As relações diplomáticas entre a Santa Sé e Portugal “mantém-se tranquilas e alimentadas pela simpatia do Papa” pelo país, considerou o historiador e bispo Carlos Azevedo, mas ao longo dos séculos houve contenciosos que levaram à sua interrupção.
“As relações diplomáticas entre a Sé Apostólica e o nosso pequeno país mantêm-se tranquilas e alimentadas pela simpatia do Papa Francisco por Portugal”, afirmou à agência Lusa Carlos Azevedo, referindo existir “cooperação em temas de interesse comum”, e destacou que “o trabalho de bastidores” para conseguir que a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) fosse em Lisboa “obteve resultados”.
Segundo o Portal Diplomático, as relações Santa Sé-Portugal remontam a 1179, quando o Papa Alexandre III reconheceu a independência do país e o título de rei a Afonso Henriques, e estiveram cortadas por quatro vezes.
“Em 1179, [o papado] reconheceu a Afonso Henriques o título de rei e permitiu-nos entrar no espaço político europeu, fragmentado pelo feudalismo”, explicou Carlos Azevedo.
No fim do século XV e início de XVI, “Portugal obteve boas graças de Roma para o direito de posse das novas terras, em luta contra o Islão”, adiantou o delegado do Comité Pontifício para as Ciências Históricas assinalando que “o padroado, de marca feudal, perdurou”.
“O mecanismo estendeu-se à África e Ásia, e incidiu mesmo na tutela da Inquisição (1536-1821)”, declarou numa entrevista escrita, esclarecendo que “as injustiças e humilhações para com os judeus chegam, pelo núncio, a Roma e em 1544 Paulo III suspende o Tribunal”.
O rei acaba por vetar a entrada do novo núncio, que “entra somente em 1545, com a benesse do título cardinalício dado ao infante D. Henrique”, apontou Carlos Azevedo.
No Dicionário de História Religiosa de Portugal, com direção de Carlos Azevedo, lê-se que, “em 1580, com a união das duas coroas ibéricas na pessoa de Filipe II, a nunciatura de Lisboa transita para a capital espanhola”.
O historiador sustentou que uma “época conturbada será a da Restauração de 1640”, realçando que, “Roma, por pressão de Espanha, não reconhece politicamente Portugal”.
O autor do livro “Entre Vaticano e Portugal: Questões de governo e de pastoral (séc. XVII a XX)”, lançado em dezembro de 2022, salientou que “o contencioso entre Roma e Lisboa no tempo da Restauração perdurou 28 anos e as consequências pastorais foram graves, com todas as dioceses sem nenhum bispo”.
“Com D. João V, na primeira metade do século XVIII, Portugal cede forças navais contra o poder otomano e obtém privilégios, como o título de patriarca para o capelão da capela real”, mas, “mesmo assim, cortam-se relações em 1728, porque o Colégio dos Cardeais não aceita que o núncio [Vicente] Bichi, que revelou incompetência, seja cardeal ao sair de Lisboa”, relatou Carlos Azevedo.
Já no tempo de Marquês de Pombal, “a prepotência de Lisboa provocou a expulsão dos jesuítas em 1759 e levou à expulsão do núncio [Filipe] Acciaiuoli em 1760, invocando o pretexto de não ter acendido as luminárias no casamento da princesa do Brasil”.
“Com a Revolução Francesa e o novo espírito político europeu, vão caindo os regimes absolutistas em favor do liberalismo. As ordens regulares e as instituições eclesiais perdem estatuto e poder económico. A vitória liberal, após a guerra civil, conduziu a contencioso entre Roma e Lisboa”, disse Carlos Azevedo. O núncio Alexandre Giustiniani “foi expulso em 1833” e “uma grave situação prolongou-se até 1841”.
Para o historiador, o período mais confuso ocorre precisamente no liberalismo, “com duas sensibilidades opostas de modo sangrento”.
“Sem estabilidade política, Roma atrasava a confirmação de bispos. Nomeou alguns propostos por D. Miguel, mas que D. Pedro preveniu nunca aceitaria”, esclareceu. Porém, “as necessidades espirituais das comunidades moveram o Papa Gregório XVI a confirmar alguns, que tiveram de sair do país com a vinda de D. Pedro”, prosseguiu.
Até à República, “a diplomacia avança sem sobressaltos, apenas agitada pela escolha de alguns bispos e pelo exercício do padroado no Oriente”, afirmou.
Em 1910, com a implantação da República, “o núncio afastou-se, mas monsenhor Bento Masella ficou discretamente”, tendo havido protestos do Papa pelos atropelos republicanos à Igreja. As relações diplomáticas seriam retomadas ainda nesta década.
“Roma, perante os regimes totalitários, nascidos da crise económica e social, optou por Concordatas e assim a temos em 1940”, observou.
De acordo com Carlos Azevedo, “a estabilidade apenas foi perturbada pela liberdade de dois bispos, D. Sebastião Soares de Resende e D. António Ferreira Gomes, que esteve exilado por 10 anos (1959-1969)”.
“A deslocação do Papa Paulo VI a Bombaim, em 1964, causou melindres em Lisboa e o acolhimento dos líderes” dos movimentos de libertação “de Angola, Guiné e Moçambique suscitou reação do Estado Novo [quando Portugal estava em guerra contra os independentistas em África] sem qualquer reparação de Roma”, referiu, explicando que “nova Concordata se preparou em 2004, para corresponder aos novos tempos.