A mudança das condições de remuneração dos certificados de aforro estava a ser preparada desde “meados de abril”, afirmou esta quarta-feira João Nuno Mendes, secretário de Estado das Finanças, que recusa assim a ideia de que essa possa ter sido uma decisão em “resultado da entrevista A, B ou C” – uma possível referência à entrevista de João Moreira Rato, ex-presidente do IGCP e chairman do Banco CTT, poucos dias antes do anúncio.
João Nuno Mendes garantiu, numa audição parlamentar esta quarta-feira, que por razões técnicas e relacionadas com a estrutura de comercialização, esta foi uma decisão que teve de ser preparada ao longo de várias semanas – um trabalho que foi apenas do conhecimento de “um número muito restrito de pessoas” no IGCP e no Ministério das Finanças. A suspensão da série E foi anunciada a uma sexta-feira ao final da tarde, 2 de junho, e o início da nova série (F) começou na segunda-feira seguinte.
Na linha do que já tinha referido numa conferência de imprensa no sábado desse fim de semana, João Nuno Mendes sublinhou que a redução da remuneração dos certificados tinha de acontecer por uma questão de “sustentabilidade nas taxas de juro” a que o Estado se financia. “Era fundamental alinhar” os custos de financiamento do Estado nos certificados em comparação com outros instrumentos, como as obrigações do Tesouro que são vendidas nos mercados internacionais (neste momento com juros a rondar os 3%). O IGCP calculava um custo cerca de um ponto percentual acima do mercado, na Série E.
O responsável sublinhou que não se pode esquecer que a comparação entre os custos para o Estado não pode ser feita entre os 3,5% da série E e os 2,5% da série F porque essas são apenas as “taxas de arranque” e não incluem os prémios de permanência que atirariam os custos para níveis mais elevados, nos próximos anos, do que aquilo que o Estado paga nas emissões de dívida no mercado.
Depósitos. Clientes devem mostrar que estão dispostos "a mudar de banco, se for preciso"
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O secretário de Estado das Finanças concorda com o governador do Banco de Portugal na opinião de que “há margem” para os bancos aumentarem mais os juros dos depósitos. Para isso acontecer, porém, a ação dos clientes será crucial e as pessoas devem estudar as comparações de taxas que existem no mercado e “se for preciso, mudar de banco“.
João Nuno Mendes sublinhou que um cliente, para um banco, não é apenas uma operação ou duas: é uma relação ao longo de muitos anos que é valiosa para os bancos. Esse é um trunfo que deve levar os clientes a exercer uma pressão, sobre a banca, no sentido de a levar a pagar mais pelos depósitos.
“Os clientes devem ser particularmente exigentes para com os bancos com quem habitualmente trabalham”, disse João Nuno Mendes. “Acreditamos muito na importância da concorrência, para isso os consumidores devem ver as comparações que existem no mercado”, afirmou João Nuno Mendes, salientando que “os governos não podem fazer tudo, também há um impacto daquilo que nós podemos fazer individualmente” ao forçar os bancos a pagar mais pelos depósitos.
Foi em busca dessas rentabilidades, que na série E podiam superar largamente os 4% após alguns anos, que houve um “fluxo” muito significativo de subscrições em 2022 e sobretudo nos primeiros cinco meses de 2023 – foram “mais do que o triplo” dos 3,5 mil milhões que estavam previstos para a totalidade do ano, afirmou João Nuno Mendes.
Se havia 30 mil milhões em dezembro de 2021, em certificados de aforro, esse valor subiu para 43 mil milhões em abril de 2023, o que já ascende a cerca de 15% de toda a dívida portuguesa – uma percentagem que já é significativa e obriga a uma gestão dos custos. Há cerca de 900 mil investidores em dívida pública do Estado, incluindo 600 mil na série E, e o secretário de Estado sublinha que vão receber rendibilidades que “são pagas pelos impostos” de todos os contribuintes.
Mais de metade dos aforradores da Série E aplicaram mais de 50 mil euros
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Cerca de 60% daqueles que subscreveram os certificados de aforro da série E nos últimos meses de comercialização aplicaram mais de 50 mil euros, sobretudo nos últimos meses em que houve uma verdadeira corrida a este instrumento de poupança.
O limite na série E era de 250 mil, mas o Governo quis limitar a 50 mil euros na nova série, com João Nuno Mendes a reconhecer que foi tido em consideração que se estava a pagar juros elevados a cidadãos com recursos maiores (juros financiados por impostos cobrados a todos os contribuintes).
“A alteração que se fez procurou fazer face a este ponto”, reconheceu o secretário de Estado.
Sobre a possibilidade, prevista na portaria legislativa do Governo, de os bancos poderem comercializar certificados de aforro, João Nuno Mendes comentou que foi por iniciativa do IGCP que essa referência foi feita na lei. Até ao momento, “o posicionamento dos bancos tem sido de recusa, mas o IGCP pode haver players que podem estar interessados, na área da banca e dos pagamentos”, afirmou João Nuno Mendes, antecipando uma “revolução digital” que vai tornar essa prática mais fácil.
“O objetivo do IGCP tem sido sempre de diminuir os custos de distribuição. Se as pessoas subscreverem através do aforroNet, por exemplo, não pagamos comissão”, afirmou João Nuno Mendes, garantindo que está em curso uma transformação muito significativa da infraestrutura digital do IGCP que poderá permitir poupanças nos custos de distribuição destes produtos (que, neste momento, são pagos aos CTT).
Quanto rendem os novos certificados de aforro? E vai (mesmo) poder investir através dos bancos?
Os deputados da Comissão de Orçamento e Finanças chamaram o secretário de Estado das Finanças ao parlamento, com caráter de urgência (a 7 de junho), para o questionar sobre o fim da série ‘E’ dos Certificados de Aforro, bem como sobre o facto de o despacho do Governo prever que possa haver distribuição deste produto pela banca. Os requerimentos para esta audição foram entregues pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda.
Fim da Série E gerou críticas por parte da oposição, da esquerda à direita
Durante a discussão sobre os requerimentos, o deputado do PCP Duarte Alves considerou que a Assembleia da República (AR) “não pode passar ao lado de uma decisão que afeta a poupança”, mas também “a relação com a própria banca”. Um argumento partilhado pela deputada do BE Mariana Mortágua que defendeu ser importante discutir o “momento da decisão tomada, depois da declaração dos bancos”, bem como as comissões que a República vai ou não pagar aos bancos privados pela distribuição do produto.
Também o deputado do Chega Rui Afonso sustentou que os CA são um “importante instrumento de poupança dos portugueses” e que “permite estar menos dependente do financiamento bancário”.
As subscrições de CA deixam de ser feitas apenas aos balcões dos CTT ou Espaços do Cidadão, passando também a estar disponíveis “nas redes físicas ou digitais de qualquer instituição financeira ou de pagamentos inscrita no Banco de Portugal e indicadas para o efeito pelo IGCP”.
A suspensão da série E e a sua substituição pela nova gerou várias críticas da oposição, que acusam o Governo de ceder ou fazer um favor aos bancos. A acusação foi rejeitada pelo secretário de Estado das Finanças, João Nuno Mendes, numa declaração aos jornalistas, no sábado, em que respondeu às críticas e afirmou que “houve cedência zero a banca”.
Fonte oficial da Associação Portuguesa de Bancos (APB) afirmou que “os bancos não tiveram conhecimento prévio, quer da decisão sobre Certificados de Aforro, quer do pretendido envolvimento dos bancos na sua venda”. A mesma fonte sublinhou que a decisão caberá a cada instituição financeira: “Conhecidas que forem as condições para esse envolvimento, cada banco procederá à sua análise e decidirá por si”.