Foi um contrarrelógio de preparação para a etapa mais longa que ainda está para vir. Pedro Nuno Santos voltou esta terça-feira ao parlamento, à comissão de Economia, cinco meses após a saída que marcou o início da crise política que o país começou a atravessar entre o Natal e o ano novo. E desde a qual se seguiu uma catadupa de casos polémicos.

Numa audição em que ficou claro que o ex-ministro veio marcar uma posição e preparar terreno para o regresso, depois de cinco meses de silêncio que o próprio admitiu terem sido “difíceis”, porque “a vontade de responder era muita”, Pedro Nuno Santos deixou os temas mais quentes para a comissão de inquérito, no próximo dia 15. Não houve referências a Alexandra Reis, quase nenhumas a Christine Ourmières-Widener e as perguntas sobre Frederico Pinheiro ficaram por responder. Na próxima quinta-feira haverá “umas dez horas” para esmiuçar esses temas, prometeu.

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Também por responder, mas por considerar que já está respondido, ficou a questão dos 55 milhões pagos a David Neeleman para sair da TAP, em 2020. “Fizeram tantas perguntas sobre os 55 milhões e continuam a não perceber”, atirou. “Acho que o secretário de Estado do Tesouro [Miguel Cruz] explicou bem”.

O que Miguel Cruz explicou, quando esteve na passada terça-feira na comissão parlamentar de inquérito (CPI), foi que o montante resultou de uma negociação conduzida por advogados. Era necessário chegar a um acordo com o empresário americano pelo “valor mínimo” que permitisse ao Estado entrar na TAP. E o valor foi esse. Nem mais, como queria Neeleman. Nem menos, como queria o Governo. Pedro Nuno Santos voltou a explicar precisamente isto, por outras palavras.

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“Encetamos o processo negocial”, conduzido pela Vieira de Almeida e acompanhado pelo Governo, sublinhou. “Os 55 milhões são o resultado de uma negociação. É o ponto de encontro entre as duas partes que não tinham acordo e que tem como limite o risco potencial de litigância, a partir do que estava no acordo parassocial. É a partir daí que se avança para a negociação e se chega a um acordo”, justificou.

O tema esteve sempre na órbita das três horas e meia de audição, com o ex-ministro das Infraestruturas a voltar, com mais ou menos detalhe, à versão da negociação conduzida por advogados. Quando os deputados tentaram deslindar se haveria relação entre os 55 milhões de euros, as prestações acessórias e o acordo parassocial de 2017, Pedro Nuno Santos deu a volta para ir parar ao mesmo sítio.

“Estávamos a ser assessorados por um escritório de advogados. Havia uma avaliação dos riscos que nos levou a optar por uma negociação. Não pagámos zero como desejávamos, mas pagámos menos do que o privado pediu. Para nós era essencial um auxílio de emergência, senão, a TAP fechava”. Ou seja, era essencial tirar Neeleman da TAP.

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E porque é que Diogo Lacerda Machado deu a entender que Neeleman podia ter saído sem nada, questionaram os deputados. “Não era a informação que a sociedade de advogados nos dava… A leitura dessa sociedade — a VdA contratada pela Parpública — não era essa. Era a de que num processo de litigância contra o Estado havia argumentos da parte de Neeleman para contestar, também por causa do acordo parassocial”.

E manteve. “A informação que tínhamos era no sentido de que um conflito judicial com Neeleman podia garantir a Neeleman ganhos que decorriam dos direitos de saída” e o direito às prestações acessórias pelo valor nominal. “São balizas que norteiam a negociação”. Para o ex-ministro, a negociação de 2017 permitiu ao Estado recuperar o controlo estratégico de uma empresa que já estava vendida. E foi com este cenário que o governo negociou a reconfiguração acionista. “Foi perante um facto consumado, isso tem consequências. E o proprietário exigiu contrapartidas”. E notou que não é claro que sem o acordo parassocial de 2017 o Estado não teria de pagar nada a Neeleman. “Qualquer processo de litigância era a pior coisa que podia acontecer à TAP, ainda para mais quando era preciso negociar o plano de reestruturação com Bruxelas”, concluiu.

Quando esteve na CPI, Miguel Cruz adiantou um pouco mais. Disse que os 227 milhões de euros de prestações acessórias foram o valor de referência máximo que balizou a negociação. Sem acordo, David Neeleman teria direito a ir para tribunal exigir que lhe fosse devolvido todo o dinheiro colocado na TAP, mais o preço pago pelas ações, acrescidos de 20%. No limite, esse seria o limiar máximo.

“É possível que tenhamos sido enganados”

Na reaparição, o ex-ministro também não quis deixar que ficasse por saber a sua opinião sobre os agora célebres fundos Airbus. “Sabemos que é muito provável que a capitalização feita pela Airbus tenha sido financiada pela TAP”, afiançou. E porquê? Porque o valor implícito à troca de encomendas de aviões feita por Neeeleman é de 440 milhões de dólares: 190 milhões que a Airbus terá ganho com a desistência dos A350 e mais 254 milhões de prémio sobre a aquisição do prémio dos 53 aviões A330. “Isto ajuda-nos a perceber melhor porque é que um fornecedor de aviões empresta ou dá ao comprador da empresa 224 milhões de dólares”.

Pedro Nuno Santos acha que a auditoria é “suficientemente grave para não a ignorarmos” e que “é possível que tenhamos sido enganados”. O Governo do PSD, a TAP e o país. Nesse sentido, o ex-ministro sugere que os contratos sejam revistos. “Se temos preocupação com a TAP e com o país, temos de garantir que haja consequências e uma renegociação dos contratos porque isso é valor da TAP”.

Brasil? “Perdemos muito dinheiro”

Era administrador nomeado pelo Estado, mas nem por isso Pedro Nuno Santos concorda com a opinião de Diogo Lacerda Machado sobre o negócio da manutenção no Brasil. O advogado foi, até hoje, dos únicos a defender que a VEM “foi o melhor investimento da TAP em 50 anos”. E não encontrou em Pedro Nuno um aliado.

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Sublinhando que o que Lacerda Machado sabe sobre aviação não tem paralelo com os seus próprios conhecimentos, Pedro Nuno Santos discordou “com humildade” da ideia que o negócio da VEM foi assim tão proveitoso. Até porque quase um terço da intervenção pública na TAP é por conta da VEM, entre 800 e mil milhões de euros. “Perdemos muito dinheiro”, admite.

Contestou outra tese defendida pelo advogado, de que a VEM deu mais de 10 mil milhões de receitas ao Estado, alegando que “não se pode comparar prejuízo com receitas. Ficaria espantado se a VEM tivesse dado lucro de mil milhões”.

Pedro Nuno também não embarca na tese de Lacerda Machado que a TAP conseguiu ganhar a dimensão que tem no Brasil por ter adquirido a VEM. “Posso estar profundamente errado. Mais uma vez estou a arriscar, mas dando por credível que a compra da VEM pode ter ajudado a TAP a ganhar mais direitos de voar para o Brasil, diria que a principal razão foi a queda da Varig”, que era a companhia da bandeira.

O ex-ministro rejeitou mesmo que a VEM tenha sido um “bom negócio para a TAP”, e defende que foi importante a companhia ter-se libertado “finalmente” da empresa, mesmo que no momento em que ela é comprada “a intenção fosse a melhor”, que era ter uma empresa viável e uma peça da estratégia de abertura do mercado brasileiro. “Não digo que não foi importante, mas foi-se revelando um problema. Podia ter-se resolvido mais cedo, foi resolvido mais tarde, com custos”.