Responsáveis de unidades de cuidados continuados queixam-se de estar sobrecarregados com tarefas burocráticas relativas ao dia a dia de utentes que têm a seu cargo por decisão judicial, porque não têm família nem autonomia para tomar decisões.
Com uma população envelhecida e muitas situações de demência, são cada vez mais os casos em que as instituições – em muitos casos o diretor da instituição – acabam por ficar responsáveis por tratar de assuntos pessoais dos utentes relacionados, por exemplo, com rendas de casa, contas de água e luz ou até problemas no banco, contou à Lusa Dulce Vargas, diretora da Unidade de Cuidados Continuados da Cercitop em Algueirão-Mem-Martins, no concelho Sintra. A responsável refere que, nestes casos, é preciso dar entrada na justiça do chamado processo de maior acompanhado, que antigamente levava a que fosse nomeado um tutor.
“Não havendo familiar presente, ou não havendo ninguém, mesmo da rede de vizinhança, que queira assumir essa responsabilidade, acaba por cair sobre nós“, conta a responsável.
E explica: “Perante um caso social que tem de ser referenciado para uma ERPI [Estrutura Residencial para Idosos] da segurança social, para se fazer essa inscrição, tem de haver uma assinatura, tem de haver alguém que represente o utente. E só depois de termos o número do processo de maior acompanhado é que se consegue fazer a inscrição para a pessoa ficar a aguardar vaga”.
Até que o processo arranque, o utente está na unidade de cuidados continuados, a ocupar um lugar cujo custo é calculado pela segurança social. Não tendo acesso à sua pensão para pagar a parte que lhe compete, fica com uma dívida à instituição.
É precisamente para resolver esta dívida, acedendo à pensão do utente, que se avança com o processo de maior acompanhado. Contudo, explica Dulce Vargas, o Ministério Público acaba muitas vezes por nomear o próprio diretor da instituição como responsável por essa pessoa, o que – lamenta – prejudica o trabalho de gestão da instituição.
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“Sou contactada pelo Ministério Público, não só para resolver os casos em que a família assume esse acompanhamento, e em que também passa tudo por nós, mas também aqueles casos em que, no fundo, acabo por ser eu a nomeada”, conta. Reconhecendo que não tem forma de rejeitar – “isto é uma forma de ajudar o utente, para conseguir ficar na rede até ter uma vaga na segurança social” – sublinha que esta responsabilidade acrescida prejudica o seu trabalho diário.
“Tenho que abrir uma conta conjunta com o utente (…), tenho de ir a casa do utente, pois se já está fora de casa desde o internamento hospitalar há algum tempo é preciso perceber se a casa tem condições, se há ainda contratos de eletricidade, de água ou de gás que têm de ser cancelados“, exemplifica.
Todas estas tarefas acabam por prejudicar o trabalho de gestão da unidade: “Eu e os meus colegas que trabalham na rede, porque sei de outros casos, noutras unidades, deixamos de trabalhar para a rede para trabalhar para estas situações do Ministério Público”.
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Para o presidente da Associação de Cuidados Continuados (ANCC), José Bourdain, a solução seria “uma boa liderança”, “capacidade de decisão” e “uma equipa competente”.
“Uma equipa com boa liderança, de gente competente, que gerisse tudo o que é apoio domiciliário, centros de dia, centros de noite, ERPI e os cuidados continuados, em articulação com a rede hospitalar”, afirma. Se isso acontecesse, diz que tudo seria melhor para os utentes: “Resolvíamos este problema e (…) o dinheiro dos nossos impostos seria muito menor para gastar nestas áreas do que é atualmente. Acho que deitamos muito dinheiro fora”.