No Núcleo do Seixal da Comarca Judicial de Lisboa há milhares de emails e documentos por tratar e milhares de inquéritos por distribuir no Ministério Público (MP), incluindo alguns considerados urgentes, por falta de oficiais de justiça.

A informação consta de um levantamento oficial, a que a Lusa teve acesso, assinado pela administradora judiciária da comarca de Lisboa, Maria Feliciana Salgado, relativamente ao qual foi dado conhecimento ao juiz presidente da comarca, Artur Cordeiro, ao procurador coordenador do Ministério Público, à Procuradora-Geral Adjunta, Helena Gonçalves, e à diretora do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) regional de Lisboa, Fernanda Pego.

Em atraso, por falta de tratamento, estavam, a 17 de maio, cerca de 1.500 emails nas várias caixas do Núcleo do Seixal. São também referidos “constrangimentos e atrasos” no tratamento dos emails dirigidos à secção especializada integrada de violência doméstica (SEIVD), secção onde existem mais de dois mil papéis a aguardar tratamento por parte dos oficiais de justiça, entre os quais alguns considerados urgentes ou prioritários.

O levantamento indica também que nos serviços do MP existem 1.462 inquéritos por distribuir no DIAP e milhares de papéis por registar, entre os quais também se encontravam documentos de caráter urgente.

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O documento refere que no que diz respeito à SEIVD, por falta de oficiais de justiça foram decididas medidas “por forma a agilizar procedimentos”, entre as quais a deslocação para a Unidade Central do DIAP de Lisboa o registo dos documentos físicos em atraso, o que aconteceu ao longo da última semana, entre dia 22 e esta sexta-feira, tendo obrigado a viagens diárias do motorista afeto ao serviço entre os serviços centrais de Lisboa e o Seixal para entrega de material para tratamento e devolução depois de concluído esse trabalho.

“Relativamente ao correio eletrónico da SEIVD deverá o mesmo ser direcionado do email para o histórico do inquérito a que se destina onde tomará a respetiva referência. Atendendo ao elevado número de emails por tratar e à necessidade de acesso aos inquéritos para esse efeito, deve a senhora técnica de justiça principal colaborar no tratamento da pasta de correio eletrónico juntamente com funcionário ou funcionários que exerçam funções na SEIVD, a indicar pela mesma. A Unidade Central [do DIAP] tratará os emails entrados a partir de 22 de maio”, lê-se no documento.

Quanto ao serviço atrasado nas unidades do MP — DIAP e procuradorias — há também indicações para recuperação do atraso, que também remete trabalho para os serviços de Lisboa, com indicações aos funcionários nomeados para ajudar na recuperação destes processos que o devem fazer “não descurando” o que for entrando de novo diariamente “nem o restante serviço que lhe está distribuído”.

Para António Marçal, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), este caso não é a exceção, mas “um exemplo paradigmático” do que se passa nos serviços da Justiça por falta de recursos humanos.

De acordo com os números do sindicato, no Núcleo do Seixal faltam atualmente 19 funcionários judiciais face ao quadro de pessoal definido, representando um défice de cerca de 30%, números que o SFJ dizem ser de 27 funcionários e um correspondente défice de cerca de 60% se se tiver em conta a SEIVD, criada depois de definido esse quadro de pessoal e sem que tenha havido qualquer provisão específica para esse serviço, absorvendo profissionais de outras áreas.

Para toda a comarca de Lisboa a estimativa do SFJ é que a falta de oficiais de justiça esteja já próxima dos 500.

António Marçal alerta que a “situação de remendo” usada neste caso para “tentar minorar um problema grave, gravíssimo, no Seixal, pode estar a deixar o serviço em Lisboa afundado”, insistindo na necessidade de “resolver a questão fundamental”, que passa pela contratação de mais profissionais, uma das reivindicações que tem estado na base das greves que este sindicato tem desencadeado desde fevereiro, com forte impacto nos tribunais e serviços judiciais.

De acordo com o presidente do SFJ, as paralisações dos oficiais de justiça já terão provocado o adiamento de mais de 35 mil diligências, “números por baixo” e que levarão, “na melhor das hipóteses, dois anos a ser recuperados”, admitindo também que face ao elevado número de adiamentos de julgamentos alguns já só possam vir a ser remarcados para o início do primeiro semestre de 2024.

Apesar de as greves dos funcionários judiciais durarem há meses, António Marçal acredita que para a greve atípica que arranca na segunda-feira, 29 de maio, que se prolonga até julho e que vai decorrer em moldes diferentes consoante a comarca e o serviço, os profissionais “estão ainda mais mobilizados, porque há um silêncio ensurdecedor que demonstra a falta de respeito por parte da tutela” na resolução dos problemas.