Apesar de ser uma desconhecida, a audição à ex-chefe de gabinete do ministro Pedro Nuno Santos era uma das mais antecipadas da comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP. Mas Maria Araújo, que continua a ser chefe de gabinete no mesmo ministério, mas agora na secretaria de Estado da Infraestruturas, deixou muitas das respostas para os decisores políticos que estavam à frente do tema TAP quando foi negociado o acordo de saída de Alexandra Reis.

Mais para Hugo Mendes, então secretário de Estado, do que para o seu anterior chefe direto — Pedro Nuno Santos — com quem admitiu falar com grande frequência (a última vez foi segunda-feira numa chamada que durou 27 minutos, esclareceu em resposta ao deputado do PSD, Paulo Moniz). Mas também ficam dúvidas sobre a descrição dadas pelos sucessores no gabinete do ministro das Infraestruturas — ministro Galamba e chefe de gabinete Eugénia Correia — sobre o adjunto que trabalhou nos dois ministérios. No primeiro foi competente, um excelente profissional e prestável. No último, foi desleal e foi exonerado.

1Frederico Pinheiro era muito eficiente. Tirava sempre notas e nunca se negou a qualquer tarefa. A ex-chefe de gabinete do ministro tem uma opinião muito positiva do ex-adjunto, destacando que Frederico Pinheiro era muito eficiente, nunca se negou fazer qualquer tarefa. Às vezes tinha prazos muito reduzidos, e sempre foi tempestivo a entregar, respondia muito rapidamente sempre que eu e o ministro pedíamos s informação. Maria Araújo sublinhou que sempre teve uma boa relação de trabalho com o ex-adjunto e não lhe chegou relato de qualquer conflito entre colegas. Confirma ainda que Frederico Pinheiro estava sempre a tomar notas das reuniões e que as mandava, mesmo quando ninguém as pedia. Frederico Pinheiro, afirmou, não era uma pessoa violenta. E confessa-se perplexa com os acontecimentos da noite de 26 de abril.

2Era um dos pontos de interrogação da audição a Maria Araújo. Afinal, havia ou não arquivo no Ministério das Infraestruturas e Habitação (MIH), no tempo de Pedro Nuno Santos, quando a própria era chefe de gabinete. Na semana passada, Eugénia Correia, sucessora no cargo, afirmou na CPI que, quando chegou, se deparou com a falta de arquivo. Maria Araújo tem uma versão contrária. “Quaisquer documentos estavam sempre arquivados, com garantias de confidencialidade”, adiantou a atual chefe de gabinete do secretário de Estado das Infraestruturas. Incluindo o plano de reestruturação da TAP.

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Porém, aqui, Maria Araújo foi escorregando. Por ser um documento tão sensível (mas não classificado) o plano de reestruturação só estava sempre acessível a três pessoas: ao ministro, ao secretário de Estado e ao adjunto que acompanhava a pasta, Frederico Pinheiro. Era também consultado por um grupo técnico, do qual faziam parte ainda, além do MIH, a Parpública, as Finanças e a sociedade de advogados Vieira de Almeida. E “não estava no arquivo do ministério” porque era “demasiado sensível, e quanto menos pessoas tivessem acesso, mais garantia tínhamos que estava protegido”. E estava no computador de Pedro Nuno Santos? Maria Araújo não deu a certeza. Se não tivesse, o ministro podia aceder-lhe “pedindo às Finanças”. Pelo que quando Eugénia Correia chegou ao gabinete, o plano poderia, de facto, estar apenas no computador de Frederico Pinheiro.

3Também na sequência da audição a Eugénia Correia, que revelou ter “orientações” sobre como agir em situações críticas, que incluem um contacto com as serviços de informações, Maria Araújo foi confrontada com a mesma questão. Recorda ter recebido instruções sobre a gestão de informação confidencial e contactos com o SIS, mas não tem memória de ter tido indicação do que fazer no caso de um computador ser retirado sem autorização de um gabinete. Mas, confirma, há orientações para contactar a Presidência do Conselho de Ministros. “A secretaria geral da PCM faz um briefing quando assumimos o cargo de chefe de gabinete em que trata dessas matérias”. Mas, por já ter desempenhado a função várias vezes, não se recorda da última vez que foi destinatária nesse briefing.

Também aqui, Maria Araújo teve lapsos.  “Quando há suspeita de extravio de matéria que possa estar classificada confidencial, secreta devemos entrar em contacto com secretaria geral da PCM que faz contacto com SIRP ou SIS”. Mas admite que possa haver orientação para um contacto direto com SIRP ou SIS. Só que em seis anos “nunca tive nessa situação, não tenho presente o rigor dessa instrução”.

4Uma das perguntas mais feitas pelos deputados remeteu para a ausência de articulação entre o Ministério das Infraestrutura e o das Finanças sobre o acordo de saída de Alexandra Reis. Porque não foi comunicado?

É uma das perguntas cuja resposta Maria Araújo atira para Hugo Mendes. Ele terá oportunidade de esclarecer… mas acrescentou: “A minha convicção é a de que o assunto estaria a ser articulado entre as duas tutelas por parte da TAP. Provavelmente, o secretário de Estado teve essa presunção”, admitiu. E essa apenas uma das presunções que se revelaram erradas, como reconheceu a ex-chefe de gabinete de Pedro Nuno Santos, ao longo da audição de quatro horas em que referiu ainda ter ficado convicta de que o departamento jurídico da TAP estava a acompanhar toda a negociação. O que foi um erro, reconhece.

O secretário de Estado das Infraestruturas conduziu todo o processo com a CEO da TAP, sem perder o contacto com Pedro Nuno Santos que estava indisponível (pelo menos para o chairman Manuel Beja) devido a intensas ações de campanha. Essa aliás é a desculpa para tudo ter sido tratado por mensagens, não de WhatsApp, mas pelo sistema de mensagens do iPhone. Maria Antónia Araújo diz que a relação entre Hugo Mendes e Miguel Cruz, o secretário de Estado do Tesouro, era muito próxima com contactos diários, que depois corrigiu para regulares.

Foi por esse contacto ser tão regular que houve a presunção de articulação entre os dois sobre a saída de Alexandra Reis da TAP (presunção que foi assumida pela ex-CEO, Christine Ourmières Widener) e a presunção de articulação entre a TAP e as Finanças (assumida pela própria Maria Araújo) e por ser o Ministério das Finanças quem tinha a tutela acionista. “Houve uma encadeamento de presunções, mas constatamos que não foi isso que aconteceu”.

Maria Araújo assumiu assim que  “houve falta de articulação, presumimos que a TAP a faria e que, fruto desse contacto de Hugo Mendes com Miguel Cruz, que essa articulação pudesse ter sido feita. Infelizmente não foi”.

5 O Ministério das Infraestruturas não entendeu ser necessário fazer um controlo jurídico adicional ao acordo de cessação de contrato de Alexandra Reis, porque estava respaldado juridicamente pelas sociedades de advogados que estavam a assessorar a TAP e a administradora. Maria Araújo explica mesmo que o gabinete não fez diligências adicionais até porque era um acordo que não tinha de ser assinado pelos membros políticos do Governo, nem por Pedro Nuno Santos, nem por Hugo Mendes. Isto para concluir: “Os membros do Governo agiram com base no princípio da confiança. Se estivesse em causa assinatura do ministro eu teria pedido um parecer, até ao centro de competências jurídicas do Estado. Não estávamos nessa situação.”

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Sustenta que o Ministério das Infraestruturas “não conhecia o enquadramento jurídico e não fomos informados de riscos jurídicos. O que aliás motivou a 26 de dezembro de 2022 o despacho conjunto pedindo esclarecimento à TAP sobre enquadramento jurídico que não era do nosso conhecimento”. Por várias vezes a ex-chefe de gabinete de Pedro Nuno Santos afirma que a tutela não tinha conhecimento “da forma jurídica que ia ser dada àquela cessação de funções”. Percebeu-se, quando a indemnização de 500 mil euros foi tornada pública, que o Estatuto do Gestor Público não foi tido em conta no acordo  (advogados aplicaram a legislação subsidiária do código das sociedades comerciais porque Alexandra Reis tinha um vínculo privado à TAP) e na fixação do valor. Daí que a IGF tenha determinado a devolução de parte da indemnização. Bruno Dias, do PCP, insistiu: “Como é que não chamou a atenção para que pudesse haver outra solução para a saída de Alexandra Reis que não fosse no caso do estatuto do gestor público?”. Maria Araújo insistiu que “o facto de não termos enquadramento jurídico, de estar a ser pedido conforto político, não fez intervir a avaliação jurídica ao caso”.

Maria Araújo referiu, também, por diversas vezes que a iniciativa para a saída de Alexandra Reis foi da CEO. O ministro, “pensando nos melhores interesses da empresa, acede à solicitação”, defende Maria Araújo, que assume continuar a ter contacto com Pedro Nuno Santos (incluindo uma conversa de 27 minutos na passada segunda-feira), mas recusando a ideia de que esteve a preparar a audição desta quarta-feira, 24 de maio com ex-ministro.

“A CEO desencadeia o processo negocial e tratou-o com os advogados que contratou, a outra parte também tinha advogados. Chegam a um acordo que não implica a assinatura dos membros do Governo. Quando chegam ao montante, a CEO resolve fazer a recomendação à tutela sobre o acordo, não sem antes pedir a validação”. Considera que em todo o processo “toda a gente estava de boa fé”. A tutela tinha sido confrontada com um valor três vezes superior – e que a TAP no final disse que não seria possível descer mais do que os 500 mil – e “o respaldo jurídico estava pressuposto”.

6 Foram várias as ocasiões em que Maria Araújo contrariou afirmações feitas por Christine Ourmières-Widener na comissão parlamentar de inquérito. E logo a que a ex-CEO acusava de interferência política na gestão. A ex-chefe de gabinete de Pedro Nuno Santos, quando este desempenhava o cargo de ministro das Infraestruturas e da Habitação, não tem dúvidas: “Nunca houve ingerência política nos termos que a CEO referiu quando cá esteve”.

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O segundo (quase) desmentido à CEO, mas que deixou a porta aberta para perguntarem ao ex-secretário de Estado das Infraestruturas Hugo Mendes, foi a alegada orientação dada por este responsável político para que Christine falasse sempre com as Infraestruturas, que, segundo uma mensagem de Hugo Mendes conhecida na comissão de inquérito, terá dito que a porta de entrada da TAP no Governo era precisamente este ministério.

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“Nunca houve nenhuma orientação específica do gabinete do Ministério das Infraestruturas à eng. Christine ou a qualquer membro da comissão executiva para se dirigir apenas à tutela setorial”, garantiu Maria Araújo. Filipe Melo, do Chega, insistiu neste ponto para saber se Hugo Mendes tinha dito isso a mando ou se por abuso de poder. “Não foi nenhuma das duas”, refere Maria Araújo. “Hugo Mendes não abusou de poder algum, o contexto em que terá dito isso à CEO será explicado pelo próprio”, sublinhando a delegação de competência para o setor da aviação e transportes aéreos de Hugo Mendes.

Aliás, diz mesmo que a TAP nunca esteve limitada nos seus contactos com a tutela financeira, do Ministério das Finanças. “Quando tinha necessidade de falar com a tutela financeira falava e quando precisava de falar com a tutela setorial falava”. Dá o exemplo dos contratos de gestão, que foi trabalhado com as duas tutelas. “Não houve restrição para contactar a tutela financeira”.

Ainda assim, Maria Araújo garante que Christine Ourmières-Widener, “tendencialmente, pedia muito conforto e validação à tutela que outras tuteladas não pediam e que podia não ter a necessidade de pedir”.

“Nunca houve ingerência política [na TAP] nos termos que a CEO referiu quando cá esteve”, diz ex-chefe de gabinete de Pedro Nuno