O Estado invocou o risco de eventuais conflitos de interesses para afastar a VdA, o consultor jurídico da Parpública para a TAP, do processo de destituição da ex-presidente executiva da companhia, Christine Oumières-Widener, e do chairman, Manuel Beja. Este argumento não resultou, contudo, da contratação da VdA por um dos candidatos à compra da transportadora portuguesa (que aconteceu depois), mas sim da constatação de que o escritório tinha dado apoio jurídico ao Estado no acordo de saída de outro ex-presidente da TAP, Antonoaldo Neves.
Mas o escritório de advogados que durante anos prestou assessoria jurídica sobre temas da TAP ao Estado, com foco recente no plano de reestruturação e sua execução, irá em breve de deixar representar a Parpública, a empresa que é o braço armado do Ministério das Finanças na gestão de participações públicas.
Isso mesmo foi confirmado por fonte oficial da Parpública ao Observador. No entanto, quando questionado sobre eventuais riscos de conflitos pelo facto de a VdA ir trabalhar para um grupo candidato à compra da TAP — a IAG que é dona da Iberia — , a mesma fonte refere apenas que “o procedimento de reprivatização da TAP ainda não foi lançado, salvaguardando-se previamente eventuais situações de incompatibilidade”.
O ministro das Finanças confirmou a presença de um partner da VdA, como consultor da Parpública, numa reunião inicial para discutir qual deveria ser a estratégia do Estado na construção da decisão que seria levada à assembleia-geral para destituir os gestores da companhia. Mas, sublinhou Fernando Medina nas respostas que deu aos deputados da comissão parlamentar de inquérito à TAP, ficou logo decidido que o escritório não iria apoiar juridicamente este processo, que foi conduzido pela Jurisapp, o organismo especializado em serviços jurídicos do Estado. E o representante da VdA, Jorge Bleck, saiu da sala.
“Cedo, no decorrer da reunião, estou a relatar o que me foi relatado, considerou-se que não seria adequado que participasse no processo. A VdA saiu da reunião e o processo continuou a decorrer com consultores internos e JurisApp”, afirmou Medina. Na sequência destas declarações, o ministro das Finanças indicou que iria entregar à CPI a carta que Jorge Bleck remeteu à Parpública “a esclarecer tudo o que aconteceu para não se fazer apreciação relativamente ao processo feito com base em declarações laterais feitas”.
Foi uma referência a declarações do advogado sobre a sua participação nesta reunião depois de o Ministério das Finanças ter desmentido uma notícia (do jornal Económico) de que o Governo estava a consultar escritórios de advogados para fundamentar juridicamente a demissão da CEO e do chairman com justa causa que já tinha anunciado.
Ao longo da comissão de inquérito, os responsáveis do Governo insistiram sempre que a auditoria da Inspeção-Geral das Finanças (IGF) a apontar ilegalidade aos gestores da TAP na saída de Alexandra Reis era mais do que suficiente para sustentar a destituição. Isto depois de ter ficado esclarecido um mal-entendido que envolveu vários membros do Governo sobre um parecer jurídico que teria sido negado à comissão parlamentar de inquérito, mas que afinal não existia.
O que Fernando Medina não explicou, nem lhe foi perguntado na última audição da comissão parlamentar de inquérito, foi o motivo que levou a deixar de fora o escritório que tem sido consultor da Parpública em vários temas da TAP, desde pelo menos a privatização de 2015.
Segundo o Observador conseguiu confirmar, o Ministério das Finanças terá invocado o risco de eventuais conflitos de interesses na participação da VdA no processo de afastamento de Christine Ourmières-Widener e de Manuel Beja. Isto porque o escritório tinha assessorado a Parpública e a TAP no acordo de saída negociado no final de 2020 com outro presidente executivo da TAP, Antonoaldo Neves, que foi demitido do cargo depois do Estado ter assumido o controlo da empresa após a compra da participação de David Neeleman. Como é público, o ex-gestor brasileiro saiu em setembro tendo recebido os salários devidos até ao final do ano que era também o último do seu mandato.
Já fonte oficial da Parpública explica que a “consultoria contratualizada com a VdA relativamente à TAP versa essencialmente os assuntos direta ou indiretamente relacionados com o apoio de emergência, designadamente a preparação e negociação do Plano de Reestruturação –, incluindo as atividades associadas à sua execução, monitorização e eventuais processos de contestação da Decisão da Comissão Europeia – prevendo-se a cessação da referida assessoria a curto prazo.”
Não é, contudo, esclarecida a presença do partner da referida empresa numa reunião para tratar da demissão dos dois gestores da TAP. O Ministério das Finanças e a VdA não responderam às perguntas do Observador.
Esta reunião ocorreu em março, tendo sido prévia à contratação da VdA por parte de um dos anunciados concorrentes à privatização da TAP, o grupo IAG que é também dono da Iberia. O tema dos conflitos de interesses na sequência desta contratação, noticiada pelo ECO e confirmada pelo Observador, foi suscitado por vários deputados, considerando que o escritório esteve envolvido em vários dossiês sensíveis relacionados com a companhia portuguesa.
Para além do plano de reestruturação da TAP, e da sua execução, foi por conselho jurídico da VdA que o Estado negociou (e pagou 55 milhões de euros) com David Neeleman em 2020, para evitar a litigância. Foi também a VdA quem validou a legalidade da mobilização dos fundos Airbus por parte do empresário americano para realizar a capitalização da TAP na venda de 2015.