O Presidente angolano considera que Isabel dos Santos é “apenas uma” entre vários cidadãos a contas com a justiça e não é sua rival, rejeitando acusações de perseguição política.

“Eu não a vejo como minha rival política. Perseguição política? Persegue-se um opositor e os opositores do MPLA [partido que está no poder em Angola desde a data da independência, em 1975], são conhecidos”, afirma o chefe do executivo angolano, numa entrevista conjunta à Agência Lusa e jornal Expresso.

A empresária e filha mais velha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos está na mira da justiça em vários países, sob acusações de corrupção e peculato, tendo as autoridades angolanas solicitado, há seis meses, a ajuda da Interpol para localizar e prender provisoriamente Isabel dos Santos, sem que se conheçam mais desenvolvimentos do caso.

“Vamos deixar que a Interpol faça o seu trabalho. Costuma-se dizer que a justiça às vezes é lenta a agir, confiamos na idoneidade e capacidade da Interpol em cumprir o seu papel“, diz João Lourenço, acrescentando que “há trâmites a seguir”, pelo que é preciso “aguardar pacientemente pelo desfecho”.

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O chefe do executivo angolano refuta alegações de perseguição política, como se tem queixado a empresária, salientando que há muitos cidadãos que estão a braços com a justiça e o caso de Isabel “é apenas mais um”.

Quanto ao processo relativo ao ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, João Lourenço realça que se tratou de “um caso de soberania” e que não foi Angola que provocou o que ficou conhecido como “irritante” entre os dois países.

“Foram as autoridades judiciais portuguesas que entenderam levar à barra dos tribunais [portugueses] um governante daquela craveira. Não estou a imaginar Angola a ter a ousadia, por exemplo, de levar a tribunal um José Sócrates se, eventualmente, ele tivesse cometido algum crime em Angola. Felizmente, o desfecho foi bom (…) se tivesse demorado mais tempo talvez tivesse deixado mazelas, mas devo garantir que não deixou nenhumas”, comenta.

O Ministério Público português imputou a Manuel Vicente crimes de corrupção ativa, branqueamento de capitais e falsificação de documento, um processo que foi remetido em 2018 para Angola, mas que se tem arrastado, segundo o procurador-geral angolano, Helder Pitta Grós, devido à imunidade de que gozava o antigo vice-presidente.

João Lourenço prefere não comentar o caso, que “está na justiça”, mas espera que os órgãos judiciais façam “a parte que lhes compete”, escusando-se a abordar a relação que mantém atualmente com o antigo homem forte da Sonangol, já que está “absorvido 24 sobre 24 horas” com as questões do Estado.

Questionado sobre o relacionamento com Álvaro Sobrinho, empresário luso-angolano e antigo diretor do Banco Espírito Santo em Lisboa e do banco BES Angola (BESA), vincou que precisa de ter motivos para deixar de ter relações com as pessoas.

“Ele não foi julgado, não foi condenado, se ele aparecer aqui não vou virar-lhe as costas com certeza, até prova em contrário é um cidadão livre”, respondeu, dizendo que é a justiça que tem de se pronunciar sobre o BESA, tal como em relação aos restantes casos.

“Na Europa, não é normal pedirem-se contas aos chefes de Estado sobre casos de corrupção, ninguém pergunta ao Presidente Marcelo sobre o caso José Sócrates. No entanto, às vezes entende-se que em África é diferente, particularmente em Angola”, contesta, afirmando que “não é justo este tipo de tratamento diferenciado”.

Quanto à luta contra a corrupção, reconhece que, apesar dos esforços, este problema não vai desaparecer e lembra que está apenas há pouco mais de cinco anos à frente dos destinos de um país que está prestes a celebrar o 50.º aniversário da independência.

“Não se pode esperar que em cinco anos se acabe com a corrupção, nem sei mesmo se algum país acabou, na verdadeira aceção da palavra com a corrupção. Há em todo o mundo”, notou, sublinhando que o problema “não é haver corrupção, é haver impunidade”.

Relações entre Portugal e Angola? “Nunca estiveram tão bem”

Gabando o estado das relações com Portugal nas vésperas de receber o primeiro-ministro português, João Lourenço apela a um maior investimento das empresas portuguesas para diversificar a economia do seu país. “As relações estão muito boas, nunca estiveram tão bem quanto agora, precisamos é de aumentar o investimento português em Angola e onde for possível”, afirma o Presidente angolano, numa entrevista conjunta concedida à Lusa e ao Expresso.

Dizendo esperar da visita de António Costa, entre 5 e 6 de junho, “o reforço das relações de amizade e de cooperação económica entre os dois países”, João Lourenço vê no aumento de uma linha de crédito para investimento um incentivo à deslocação das empresas, que incluiu nos aspetos da “mobilidade económica”.

Um dos acordos que será assinado em Luanda durante a visita de António Costa é precisamente o aumento da linha de financiamento de 1,5 mil milhões para 2 mil milhões de euros, negociado no início de abril numa visita do ministro das Finanças português, Fernando Medina. Esta linha de financiamento permanente garante o pagamento à empresa em caso de incumprimento do Estado angolano e permite financiar projetos definidos Angola.

Segundo João Lourenço, o crédito à exportação “incentiva a deslocação das empresas portuguesas para Angola, uma vez que elas se sentem mais confortáveis e com a garantia de que o que vêm fazer a Angola fica coberto por esse crédito”.

Para o governante angolano, esse crédito deverá ser utilizado “em princípio”, para a construção de infraestruturas, nomeadamente a construção da Basílica da Muxima e um conjunto de estradas nacionais.

Além disso, João Lourenço assinalou em particular alguns setores da economia nos quais Luanda gostaria de ver um maior investimento português. “Onde pretendemos maior investimento privado estrangeiro é, nomeadamente, na agropecuária, turismo – onde o investimento português é mais baixo comparativamente com investimentos em outros países – (…), na agricultura, nas pescas, nas indústrias, fora a indústria petrolífera”, indica.

Para Lourenço, Luanda gostaria também de ver os investidores portugueses a adquirir mais ativos que estão a ser alienados, no quadro das atuais privatizações. “Há um conjunto grande de ativos na esfera pública que queremos passar para a esfera privada, os investidores portugueses estão convidados a habilitarem-se à compra desses mesmos ativos”, destaca ainda.

E sublinha: “O investimento português não tem baixado, mas nós não estamos ainda satisfeitos, pensamos que ainda há muito espaço para crescer, pode haver muito mais do que aquele que Angola tem recebido”.

De acordo com o chefe de Estado angolano, depende apenas da capacidade do empresariado português aumentar a sua presença, porque — insiste — “o interesse [de Angola] nunca deixou de existir, o interesse sempre foi grande”.

Nesta entrevista, o Presidente João Lourenço reconhece também que Luanda está “em falta” para com algumas empresas portuguesas relativamente a créditos por liquidar, estando ainda por pagar cerca de 100 milhões de euros da chamada “dívida certificada”, a que é reconhecida pelo Estado angolano.

“Estou a referir-me à dívida certificada, que anda à volta dos 500 milhões de euros, um pouco mais de 500 milhões”, diz, assinalando que, desse valor, Angola pagou quase 400 milhões. “Isto significa dizer que estamos em falta para com algumas empresas portuguesas no valor de cerca de 100 milhões de euros, isso com relação à dívida certificada”, afirma o dirigente angolano.

Quanto à dívida “não certificada”, diz que ela ascende a cerca de 200 milhões de euros, que ainda precisam de ser validados pelas autoridades angolanas.

Outro dos aspetos relevantes da relação entre os dois países é o que diz respeito ao destino das participações da Sonangol, no Millennium BCP e na Galp, bem como da Efacec.

Sobre a decisão da Galp de alienar os blocos petrolíferos que detinha em Angola, João Lourenço limitou-se a dizer: “É evidente que se permanecessem seria melhor, mas eles terão as suas razões para se terem retirado”.

Já no que respeita à possibilidade de a Sonangol vir a alienar as suas participações naquelas empresas portuguesas, João Lourenço disse que não há qualquer decisão. “Se algum dia houver esse interesse da parte da Sonangol, esse interesse será manifestado, se não acontecer, está tudo bem, vamos continuar”, diz.

Já quanto ao destino da Efacec, que foi nacionalizada por Portugal, João Lourenço assegura que o Governo português “não deu passo nenhum sem consultar as autoridades angolanas”.

“No quadro da recuperação de ativos, o importante é que Angola não perca e, em princípio, temos assegurado que Angola não vai perder. Eu não posso, ao meu nível, entrar no detalhe, a única garantia é que devo dar é que os interesses de Angola estarão sempre salvaguardados”, conclui.

“Em 2027 vou continuar a servir o meu país”

O Presidente angolano promete que vai “continuar a servir o país em 2027” e escusou-se a responder se vai tentar concorrer a um terceiro mandato, atualmente proibido pela constituição.

“Em 2027, vou continuar a servir o meu país, onde for chamado. Estamos muito longe dessa data, não estamos em período eleitoral, não é sensato falar em apresentação de candidaturas”, disse João Lourenço.

“Quando chegar esse momento — que está muito longe ainda —, o MPLA saberá escolher o melhor candidato e quando o fizer vai ter a preocupação de não atropelar nem a Constituição, nem a lei”, respondeu o chefe de Estado a propósito de um eventual terceiro mandato presidencial, tendo em conta que a atual Constituição angolana prevê apenas dois mandatos de cinco anos cada.

Quanto à realização de eleições autárquicas, prefere não falar em datas “porque é arriscado”, mas assegura que não serão afetadas pela nova divisão político-administrativa, que visa entre outras alterações, o aumento dos atuais 164 para 581 municípios, já que esta reorganização territorial não envolve o poder autárquico.

“Eu não posso convocar eleições autárquicas sem ser com base na lei”, insistiu, alegando que a conclusão do pacote legislativo autárquico está ainda dependente da aprovação de algumas leis na Assembleia Nacional que “não depende apenas de um partido político”.

João Lourenço disse ainda que não vira as costas ao diálogo com a oposição e que o MPLA está disponível para debater outras propostas.

“Eu falo com toda a gente, até falo com pessoas da oposição que não são os líderes porque pedem audiência e regra geral eu recebo”, realçou o dirigente.

Mas, continuou, “não se queira pensar que tudo o que vem da oposição é bom”. “Eles são livres de fazer as propostas que quiserem e discutir connosco e depois a gente aceita ou não aceita. É isso que está a acontecer com o pacote legislativo autárquico”, afirmou, considerando que “não é realista” fazer, pela primeira vez, eleições autárquicas em todo o país como defende a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola).

Nas últimas eleições em Angola, o MPLA perdeu a maioria constitucional e qualquer alteração às limitações dos mandatos presidenciais ou outras questões da constituição terá de ser viabilizada pela UNITA.

“Não manter Joel Leonardo [presidente do Tribunal Supremo] com base em que fundamento?”

Sobre a polémica em volta do presdiente do Tribunal Supremo, João Lourenço considera que não teve, até agora, motivos para afastar do cargo Joel Leonardo, justificando que é necessário haver fundamentos para tomar esta decisão.

O Presidente angolano aborda as suspeitas em torno do juiz conselheiro e rejeita comparações com a antiga presidente do Tribunal de Contas, Exalgina Gambôa, que apresentou a sua renúncia ao cargo, depois de o chefe do executivo angolano a ter convidado a sair e de ser constituída arguida, por suspeita de corrupção.

Já no caso de Joel Leonardo, alegadamente envolvido em atos de corrupção, nepotismo e má gestão do órgão, e cujo afastamento tem sido pedido por setores da sociedade civil, oposição angolana e mais recentemente pela Ordem dos Advogados de Angola, o Presidente angolano não encontra razões para a sua saída.

“Não manter Joel Leonardo com base em que fundamento? O que se passa com Joel Leonardo é que um oficial que trabalhava no seu gabinete, esse sim, está verdadeiramente a contas com a justiça”, afirma João Lourenço, frisando que até agora nada prova que essas responsabilidades estejam ligadas a Joel Leonardo.

“Ou seja, não se chegou à conclusão de que o que ele terá feito teria sido por orientação do seu superior hierárquico. Quando as pessoas são maiores e vacinadas são responsáveis pelos seus atos e ele está a pagar por isso, continua detido, as investigações continuam e vamos ver o que isso vai dar”, declara.

Para o Presidente angolano, essa é a razão por que não mexe, “pelo menos por enquanto”, em Joel Leonardo, adiantando que se tiver fundamentos, “com certeza” que vai “mexer”.

Sobre a solicitação da Ordem dos Advogados de Angola que, na sua última assembleia-geral, instou o Presidente da República, como mais alto magistrado da nação, a convidar Joel Leonardo a apresentar a sua carta de renúncia, enquanto decorrem os processos de investigação, diz desconhecer o fundamento deste pedido. “Tem de haver fundamento, se houver fundamentos, eles que mandem e vamos analisar”, assegurou.

Joel Leonardo tem visto o seu nome associado a suspeitas de venda de sentenças, má gestão e nepotismo, acusações que o magistrado nega.

Questionado sobre o facto de manter Joel Leonardo em funções ao contrário do que aconteceu com Exalgina Gambôa, o chefe do executivo angolano sublinha que “cada caso é um caso” e acrescenta: “Cada um é responsável pela sua ação”.

A polícia “só reage quando tem de reagir”

Sobre o exercício da cidadania e liberdade de manifestação em Angola, João Lourenço sublinha que não estão limitados, “antes pelo contrário”. O Presidente angolano afirma que as manifestações e greves são próprias dos países democráticos e considerou que a polícia “só reage quando tem de reagir” e não para maltratar os cidadãos. E “até há excessos”, declara, apontando casos de vandalismo e profanação de figuras históricas como a estátua de António Agostinho Neto, primeiro Presidente de Angola.

“Já houve manifestações que foram pacíficas e não houve necessidade de a polícia intervir. A polícia está sempre presente e só intervém se houver necessidade de o fazer”, assinala, comparando o que acontece em Angola com as “grandes democracias” em que “há manifestações com cargas policiais bastante violentas”.

“Ninguém tem vontade de tratar mal os seus próprios cidadãos, os que se manifestam são angolanos, são nossos cidadãos, são nossos filhos, são nossos irmãos e a polícia está ali precisamente para protegê-los, salvo se eles demonstrarem que estão com outras intenções e levarem a que a polícia tenha de agir”, insiste João Lourenço.

E recorda tempos em que não se viam protestos, a propósito do descontentamento de várias classes, desde médicos e enfermeiros, aos professores e funcionários judiciais, que se tem traduzido em greves sucessivas.

“E se fosse o contrário, se o regime não permitisse manifestações? O que é que diriam, se fosse como no passado? Estava melhor como era antes em que ninguém fazia greve, ninguém fazia manifestações?” questiona.

Em vez de críticas, João Lourenço sugere de forma irónica que o Executivo é merecedor de um prémio: “Eu acho que devíamos ser premiados, em vez de criticados (…) Se dizemos que defendemos a democracia, temos de nos sujeitar a tudo o que a democracia tem de bom e de mau. Não me assusta falar na existência de greves, na existência de manifestações, é um direito”.

Afirma, por outro lado, que tem procurado fazer o melhor possível em matéria de governação, notando que “as coisas não se fazem de um dia para o outro”.

“As pessoas pensam que tudo já devia estar feito, mas há de haver sempre falta de habitação, de escolas, de hospitais… temos de estar sempre a correr atrás das necessidades sociais da população”, realça, assinalando o crescimento populacional “galopante” de Angola que constitui uma “pressão” sobre as infraestruturas e a alimentação.

Além disso, as consequências da guerra civil que durou quase 30 anos e terminou com a morte do lider da UNITA, Jonas Savimbi, em 2002, “ainda vão perdurar por algum tempo”, aponta Lourenço, desafiando os mais jovens, que não têm memória do conflito, “a indagarem-se sobre esta questão”.

Cerca de 45% dos 33 milhões de angolanos são jovens com idades entre 0 e 14 anos.

A Estratégia de Longo Prazo de Angola até 2050 prevê um aumento da esperança média de vida dos atuais 62 anos de idade para próximos dos 70 anos, um aumento dos atuais 33 milhões para cerca de 70 milhões de habitantes e a redução em um terço da taxa de desemprego que ronda os 30%.

Governo vai continuar a procurar restos mortais das vítimas do 27 de Maio

Num outro tema sensível em Angola, o 27 de maio de 1977, o  Presidente reitera o compromisso do seu governo de continuar a procurar os restos mortais das vítimas e a respeitar as conclusões dos especialistas sobre a identificação.

João Lourenço responde às alegações dos familiares de algumas daquelas vítimas de que os restos mortais que lhes foram entregues não correspondem às pessoas indicadas, depois das análises de ADN: “É um trabalho de muita paciência, de muito rigor, a única garantia que nós damos é que nós, as autoridades do país, submetemo-nos às conclusões do exame científico que os especialistas fizerem”.

Angola: feridas do 27 de maio continuam abertas e sobreviventes exigem Comissão de Verdade

Em causa estão os restos mortais, entre outros, dos dirigentes José Van-Dúnem, Sita Valles e Rui Coelho, detidos e mortos durante a alegada tentativa de golpe de Estado de 27 de maio de 1977.

Rui Coelho era chefe de gabinete do então primeiro-ministro, Lopo do Nascimento, Sita Valles já tinha sido afastada do MPLA e estava a trabalhar num hospital como médica e José Van-Dúnem era comissário político, embora dias antes tivesse sido expulso do Comité Central, juntamente com Nito Alves, o mais proeminente elemento do grupo.

Os seus familiares foram notificados no ano passado do local onde supostamente se encontravam as suas ossadas, mas um exame forense realizado entretanto em Portugal acabou por constatar que o ADN dos familiares não coincidia com o dos restos mortais.

O facto levantou suspeições sobre as intenções do governo angolano, mas João Lourenço alega que a realização desses exames serve exatamente para confirmar ou não as identidades supostas.

“Haverá com certeza casos em que se pensa que determinados restos mortais são da família A e da família B e o exame vir a concluir que não, o que é uma coisa absolutamente normal”, afirma.

Mas, “o que não se pode à partida é vir a público dizer que houve a intenção deliberada do governo enganar a A ou a B. Eu sei de que caso se está a referir, acho que não é justo o que se está a fazer com Angola”, responde o chefe de Estado.

João Lourenço também nega que o seu governo tenha recebido alguma acusação formal relativa a este assunto. Mas, se tal acontecer, “não temos nada a esconder”.

“Os especialistas são a autoridade competente para dizer que esses restos mortais coincidem com os da família A ou com a família B e são livres de exprimir as conclusões do seu trabalho. É ou não é. No caso, disseram que não é, tudo bem, não é. Vamos continuar à procura. Pode ser que se venham a encontrar os verdadeiros restos mortais”, assegura.

E conclui: “Portanto, nós nunca vamos contra os resultados dos especialistas” e “insistir que é mesmo esta” a vítima. “Não, se os especialistas disserem que não é, não é. Foi esta atitude que nós tomámos até à presente data”.

Em março, uma associação que representa os órfãos do 27 de maio acusou, numa carta aberta, o governo de se ter aproveitado da entrega dos restos mortais para fazer campanha.

Ossadas de vítimas do 27 de maio entregues pelo Governo angolano não correspondem ao ADN

Numa “carta a Angola”, os órfãos denunciam a “máquina de propaganda” do Governo angolano e da CIVICOP – Comissão de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos, ao realizar cerimónias fúnebres e entregar corpos “em cerimónias públicas amplamente televisionadas, em véspera de eleições presidenciais”, que descrevem agora como “um exercício de crueldade”.

“O país viu. Todo o país viu e viveu esse momento como um tempo de verdade e reconciliação. Porém, nem todos recebemos acriticamente os restos mortais que nos foram indicados como pertencentes aos nossos pais. Alguns de nós pediram a realização de testes de ADN para confirmar a identidade dos cadáveres”, explicam no documento.

“Militarmente ninguém vai ganhar, nem a Rússia, nem a Ucrânia”

No domínio das relações externas, o Presidente angolano afirma que o seu país está contra a invasão da Ucrânia e considera que não haverá vitória militar de qualquer das partes, pelo que é urgente realizar conversações, “antes que seja tarde”. “A nossa posição é muito clara (…) condenamos a ocupação, pior do que isso, a anexação de parte do território ucraniano pela Rússia, mas para se pôr fim a isso, é preciso conversar, porque militarmente ninguém vai ganhar, nem a Rússia (…) vai tomar a Ucrânia, nem a Ucrânia vai tomar Moscovo”, declara João Lourenço.

Segundo o dirigente angolano, militar de formação, a “tendência de rearmamento da Ucrânia, que está no direito legítimo de se defender”, não vai levar “necessariamente” a uma vitória militar sobre a Rússia, nem vice-versa. “Antes que seja tarde, é preciso sentar à mesa de conversações”, apela.

João Lourenço adverte que, se o sentido da guerra for para piorar, não é “utópico” o risco de uma confrontação nuclear: “E, aí, não será entre a Rússia e Ucrânia, será entre as grandes potências”. Para o Chefe de Estado angolano, a iniciativa dessas negociações deve caber aos líderes dos dois países, Vladimir Putin e Vladimir Zelensky, mas os Estados Unidos e a China poderão encorajar essa ação.

“Penso e já tenho defendido que os Estados Unidos da América e a China, se chegarem a um entendimento, (…) deixando temporariamente de lado a questão de Taiwan, e decidirem que nos próximos três ou seis meses vão trabalhar juntos a favor da paz na Ucrânia, acredito que estaremos muito mais próximos de a alcançar”, afirma.

Apesar de “lamentar” esta guerra, João Lourenço teme que se estejam a esquecer outros conflitos no mundo, que também ceifam vidas, destroem património e causam ondas de refugiados.

O chefe de Estado pronunciou-se igualmente sobre o papel da China no mundo e em particular no seu país, rejeitando que haja um grande investimento chinês em Angola, ao contrário do que acontece na Europa e na América. “A maior empresa chinesa que assentou arraiais aqui em Angola é a Huawei, não há mais nenhuma, de resto, são micro e pequenas empresas de cidadãos chineses, muitos deles que vieram empregados das empresas que eram contratadas para as empreitadas e acabaram por ficar e fazem os seus negócios”, diz.

Segundo o governante, a entrada do capital chinês em Angola verificou-se na sequência da fracassada conferência de doadores prevista para 2002 em Bruxelas e que nunca chegou a realizar-se, apesar do país necessitar de ajuda para reconstruir o país depois da guerra.

“Quem nos estendeu a mão nessa altura foi a China, que concedeu uma linha de financiamento para recuperação de infraestruturas (…) e que Angola vai ter que pagar, já está a pagar (…) e os valores não são poucos”, relata, comparando as relações económicas: “Entre quem empresta dinheiro e quem investe, é uma diferença muito grande”.

Questionado sobre os eventuais receios vindos a público, por parte dos Estados Unidos, relativamente à presença chinesa em Angola, Lourenço descartou-os, considerando que o seu país “está aberto para todos” e “há espaço para todos”.

A título de exemplo, o Presidente angolano citou o caso do corredor do Lobito, que será financiado com recursos americanos. À obra concorreu um consórcio chinês, mas foi um outro, europeu, formado por uma empresa portuguesa, outra suíça e uma belga, que venceu. “Há concorrência sim, mas em Angola não é tão grande assim, aqui está tudo por fazer, ninguém pode se queixar”, diz.

João Lourenço realça que Angola recebe “muitos recados para ter cuidado”, mas que esses mesmos recados, oriundos “de muitos pontos” e de “concorrentes”, não são capazes de explicar as razões para essa advertência. “Portanto, não basta dizer cuidado com a China (…) e o caricato é que os que nos vêm dizer para ter cuidado, recebem investimento privado chinês todos os dias na suas terras e vêm-nos dizer a nós (…) aqui, que não temos investimento privado chinês”.

Referindo-se em concreto ao caso da Huawei, sobre a qual surgiram noticias de que o Governo português remeteu para a Anacom a eventual possibilidade de aplicar restrições ao uso dos equipamentos daquela marca no âmbito do 5G, Lourenço especificou que se houver razões objetivas para aplicar sanções a empresas, Angola terá que “parar para pensar”.

“Mas enquanto isso não acontecer e se a concorrência que fizerem for leal e respeite a legislação em vigor, não vemos nada contra o investimento chinês”, concluiu.

“Estou disponível para ir a Portugal nos 50 anos do 25 de Abril”

João Lourenço mostrou-se ainda disponível para visitar Portugal em 2024, no 50.º aniversário do 25 de Abril, e a festejar em conjunto os 50 anos da independência do seu país, no ano seguinte. “Com certeza que estou disponível, tudo depende da vontade das autoridades portuguesas. Se eu for convidado, irei com muito gosto”, disse.

O chefe de Estado angolano disponibilizou-se igualmente a convidar o Chefe de Estado português a visitar Luanda para uma celebração conjunta dos 50 anos da independência de Angola, que se assinala a 11 de Novembro de 2025.

“Ainda não tinha pensado nisso, porque penso ser sério, ainda faltam dois anos, mas nos 50 anos terei muito gosto em convidar o chefe de Estado português”, afirmou.

(Texto atualizado às 9h05 do dia 2 de junho com as respostas sobre o presidente do Tribunal Supremo, o 27 de Maio e a atuação da polícia)