Para quem trabalhava Fernando Pinto (presidente executivo da TAP até 2017) quando o Governo PSD/CDS estava a negociar as propostas para a privatização da companhia em 2015?
A questão foi levantada pelo deputado comunista Bruno Dias durante a audição na comissão parlamentar de inquérito à tutela política da gestão pública da TAP ao ex-secretário de Estado das Obras Públicas, Sérgio Monteiro, que conduziu o processo de venda até às eleições de outubro de 2015. Segundo o coordenador do PCP, Fernando Pinto já estaria a trabalhar na equipa de David Neeleman em 19 junho de 2015 quando foi constituída a Atlantic Gateway. Nessa data, o nome de Fernando Pinto não consta da lista de membros do conselho de administração da sociedade constituída entre Humberto Pedrosa e David Neeleman. Nesta fase Governo e Parpública ainda negociavam com dois candidatos a venda da TAP. O acordo com o consórcio vencedor foi assinado a 25 de junho.
Poucas semanas antes, em maio de 2015, o então presidente da TAP pública faz um apelo ao Governo de então para intervir junto do gigante da aeronáutica, a Airbus. Fernando Pinto avisou a tutela de que já não tinha margem junto da Airbus para justificar o atraso nos pagamentos da encomenda dos 12 aviões A350. Se fosse declarado o incumprimento, a TAP perderia o sinal já pago de mais de 40 milhões de dólares, avisou Fernando Pinto. Sérgio Monteiro contactou o administrador da Airbus com o pelouro para o convencer a não declarar o incumprimento porque estava em curso a privatização que envolveria uma capitalização da transportadora.
A reconfiguração da proposta financeira para a TAP com a utilização dos chamados fundos Airbus avançados a título de contrapartida por uma mudança do contrato de compra de aviões, foi apresentada à transportadora, ainda liderada por Fernando Pinto, a 8 de novembro de 2015. E no dia seguinte, na cronologia apresentada pelo deputado do PCP, o então presidente da TAP renunciou ao cargo na administração da Atlantic Gateway.
Esta renúncia é confirmada na consulta dos atos societários no portal da justiça, segundo os quais Fernando Pinto foi nomeado administrador desta sociedade a 5 de novembro, tendo renunciado quatro dias depois. Um dia antes fez uma comunicação urgente ao então segundo governo de Pedro Passos Coelho — quando Pinto Luz estava na secretaria de Estado das Infraestruturas — a alertar para a rutura imediata da tesouraria que colocava em causa o pagamento de salários caso não ficasse rapidamente fechada a privatização e capitalização da TAP.
O “erro administrativo” que justificou entrada antecipada no consórcio que compra TAP
A venda da TAP foi fechada a 12 de novembro, só depois das já famosas cartas conforto pelas quais a Parpública assumiu, perante os bancos credores da transportadora a responsabilidades, pela dívida histórica em caso de incumprimento. Neste dia ficou também pronto o parecer jurídico da VdA que validou a legalidade da recapitalização proposta pelo consórcio de David Neeleman, já com os fundos Airbus. O programa de Governo da coligação PSD/CDS tinha sido chumbado há dois dias no Parlamento.
Sérgio Monteiro afirmou não ter memória da passagem prévia de Fernando Pinto pela empresa do comprador da TAP e minutos depois o seu antigo chefe de gabinete, Carlos Lopes, que o acompanha nesta audição, recorda que o próprio ex-presidente da TAP esclareceu em novembro de 2015 que a sua nomeação para a administração da Atlantic Gateway teria sido um “erro administrativo”.
Já em resposta a Pedro Filipe Soares, do Bloco, o ex-governante reconhece que teria sido “preferível” que esse erro administrativo não tivesse ocorrido em novembro, o mês em que foi concluída a operação.
Fernando Pinto volta a integrar a administração da Atlantic Gateway em maio de 2016, quando ainda era presidente executivo da TAP. Depois de ter cessado funções na TAP em 2017, o gestor fez um contrato de consultoria com a TAP no valor de 1,6 milhões de euros que corresponde ao vencimento a que teria direito até ao fim do respetivo mandato, foi já revelado nesta comissão de inquérito.
O gestor brasileiro estava na lista de audições desta comissão de inquérito, mas não sendo residente em Portugal, apesar de ter dupla nacionalidade, não foi convocado para vir presencialmente à CPI, e, por isso, será questionado por escrito, tal como David Neeleman.
Para Bruno Dias do PCP, sem a existência do contrato da TAP com Airbus, David Neeleman ficaria sem forma de financiar a sua proposta de capitalização da empresa cuja principal fonte de financiamento são os chamados fundos Airbus. E liga esta intervenção do gestor brasileiro para segurar o contrato estaria já de alguma forma articulado com a estratégia financeira do candidato à privatização que, para o deputado, usou um ativo da TAP para recapitalizar a transportadora.
Já na segunda ronda, o deputado afirmou que que esta situação para o PCP não estava resolvido. “É um gestor publico que tem um emprego garantido pelos que compram a empresa”. Sérgio Monteiro responde: Não tinha conhecimento do erro administrativo alegado e considero que é “profundamente desadequado”.
TAP capitalizada com dinheiro da TAP? Monteiro rejeita
Os contornos da engenharia financeira dos fundos Airbus também gera dúvidas a Pedro Filipe Soares. O deputado do Bloco não percebe porque a Parpública recusou a primeira proposta da Atlantic Gateway apresentada em maio de 2015 e na qual propunha ficar com o contrato da TAP para a compra dos A350. Sérgio Monteiro explica que houve uma “diferença grande” na medida em que a proposta financeira aceite, apresentada em junho, reforçava o valor de capitalização para 227 milhões de euros, que resultava da mobilização dos fundos Airbus. Nessa mudança pesou, admitiu Sérgio Monteiro, a magnitude do novo contrato de compra de 53 aviões e o cancelamento da encomenda dos 12 A350 e a forma como o dinheiro é injetado na TAP. O ex-secretário de Estado acrescenta ainda que esse não foi o único dinheiro a entrar na TAP, quer Neeleman, quer Humberto Pedrosa colocaram 12,5 milhões de euros cada.
Nas explicações que deu a Guimarães Pinto da Iniciativa Liberal, Sérgio Monteiro confirmou que teve conhecimento da utilização dos fundos Airbus numa carta a 16 de outubro enviada à Parpública que leu parcialmente (traduzindo do inglês). Os 227 milhões de dólares são a contribuição (upfront cresh credits) da Airbus para o plano de reestruturação promovido pela Altantic Gateway (empresa de Neeleman e Pedrosa) ancorada no nosso apoio ao plano de recuperação da TAP, incluindo a substituição de 12 A350 por A330 e por um número adicional de aviões A330 e A321 (53).
O papel da Parpública foi, aliás, elogiado por Sérgio Monteiro. A operação “é transparentemente comunicada, há abundante correspondência na Parpública, ninguém pode dizer que não sabia“, sublinha. “A Parpública fez um trabalho extraordinário, que foi procurar todo o detalhe sobre a origem dos fundos e a sua adequação à legislação em vigor e a obrigação de capitalização perene. Faço aqui a minha homenagem a Parpública, se houve um processo bem documentado foi este”.
Para Sérgio Monteiro a contribuição financeira da Airbus está dependente e é justificada pela proposta única e pela amplitude da encomenda renovada para comprar novos aviões. Logo, os fundos que a Airbus avança à TAP e que são a principal fatia de Neeleman para a capitalização da empresa resultam não apenas do contrato que a TAP já tinha, mas de uma conjugação que altera o plano de frota com mais aviões e de um apoio da Airbus ao novo plano para a companhia portuguesa.
O ex-secretário de Estado rejeita assim a ideia de que é dinheiro da TAP. “Não é. É contribuição da parte do fornecedor tendo em conta o cancelamento de um contrato que tinha como contrapartida uma encomenda relevante que era feita abaixo do preço de mercado, segundo a informação disponível”, à data. E mais. “Se os fundos Airbus fossem pagos pela TAP estava violado o princípio que determinava que as prestações suplementares tinham de ficar 30 anos na TAP. Seria fraude dos contratos”.
“Não acompanho a leitura que os fundos Airbus estavam no contrato”, reiterou. “Em maio há um contrato que tem como contraparte a Airbus. Não diz que a origem dos fundos é a Airbus”. Caso fosse, isso seria “dificilmente aceitável, porque pegava num ativo na esfera jurídica da TAP e entregava um valor pela tomada de posição no contrato da TAP. Economicamente não era aceitável”.