O Conselho de Disciplina considera “falsas, infundadas e até de natureza caluniosa” as declarações de Ivan Almeida sobre a atuação do órgão da Federação Portuguesa de Basquetebol. Em entrevista ao Observador, o jogador do Benfica afirmou que o presidente do Conselho de Disciplina, Carlos Filipe, teve um comportamento “anti-ético” e uma atitude que “não é profissional” por ter entrado em contacto com responsáveis do Benfica e referir-se ao comportamento do jogador. Ao nosso jornal, Carlos Filipe desmentiu “categórica e peremptoriamente as referências feitas pelo entrevistado, cujo propósito é a tentativa de condicionar o exercício da função disciplinar da Federação Portuguesa de Basquetebol em relação ao seu comportamento”.

Ivan Almeida queixou-se do órgão federativo em relação à atuação que teve perante situações verificadas no FC Porto-Benfica que encerrou a temporada de 2021/22 (e que valeu o título aos encarnados no Dragão Arena), a um dérbi com o Sporting a 1 de abril de 2023 e na final do Campeonato Nacional 2022/23. Este último caso, culminou com o Benfica a recusar receber a taça de campeão nacional no Pavilhão João Rocha como forma de protesto para com as decisões do Conselho de Disciplina.

“Após falar em racismo, começaram a denegrir-me e a fazerem com que pareça um descontrolado”: entrevista com Ivan Almeida

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Final da Liga Portuguesa de Basquetebol 2021/22

A situação

O Benfica sagrou-se campeão nacional 2021/22 em pleno Dragão Arena. No final do jogo 4, que decidiu o título a favor dos encarnados, a 11 de junho de 2022, Ivan Almeida, no momento dos festejos, dirigiu-se aos adeptos portistas com um gesto em que sugeria que se calassem. O jogador disse que se tratava de um gesto para silenciar “os insultos racistas que tinha ouvido no jogo 3” e que, mesmo no jogo 4, teve pessoas das bancadas a perguntarem-lhe se precisava de bananas.

A posição do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Basquetebol

O relatório do árbitro Sérgio Silva, a que o Observador teve acesso, diz que não houve qualquer incidente a registar ao longo do 40 minutos do jogo 4. No entanto, “quando as equipas estavam a aguardar o início da cerimónia de entrega de medalhas a todos os participantes na final e do troféu de campeão, Ivan Almeida, com a bandeira de Cabo Verde, colocou o dedo indicador na boca e, com a outra mão, apontou para o público bem como para a equipa adversária, fazendo o sinal de mandar calar”. Seguiram-se agressões. “Perante este gesto, alguns jogadores do FC Porto correram na direção de Ivan Almeida, tendo o jogador João Soares sido o primeiro a chegar e deu-lhe um soco na cara, ao qual Ivan Almeida respondeu com outro soco”. Perante esta situação o árbitro pediu às autoridades que identificassem Ivan Almeida por ter sido considerado “o provocador de toda esta confusão”.

A deliberação do Conselho de Disciplina aplicou dois jogos de suspensão ao atleta. O órgão da Federação Portuguesa de Basquetebol deixou ainda uma nota em relação ao comportamento devido às “atitudes provocatórias de Ivan Almeida quando as equipas estavam a aguardar o início da cerimónia de entrega de medalhas, comportamento esse flagrantemente provocatório quer para com o público afeto ao clube visitado, quer também para com os elementos da equipa do FC Porto”.

Carlos Filipe dá conta que no final do jogo 3, que o Benfica perdeu, Ivan Almeida não fez qualquer queixa em relação a episódios de racismo. “Apesar de ter vencido o seu adversário de forma categórica e clara nos dois jogos anteriores, o Benfica foi derrotado nesse jogo. Ao sair do pavilhão, Ivan Almeida dialogou com o então Diretor de Competições da Federação Portuguesa de Basquetebol que lhe perguntou o que se passou, referindo-se ao resultado do jogo que havia acabado de terminar. O jogador afirmou ‘Hoje ficámos no hotel’ sem ter feito nenhum tipo de referência a algum tipo de incidente de natureza racista ou xenófoba”. Assim, a denúncia surpreendeu a Federação Portuguesa de Basquetebol. “Horas depois, no recato do hotel, Ivan Almeida publicou um post na rede social Facebook, afirmando ter sido vítima de provocações racistas por parte do público”.

O Tribunal Arbitral do Desporto analisou o caso e decidiu-se pela anulação da suspensão aplicada pela Federação Portuguesa de Basquetebol devido ao facto de Ivan Almeida não ter “sido precedida de
audiência do arguido”, o que “ofende o conteúdo essencial dos direitos fundamentais de defesa”. No relatório elaborado pelo Tribunal Arbitral do Desporto, Ivan Almeida reitera que “foi alvo de constantes insultos racistas por parte dos adeptos do FC Porto, a eles não tendo reagido, apesar de se sentir profundamente magoado e revoltado com aquele comportamento”.

Por outro lado, a Federação Portuguesa de Basquetebol assume que “não tem registo de qualquer incidente relacionado com comportamentos racistas ocorrido durante o jogo, não tendo sido detetado pelos árbitros nem lhes foram comunicados, tais comportamentos, pelo que não fizeram qualquer menção aos mesmos no Relatório de Jogo, nem tendo sido apresentada à Federação qualquer denúncia relativa à verificação de comportamentos racistas, seja por Ivan Almeida, seja pelo Benfica, nem durante o jogo as forças policiais foram chamadas a intervir para pôr termo a qualquer evento relacionado com tais comportamentos, bem como não existem quaisquer registos sonoros dos alegados insultos racistas na transmissão televisiva do jogo, nem é detetável qualquer comportamento por parte do público que indicie a ocorrência dos mesmos”. O presidente do Conselho de Disciplina aponta ainda que nem Ivan Almeida, nem o Benfica “acionaram os mecanismos legais e regulamentares ao seu dispor para impugnar ou recorrer quer da suspensão provisória quer da decisão final”.

Na entrevista ao Observador, Ivan Almeida refere que recebeu mensagens de outros atletas com relatos de episódios de racismo e que tem colegas de equipa que não levam a família ao pavilhão por não quererem que sejam insultados. Carlos Filipe diz que “o racismo é um assunto demasiado sério e grave não tendo o Conselho de Disciplina ou a Federação Portuguesa de Basquetebol nenhum tipo de tolerância ou contemporização quer para quaisquer manifestações desse tipo quer para tentativas de utilização do tema de forma infundada como a que Ivan Almeida tem vindo a fazer desde junho de 2022”.

O Benfica-Sporting do dia 1 de abril de 2023

A situação

No dia 1 de abril de 2023, Benfica e Sporting disputaram no Pavilhão da Luz um dérbi relativo à segunda fase da Liga Portuguesa de Basquetebol 2022/23. No intervalo do encontro, foi averbada uma segunda falta técnica a Ivan Almeida, o que levou à expulsão do jogador. Ivan Almeida pediu satisfações ao árbitro em relação à sua decisão e gerou-se um clima de tensão no túnel de acesso ao balneário. O jogador diz que nunca ameaçou o árbitro e que nunca houve qualquer tentativa de agressão. O cabo-verdiano esteve suspenso preventivamente por 30 dias devido ao que considera serem “injustiças”.

A posição do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Basquetebol

O relatório da PSP, a que o Observador teve acesso, dá conta da situação. “No intervalo, Ivan Almeida, junto à entrada do balneário dos árbitros, mostrou-se bastante exaltado tentando confrontar o árbitro por não concordar com a sua expulsão, contudo foi acalmado pelos seus colegas de equipa não havendo necessidade de intervenção policial. Por durante a contenda não estarem reunidas as condições de segurança, a equipa de arbitragem aguardou cinco minutos e 20 segundos para conseguir aceder aos balneários, o que aconteceu quando os ânimos acalmaram”, descreve o documento. “No final do jogo foi questionado o árbitro principal sobre o incidente do intervalo, tendo este afirmado que não se sentiu vítima de qualquer crime, motivo pelo qual não solicitou à PSP a cabal identificação do jogador Ivan Almeida”.

No entanto, o nome de Ivan Almeida foi apontado no relatório para efeito de procedimentos disciplinares. Nesse âmbito, o Conselho de Disciplina tomou a decisão de castigar preventivamente o jogador do Benfica “em razão dos seus antecedentes disciplinares e da utilização das redes sociais como instrumento de criação de situações tendentes à perturbação do normal desenrolar da competição, bem como a sua própria proteção”. O presidente deste órgão, Carlos Filipe, esclareceu ao Observador que “a referência à salvaguarda do atleta resultou do facto de, uns dias mais tarde, se disputar um FC Porto-Benfica no Pavilhão Dragão Arena, local onde, em junho de 2022, tinham ocorrido os incidentes protagonizados por Ivan Almeida”.

A investigação feita ao caso, que contou com testemunhos de pessoas no local, confirma o momento de exaltação. Ficou provado que Ivan Almeida, dirigindo-se ao árbitro Sérgio Silva, disse: “Ele tem que me explicar o porquê [da expulsão]”; “Este é o meu trabalho! Estão a gozar com o meu trabalho! Isto acaba hoje!“. Ainda assim, não foi possível confirmar que o jogador tenha afirmado perante os presentes: “Deixem-me que eu hoje dou cabo deste gajo [Sérgio Silva] e acaba-se de vez com isto”.

O caso “Travante Williams”

A situação

Esta temporada, o Benfica alcançou de novo a final do Campeonato. Desta vez, os encarnados disputaram a competição com o Sporting. No jogo 3 da final da Liga Portuguesa de Basquetebol, no Pavilhão João Rocha, o jogador do Sporting, Travante Williams, não jogou a segunda parte por, aquando do intervalo, ter sido desqualificado devido ao comportamento que teve perante as forças de segurança na ida para os balneários. No entanto, o jogador internacional por Portugal esteve presente no jogo 4, o que motivou a contestação do Benfica. “Dois casos, dois jogadores, dois clubes e duas decisões opostas: Travante Williams agrediu um agente da autoridade e foi expulso, mas vai jogar hoje com o Benfica; Ivan Almeida foi acusado de tentar agredir um árbitro, tendo-se comprovado depois que tal era falso, mas foi suspenso durante um mês. Incompreensível e inaceitável”, escreveu o clube em comunicado.

A posição do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Basquetebol

Em relação ao caso “Travante Williams”, o Relatório de Jogo indica que foi combinado com os responsáveis de Benfica e Sporting que a equipa visitante saía primeiro do terreno de jogo e só depois a equipa visitada, procedimento adotado em coordenação com as autoridades para evitar altercações entre os jogadores. “No intervalo do jogo, entre o segundo e o terceiro quarto, enquanto os agentes de recinto desportivo estendiam a manga de proteção, quatro efetivos da PSP tentaram pôr em prática o sistema acordado. Nesse momento, Travante Williams desrespeitou o ‘bloqueio’ preparado pela PSP e os agentes de recinto desportivo, empurrando por três vezes, no peito, um dos agentes da PSP, num claro comportamento desrespeitoso, contra um agente não inscrito no boletim de jogo”. No fim da partida, Travante Williams, “pediu desculpa ao agente da PSP, o qual aceitou as mesmas”.

Desse modo, a decisão do Conselho Disciplinar, que não foi além da repreensão, teve em consideração que Travante Williams “desconhecia a ordem de saída do campo no intervalo, que havia sido definida
antes do jogo” e que se “dirigiu apressadamente para os balneários, porque se sentia aflito para
satisfazer as suas necessidades fisiológicas”. Ainda assim, a Federação Portuguesa de Basquetebol emitiu “um juízo de censura pública” ao jogador leonino “uma vez que, como todo o cidadão, tem o dever geral de respeito e de acato das decisões das forças de segurança”.

Depois de estar confirmada a presença de Travante Williams no jogo 4 da final do campeonato 2022/23, foi divulgada nas redes sociais uma mensagem enviada pelo presidente do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Basquetebol, Carlos Filipe, ao treinador adjunto do Benfica, Nuno Ferreira onde se pode ler: “O Sr. [Ivan] Almeida anda há demasiado [tempo a] esticar a corda e a testar a paciência de muitos com as provocações à FPB…”. O post, acompanhado por imagens que sugerem uma ligação clubística de Carlos Filipe ao Sporting, foi divulgado em junho de 2023, muito embora a mensagem tenha sido enviada em dezembro de 2022 na sequência de publicações que o jogador fez nas redes sociais.

Carlos Filipe diz que o objetivo da mensagem era alertar “para o comportamento do atleta e para o controlarem” de modo a “evitar que a situação escalasse e o atleta voltasse a cair na alçada disciplinar da Federação Portuguesa de Basquetebol”. O responsável da Federação constata que a mensagem, que não teve resposta, foi passada a terceiros “sem conhecimento e muito menos consentimento”. “Está a ser usada numa campanha orquestrada contra a minha pessoa”, refere. O presidente do Conselho de Disciplina refuta ainda as acusações de “clubite”, “antipatia”, “perseguição” ou “discriminação” de que tem sido alvo. “Mais uma vez se verifica de forma clara quem expõe apenas e só a verdade dos factos e quem sistematicamente os manipula, distorce e descontextualiza”.