Entrou para o Governo no mesmo dia em que João Galamba e até foi obrigada a tentar resolver polémicas mais cedo, por causa do programa Mais Habitação. Agora, numa altura em que o país político se foca na sucessão de episódios sobre a TAP, a ministra da Habitação, Marina Gonçalves, vem assumir as culpas do PS na falta de habitação pública e dar algumas garantias ao mercado — assegurando que as medidas mais controversas não terão uma aplicação radical, nem de grande impacto.
Numa entrevista à agência Lusa publicada esta quinta-feira, Marina Gonçalves reconhece que o PS tem a sua quota de responsabilidade na falta de construção e oferta de habitação pública. “Nunca dissemos o contrário. (…) Vamos com um atraso de décadas. Ao falar de um atraso de décadas, todos nós devemos ser responsabilizados pelo que não fomos fazendo ao longo do tempo”, sublinha.
O Programa Especial de Realojamento – criado há 30 anos para erradicar as barracas nas zonas de Lisboa e Porto – foi “muito importante”, mas “não deixou de ser um programa temporário, porque era para uma necessidade em concreto, era para duas áreas metropolitanas, e não para o país como um todo, e não tinha esta visão de olhar para a habitação como um pilar do Estado social”, destaca a ministra.
É preciso agora, defende, “olhar para a habitação como para a educação e a saúde” e construir “uma política universal”, realçando, porém, que este é “um trabalho que demora também o seu tempo a concretizar-se estruturalmente na sociedade”.
O parque habitacional público de Portugal é dos mais baixos da Europa, com 2%, face à média europeia de 12% e que compara com países que chegam aos 20% e 30%, como a Holanda. Quando Marina Gonçalves era secretária de Estado (e Pedro Nuno Santos ministro das Infraestruturas e Habitação), o Governo anunciou o objetivo de aumentar o parque público habitacional dos atuais 2% para 5% nos próximos anos.
Arrendamento forçado “não vai resolver política habitacional”
A ministra foi também questionada sobre algumas das medidas que geraram maior controvérsia e que chegaram até a levar o PSD a classificar este Governo como “o mais comunista desde o 25 de Abril”. Agora, Marina Gonçalves vem deixar algumas garantias. Por um lado, diz, o polémico arrendamento forçado de casas devolutas nunca será uma solução que responda em larga escala ao problema da habitação.
“Temos de realmente tornar estes instrumentos eficazes na dimensão que eles têm” e ver em que medida respondem, disse a ministra, reconhecendo que este “não é um instrumento em si que vai resolver a política habitacional, nunca será um instrumento que responda em larga escala“, ainda que possa ser muito útil, diz a governante. “Aquilo que nós estamos aqui a fazer é acrescentar um instrumento para os municípios, na definição de estratégias, onde muitos destes municípios, estes em concreto [Lisboa e Porto], dizem ter carências habitacionais, têm carências habitacionais e estão a trabalhar para resolver essas carências”, refere a ministra quando questionada sobre o facto de as autarquias de Lisboa e do Porto já terem dito que não pretendem fazer uso do arrendamento forçado.
A ministra admite, contudo, que se a eficácia da medida é posta em causa e se há instrumentos alternativos, que é neles que se deve trabalhar. “Se acharmos em conjunto, no debate do parlamento, que há instrumentos que conseguem mobilizar o património devoluto com maior assertividade do que aquele que nós apresentamos, estamos sempre dispostos a fazer essa discussão”, afirmou.
Isto apesar de as propostas da oposição nesta área terem sido chumbadas no Parlamento pelo PS: dizer que não há diálogo é uma conclusão precipitada, defende, porque os moldes das medidas inicialmente pensadas pelo Governo já foram sofrendo evoluções e ainda falta a discussão mais pormenorizada, na fase de especialidade, no Parlamento.
Quanto menos casas em alojamento local melhor
Quanto ao conjunto de medidas que desincentivam o alojamento local, das mais contestadas e que motivaram mais protestos de proprietários, a ministra diz não ter para já previsões sobre o número de casas que possam deixar de ter esse uso para o arrendamento habitacional, mas “quantas mais forem, melhor”.
“Temos cerca de 70 mil apartamentos no alojamento local, no país todo […]. Se tivéssemos parte de apartamentos, destes 70 mil, que são apartamentos habitacionais, [se parte deles] pudessem ser mobilizados para a habitação, era uma grande ajuda para aquela que é a emergência e a urgência da resposta habitacional (…). Quantas mais vierem deste número, melhor resposta teremos no mercado habitacional, nesta modalidade de apartamento”, sendo “difícil dizer que seriam 10, que seriam 20, que seriam 100”.
O programa Mais Habitação contempla incentivos fiscais, determinando que quem mude uma casa do alojamento local para o arrendamento fique isento de IRS nas rendas durante vários anos, não tendo também limites na definição do valor da renda. Por outro lado, nas zonas de pressão urbanística, o AL será sujeito a uma contribuição extraordinária de 20% – que incide sobre uma parte do rendimento gerado e cujo cálculo tem em conta os valores médios do arrendamento e da receita do imóvel.
O objetivo desta medida é, precisa a ministra, criar incentivos que mobilizem e não obrigar à mudança. “Não estou a obrigar, não estou a acabar com o alojamento local, não estou a obrigar a transitar para o arrendamento, estou a criar um incentivo para dizer: é apelativo o arrendamento”, acentua.
Na mesma entrevista, a ministra adianta que o Governo ainda está a desenhar a linha de financiamento para as cooperativas, “mas a ideia é que seja bonificada” para tentar resolver os entraves no acesso ao financiamento e ao crédito por parte das cooperativas.
“Estamos a trabalhar com o Banco de Fomento numa linha de financiamento sustentável, mais duradoura, em função dos projetos, que permita responder às cooperativas enquanto projeto” coletivo e não individual, “de cada cooperante”.
“Ainda estamos a definir o modelo, mas a ideia é que seja uma linha bonificada pelo Estado, para permitir essa sustentabilidade”, adianta, recordando o exemplo recente de dois terrenos do Estado colocados a concurso que “ficaram desertos, precisamente pela dimensão de financiamento” e pela “incapacidade das cooperativas” de acederem a esse financiamento.