O tema tem sido repetido em várias inquirições na comissão sobre a TAP e esta terça-feira, 6 de junho, já esteve na audição a João Leão. E com insistência. Afinal como se chegou aos 55 milhões de euros que foram pagos a David Neeleman para sair da TAP?
Já na audição (na comissão de Economia) esta manhã, Pedro Nuno Santos, então ministro das Infraestruturas, disse que não havia segredo nesse valor. Tinha sido resultado de um processo negocial, sob pena de se pagar muito mais se Neeleman entrasse em litígio com o Estado.
João Leão foi mais a fundo na questão. Foi um processo bilateral sem mais partes envolvidas, ainda que assessorada pela sociedade de advogados (Vieira de Almeida). “Não há uma fórmula que se chegue e resulta de um referencial de valores máximos e mínimos”. E que valores máximos foram esses? O acionista privado, David Neeleman, começou por exigir valores da ordem dos 224 milhões de euros (a capitalização colocada) e proteção para os 90 milhões de euros em obrigações subscritas pela Azul (queria que fossem passadas para a TAP SA, em vez de estarem na SGPS). ” Estado nunca aceitou que recuperasse os 90 milhões de euros que investiu através da Azul”, salientou. Está, atualmente, na SGPS que perdeu o seu principal ativo, a TAP SA (transporte aéreo). “No limite podem nunca recuperar esse valor”, vencem em 2026. O Estado teve de fazer um grande esforço para limitar o valor um nível razoável e pagou apenas um valor inferior. “Foi um processo muito exigente e muito duro”, concretizou.
Ou seja, os 55 milhões correspondem à compra de 22,5% de Neeleman, dando o controlo ao Estado, o que implicou a recalibragem dos direitos económicos e das prestações acessórias (que passam do privado para o Estado e que por coincidência tem o mesmo valor). A explicação bate certo com a do seu secretário de Estado, Miguel Cruz.
O privado abdicou de qualquer litigância face ao Estado, pela qual poderia ter tentado obter a ter direto aos 224 milhões de capital aplicado na TAP, mais ações e mais 20% do valor. O acionista podia potencialmente exigir esse valor dos 224 milhões de euros (acrescidos de 20%), mas havia outras dimensões importantes a valorizar, argumenta. Ainda assim disse que o acordo parassocial de 2017, que resultou da recompra do PS, não teve impacto no valor pago a David Neeleman. “O privado foi forçado a descer as suas exigências até um valor que era razoável”, realça o ex-ministro.
O Estado ia entrar num processo muito exigente de negociar um plano de reestruturação e corria o risco de Bruxelas não aprovar, o que levaria a TAP para a falência. Entrar numa operação tão delicada em litígio com o principal acionista iria fragilizar a posição do Estado nesta negociação, argumenta. “Precisávamos de uma posição blindada perante os concorrentes”.
Por outro lado, não era irrelevante para o Estado evitar os custos reputacionais de uma nacionalização forçada quando a prazo se queria atrair privados numa futura privatização. “O Estado queria evitar a nacionalização e há um valor em termos de confiança” perante um processo de reestruturação muito exigente.
Os privados, disse, não queriam avançar com a capitalização na altura da pandemia e, havendo um bloqueio da parte dos privados — os acionistas não tinham interesse em injetar fundos numa empresa tão descapitalizada e tinham receio que o empréstimo do Estado diluísse as suas posições pelo que pretendiam apoios temporários e subsídios de resposta à Covid –, a TAP estava em iminência de entrar em colapso financeiro em semanas. “O Governo decidiu que não vamos deixar a TAP fechar. Ou entramos em acordo com os privados ou íamos para uma nacionalização reforçada.” A negociação dura poucas semanas e o objetivo “era garantir que o valor ficava muito abaixo do valor que eles exigiam e que podia ser exigido em tribunal.”
Já antes João Leão tinha realçado que os 55 milhões de euros pagos a Neeleman não são uma novidade e defende que o Governo justificou esse valor de “forma transparente e clara”, indicando o respetivo racional no diploma que aprova a operação. Ainda assim, “um processo negocial não é uma fórmula”.