O requerimento do Bloco de Esquerda (BE) para ouvir no parlamento os ministros da Cultura e da Administração Interna por “tentativa de ingerência” do segundo na RTP, devido à rubrica ‘Spam Cartoon'”, foi esta quarta-feira chumbado.

De acordo com informação disponível no site oficial do parlamento, o requerimento do BE, votado esta quarta-feira na comissão parlamentar de Cultura, foi chumbado com os votos contra do PS, os votos a favor do PSD, PCP e BE e a abstenção do Chega.

Um outro requerimento interposto também devido à rubrica Spam Cartoon, mas este da autoria do Chega e para audições do Conselho de Administração da RTP, do Conselho Geral Independente da RTP e Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), foi também chumbado, com votos contra do PS, votos a favor do PSD e do partido requerente e abstenções do PCP e do BE.

Na sexta-feira, foi exibido na rubrica semanal do coletivo Spam Cartoon na RTP um cartoon animado, da autoria de Cristina Sampaio, intitulado “Carreira de tiro”, que mostra um polícia a atirar ao alvo com cada vez mais intensidade. No final, mostra os alvos, que foram escurecendo à medida da agressividade do polícia, servindo de metáfora ao tema do racismo nas forças de segurança.

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Uma versão estática do mesmo cartoon foi publicada no domingo no jornal Público.

No sábado, o Sindicato Nacional da Carreira de Chefes (SNCC) da Polícia de Segurança Pública (PSP) apresentou uma queixa-crime contra os autores do cartoon, e também contra a RTP, por entender que “há, inequivocamente, uma intenção de vilipendiar todos os polícias, retratando-os como xenófobos e racistas”.

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Contactado pela Lusa, o ilustrador André Carrilho, cofundador, juntamente com João Paulo Cotrim, do Spam Cartoon – um microprograma de 30 segundos, com o mesmo nome, no qual a atualidade é vista por cartoons -, considerou que a queixa “não faz sentido”, uma vez que o cartoon “não tem nada a ver com a PSP nem com a realidade portuguesa”.

“Nós trabalhamos para a RTP desde 2017 e o cartoon é sempre feito num contexto de atualidade nacional e internacional, neste caso é internacional. Tem a ver com a ocorrência em França, da morte de um jovem francês às mãos da polícia que depois deu origem a vários tumultos pelo país inteiro”, explicou André Carrilho.

Por sua vez, fonte oficial da RTP disse à Lusa que “o Spam Cartoon é um exercício de opinião livre sobre a atualidade nacional e internacional que a RTP acolhe desde 2017”, sendo da autoria de “alguns dos mais reconhecidos cartoonistas portugueses”, e que “em nenhuma circunstância serviu para instigar à violência contra quem quer que seja”.

O Chega apresentou o requerimento na segunda-feira, por considerar que o cartoon em causa é uma “insinuação de que a polícia é racista” e tem “o claro intuito de difamar e incitar ao ódio contra os polícias”.

No mesmo dia, ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, defendeu que os humoristas e cartoonistas devem ter autonomia, destacando que a animação alusiva à polícia e ao racismo transmitida no canal público alude à “realidade francesa”.

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Já o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, também na segunda-feira, admitiu ter expressado o seu “desagrado” ao presidente do Conselho de Administração da RTP “com o facto de um cartoon daquela natureza ter sido exibido num festival [a rubrica foi para o ar durante a emissão da RTP dedicada ao festival de música Alive] que tem tantos milhares de jovens”.

Reconhecendo o respeito pela liberdade de expressão, o ministro sublinhou, por outro lado, a necessidade de chamar a atenção da administração da RTP para “o sentido de responsabilidade, para que a liberdade de expressão não coloque em causa a imagem e o prestigio das instituições”.

O cartoon levou a PSP a avançar com uma queixa-crime ao Ministério Público (MP), lamentando “juízos ofensivos” e sublinhando que a liberdade de expressão “não é um direito absoluto”.

Em comunicado, divulgado na segunda-feira, aquela força de segurança revelou que se queixou também à ERC e à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), embora a cartoonista Cristina Sampaio não tenha carteira de jornalista (Cristina Sampaio é licenciada em Pintura, ilustradora e artista gráfica), ao considerar que o cartoon “propala factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança devida à PSP”.

Na terça-feira, o BE acusou o ministro da Administração Interna de tentativa de ingerência editorial na RTP, e a deputada bloquista Joana Mortágua assinalou também que iria entregar um voto de condenação contra atentados à liberdade de expressão em relação ao cartoon animado de Cristina Sampaio.

A deputada do BE considerou “inaceitável que o diretor nacional da PSP entenda que isto se pode resolver com uma queixa crime, mas ainda mais grave é que, perante esta mesma vontade de limitar a liberdade de expressão, o ministro da Administração Interna se sinta na autoridade, na capacidade e no poder de fazer uma chamada para o Conselho de Administração da RTP”.

O partido queria ouvir no parlamento os ministros da Cultura e da Administração Interna sobre o tema, mas com o chumbo do requerimento tal não será possível.

Entretanto, o Livre questionou o ministro da Cultura sobre se a liberdade de expressão está salvaguardada na RTP, depois do ministro da Administração Interna ter contactado o conselho de administração a propósito do cartoon em causa.