Costa, Marcelo e Cavaco: nenhum escapou a Ferro Rodrigues num artigo de opinião publicado esta sexta-feira na edição do jornal Público. O ex-presidente da Assembleia da República fala numa “magistratura de influência [que] entrou em séria crise com a sucessão de teimosias, a substituição das conversas francas e frontais por recados através de jornalistas e comentadores”.
O antigo secretário-geral socialista adverte Marcelo Rebelo de Sousa para que não banalize o recurso presidencial que permite a dissolução do Parlamento. “Peço que não deixe que o seu “hemisfério” o determine e que se instale no país a ideia de que a dissolução de um Parlamento com maioria absoluta de um só partido será o novo normal”, escreve. “O caminho da banalização deste último recurso presidencial constitui um precedente muito perigoso, até mesmo aventureiro”.
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“Era o que faltava abrir-se uma crise política com dissolução do Parlamento e eleições antecipadas”, opina no mesmo texto. “Eleições antecipadas significariam uma explosão da abstenção e o inerente crescimento da extrema-direita”, acrescenta. “É imperioso e urgente reconstituir a confiança interinstitucional”.
Costa e Marcelo “estiveram de acordo” sobre a dissolução em 2021
No mesmo artigo, Ferro Rodrigues revela ainda que Costa e Marcelo “estiveram de acordo” sobre a dissolução da AR em 2021, após o Parlamento ter chumbado a proposta de Orçamento de Estado. “Infelizmente, o que se passou entre 2015 e 2019 em condições inovadoras e exigentes de governabilidade começou a romper-se depois, impondo uma dissolução em 2021 em que Presidente da República e primeiro-ministro estiveram de acordo, como fui testemunha privilegiada. Não havia qualquer outra saída depois da rejeição do Orçamento para 2022.”
O socialista lamenta que os três órgãos de soberania não tenham atuado como expectável em pouco mais de um ano. “Seria normal que o Governo com maioria absoluta e dispondo de avultadas quantias garantidas de apoio europeu, para as quais muito se bateu, governasse bem, com um rumo claramente definido e compreendido; que a AR fosse mais exigente no controlo dessa maioria; que o Presidente, embora aumentasse a sua vigilância democrática e constitucional, fosse ainda mais determinado na sua magistratura de influência, para o país conseguir ultrapassar as consequências graves da invasão russa da Ucrânia e avançar em termos culturais, ambientais, sociais, económicos e financeiros”. No entanto, escreve o antigo presidente da AR, “não foi isto que aconteceu”.
Sobre o Governo, admite que “cometeu vários erros, ‘pôs-se a jeito’”, citando as palavras do primeiro-ministro. “No Parlamento, demasiadas vezes os impropérios substituem o debate vivo normal, o desrespeito pela Casa da Democracia é frequentemente gritante”, critica.
A António Costa solicita “que leve até final o serviço que tem feito a Portugal, através do prestígio que conquistou na Europa”, e apela: “Não hesite em substituir quem for necessário no Governo para que o país continue a avançar. No momento oportuno, mas em tempo útil, doa a quem doer”. Sobre o caso Galamba, descreve-o como uma “situação [que] nunca deveria ter chegado àquele ponto”. Porém, “ainda que se a demissão tivesse sido concretizada, nada do essencial do que se passou depois deixaria de se passar”, crê.
Também Cavaco Silva é visado no longo artigo de opinião em que Ferro Rodrigues se manifesta preocupado com a “evolução da situação política de Portugal e os perigos que a democracia enfrenta”. O ex-presidente da AR refere-se a “um ex-presidente da República em busca de fazer as pazes com o seu eleitorado à custa da demonstração de níveis de despeito e rancor políticos difíceis de aceitar”.