A isenção de IVA no cabaz de bens essenciais, que entrou em vigor a 18 de abril, vai beneficiar mais os mais ricos do que os mais pobres, porque quem está no topo da distribuição de rendimentos tende a consumir mais do que quem está na base. Uma simulação do Banco de Portugal coloca um número nesta diferença: da dotação orçamental destinada ao IVA zero, 19% terá como destino o quinto da população mais pobre, menos 20% do que o que será direcionado ao quinto da população mais rica (23%).

“No caso da redução do IVA, as famílias do quintil mais elevado de rendimentos recebem mais 20% de recursos públicos do que as do quintil de menores rendimentos, não contribuindo para uma política focada nos agregados vulneráveis“, lê-se no boletim de junho, divulgado esta sexta-feira. Isto significa que, do total da receita que o Estado deixará de ter por causa do IVA zero, aos mais ricos será destinado mais 20% do que aos mais pobres, confirma o Banco de Portugal, ao Observador.

Questionada, a instituição liderada por Mário Centeno justifica esta diferença com o facto de “as famílias mais ricas terem maiores despesas de consumo dos bens considerados essenciais“.

Nesta simulação, o Banco de Portugal assume que se mantém fixa a estrutura de consumo das famílias, sem efeitos do aumento da procura no preço. Além disso, o cabaz de bens considerado na análise é mais abrangente do que o incluído no cabaz do IVA zero do Governo. Mas a simulação ajuda a ter uma ideia de como a medida beneficia diferentes agregados de forma distinta.

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O IVA zero entrou em vigor a 18 de abril, abrange 46 produtos essenciais e deverá custar 410 milhões de euros até outubro, nas estimativas do Executivo. Ao contrário de outras medidas tomadas pelo Governo, é dirigida a todos, independentemente do rendimento.

Mas o Banco de Portugal procura, também, calcular como é que essas outras medidas são distribuídas entre os mais ricos e os mais pobres. A medida mais dirigida à população com menos recursos, este ano, é o apoio às famílias vulneráveis, de 90 euros por trimestre, num total de 360 euros. Neste caso, 71% da dotação orçamental da medida será entregue ao primeiro quintil dos rendimentos (os 20% mais pobres).

Já no apoio às rendas, 40% vai para o quintil dos mais pobres e no complemento extraordinário ao abono, de 180 euros por criança, a percentagem desce ligeiramente para 35%. Nestes três casos, os 20% mais ricos receberão apenas 1% de cada um dos apoios.

Fonte: Boletim Económico de junho (Banco de Portugal)

O efeito destas medidas no rendimento disponível das famílias apresenta um perfil “semelhante” ao que o Banco de Portugal já tinha estimado para as medidas adotadas em 2022, e progressivo ao longo das escalas de rendimento: ou seja, juntando estas quatro medidas, são os mais pobres que mais beneficiam com elas. “O impacto total mais expressivo regista-se no primeiro decil de rendimento, cerca de 8%, o que contrasta com uma média de 1,1% para o total da população”, lê-se no boletim.

Fonte: Boletim Económico de junho (Banco de Portugal)

Pensões mais baixas saem a ganhar em 2024

Quanto às pensões, o Banco de Portugal diz que o crescimento desta prestação até 2024 “é significativo” e sublinha que, apesar do aumento extraordinário que se verificará em julho, se tivermos em conta o conjunto do ano, só em 2024 os níveis das pensões estarão de acordo com a lei em vigor. No caso das pensões mais baixas, “o valor é até ligeiramente superior ao que resultaria da fórmula legal, devido ao efeito da atualização extraordinária de 2022″.

Fonte: Boletim Económico de junho (Banco de Portugal)

Em outubro, o Governo pagou um bónus único de meia pensão que, conjugado com a atualização na base da pensão (limitada face ao que dita a lei) em janeiro, daria o montante de aumento a que os pensionistas teriam direito em 2023. O problema colocar-se-ia a partir de 2024, se nada fosse feito, uma vez que o valor base das pensões ficaria aquém do que dita a lei. Para corrigir a situação, o Governo prometeu um aumento extraordinário em julho deste ano, de 3,57%, o que garante já o cumprimento da legislação em vigor.

Quase 30% das famílias com pensionistas estão nos dois primeiros decis de rendimentos (ou seja, no grupo de 20% dos agregados de menores rendimentos), o dobro dos que se encontram nos dois decis mais ricos. Na base da distribuição, cerca de 50% do rendimento disponível advém das pensões, enquanto que no topo ronda os 27%.