedente de 81 milhões de euros em 2021, para um défice de 196 milhões de euros em 2022, uma situação negativa que foi “mais acentuada do que estava previsto para 2022” (um défice de 91 milhões de euros).
Este “desvio desfavorável” de 105 milhões de euros explica-se pelo facto de a despesa ter sido superior ao previsto em 364 milhões de euros, enquanto a receita ficou 259 milhões de euros acima do previsto. O complemento excecional aos pensionistas, financiado pelo Orçamento do Estado e pago em outubro de 2022, “não teve impacto no saldo (nesse mês, o saldo acumulado da CGA até melhorou face ao registado até setembro (..,)”, mas “afetou a evolução da receita e da despesa“. Sem este complemento excecional, que não estava previsto no Orçamento de 2022, “os desvios na receita e na despesa foram desfavoráveis em 80 milhões e em 25 milhões, respetivamente”, acrescenta o CFP.
Já na ótica da contabilidade nacional, o défice orçamental agravou-se em 224,3 milhões de euros, de um défice de 60,2 milhões de euros em 2021 para 284,5 milhões em 2022 (valores apurados com base em informação de caráter patrimonial).
Segundo o CFP, na contabilidade pública, a despesa efetiva da CGA ascendeu a 10,8 mil milhões de euros em 2022, mais 522 milhões do que no ano anterior, o que é explicado sobretudo pelo pagamento do complemento excecional aos pensionistas, em outubro. A despesa com pensões e abonos aumentou “devido a um feito combinado entre preço e volume”. Há mais 1.198 aposentados (para mais de 482 mil). Já o valor médio das pensões de aposentação e reforma subiu 1,6%, de 1.352 euros em 2021 para 1.375 euros em 2022, “essencialmente justificado pela atualização regular das pensões”.
A despesa da CGA excedeu o previsto “sobretudo devido ao pagamento do complemento excecional aos pensionistas, que não estava inicialmente previsto”, sublinha o CFP.
A despesa com novas pensões subiu 3,6 milhões. Foram atribuídas 16.937 novas pensões de aposentação, reforma e invalidez, mais 859 (+5,3%) do que em 2021, com o valor médio ponderado a aumentar 12,7% ou 173 euros. Esse aumento “deveu-se essencialmente às novas pensões atribuídas aos aposentados e reformados oriundos da administração central, cujo valor médio foi de 2201,22€ e que representaram 44,0% do total das novas pensões de aposentação e reforma atribuídas pela CGA em 2022 (34,4% em 2021)”.
O rácio entre subscritores e aposentados caiu em 2022, “agravando o desequilíbrio estrutural do sistema” (desde 2006 que as inscrições na CGA estão fechadas, sendo os funcionários públicos que começaram a trabalhar no Estado a partir desse ano inscritos no sistema geral da Segurança Social). O “rácio de ativos/inativos prosseguiu a trajetória descendente observada nos últimos anos, tendo apresentado no final de 2022 uma relação de 0,8 subscritores [em 2021, era de 0,83] no ativo por cada aposentado (excluindo pensionistas de “sobrevivência, de acidente de trabalho e outras”)”, refere o CFP. Desde o final de 2015, o número de subscritores diminuiu a uma taxa média anual de 2,9%, enquanto a população de aposentados e reformados caiu a uma taxa média anual de apenas 0,1%.
Segurança Social com maior excedente em mais de uma década. CFP alerta para falta de transparência sobre apoios
O relatório do CFP também olha para as contas da Segurança Social que, no ano passado, registou “o maior excedente orçamental em mais de uma década”, de 4.059 milhões de euros. É uma melhoria de 1.711 milhões face a 2021.
A receita efetiva subiu 2.220 milhões, muito acima do aumento da despesa, de 508 milhões, “essencialmente determinada” pelo forte crescimento das contribuições sociais (+11,8%) que advém do aumento das remunerações declaradas à Segurança Social e a criação líquida de emprego, “por via do enquadramento macroeconómico favorável”, assim como pela subida do salário mínimo, o que aumenta o montante mais baixo da base de incidência das contribuições e quotizações.
As contas da Segurança Social ainda revelam algum impacto das medidas da pandemia, bem como impactos das medidas implementadas devido aos efeitos da guerra e da inflação. Quanto às medidas adotadas no âmbito do choque geopolítico, o CFP nota uma falta de transparência no reporte da informação.
“Apenas se consegue apurar o valor global das medidas (1326,2 M€), sem que seja feita a correspondente identificação do seu financiamento, não sendo, pois, possível expurgar o seu efeito no saldo. A ausência dessa informação relativa à receita prejudica a transparência da execução orçamental deste subsector, uma vez que não permite verificar se essas medidas, que deveriam ter um impacto nulo no saldo da Segurança Social, foram ou não totalmente financiadas pelo Orçamento do Estado (OE)”, afirma o CFP.
A despesa aumentou 1,7% face ao ano anterior, o que reflete não só o impacto de algumas das medidas adotadas na sequência da crise pandémica (599,2 milhões), “e que ainda subsistem, como também a implementação de novas medidas que visam atenuar os efeitos inerentes ao choque geopolítico” (1.309,6 milhões. Sem essas medidas, a despesa efetiva teria diminuído 4,7% face a 2021.
Receita com contribuições sociais não subia tanto desde 1998. Porque estamos a descontar mais?