Lola, a rapariga dinamarquesa que viveu na Idade da Pedra, motivou novamente críticas nas redes sociais. A equipa de investigadores que analisou a informação genética de Lola concluiu que, “provavelmente, ela tinha tez escura, cabelo castanho escuro e olhos azuis”, mas algumas pessoas contestam a reconstrução da rapariga com alegações racistas ou argumentos do tipo: “É propaganda para justificar a migração em massa”.

A investigação baseou-se no ADN da saliva que ficou preso numa espécie de pastilha elástica pré-histórica — resina de bétula — há cerca de 5.700 anos, à semelhança do que vemos nos filmes policiais quando os criminosos são apanhados porque deixaram uma pastilha caída algures. A equipa de Hannes Schroeder, investigador no The Globe Institute da Universidade de Copenhaga, referiu no artigo publicado na revista científica Nature Communications que o genoma se encontrava bastante completo, tendo em conta a antiguidade do achado e o material onde o ADN ficou preservado.

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“Estas pastilhas elásticas de resina de bétula são especiais em termos de quão bem o ADN está preservado. Surpreendeu-nos”, disse o antropólogo molecular Hannes Schroeder à Smithsonian Magazine quando o artigo foi publicado, em 2019. “Está tão bem preservado quanto alguns dos melhores ossos fossilizados [de crânio] que analisamos, e estes são uma espécie de Santo Graal quando se trata de preservação de ADN antigo.”

“Pastilha elástica” com seis mil anos ainda conserva o ADN da jovem que a mastigou

Lola é protagonista da exposição do museu dinamarquês Stiftsmuseet que retrata a vida nas ilhas de Lolland e Flaster, na Dinamarca, durante a Idade da Pedra, que teve início há cerca de 10 mil anos. Hannes Schroeder afirmou anteriormente que a rapariga apresenta “a mesma combinação de características físicas que, aparentemente, era muito comum na Europa mesolítica”. A rapariga é mais próxima dos caçadores-recoletores com origem nas regiões onde atualmente estão a Bélgica ou a Espanha do que dos povos que ocuparam a, agora, Suécia, disse. “Os europeus indígenas têm uma cor de pele mais clara agora, mas, aparentemente, não era o caso há 5.000 a 10.000 anos.”

A discussão na rede social anteriormente chamada Twitter divide-se entre os que defendem os resultados dos cientistas e aqueles que os acusam de ser “anti-brancos”, usando argumentos religiosos — “A diversidade que vemos atualmente deve-se à Arca [de Noé]” —, alegando que os escandinavos sempre tiveram pele e cabelo claro (sem provas para tal) e outros argumentos que se assemelham a ciência, mas que não têm fundamento científico e são contestados por outros internautas.

O homem de Cheddar, descoberto no Reino Unido, também teria olhos claros e pele escura, de acordo com os cientistas. Também estas conclusões foram criticadas por aqueles que não querem qualquer aproximação entre os europeus brancos e os povos com mais pigmentos na pele.

Dez mil anos depois, sabe-se que eram azuis os olhos do “homem de Cheddar”

Marie Brinch, arqueóloga e curadora do museu onde está patente a exposição, foi apanhada na discussão na rede social — onde também teve oportunidade de responder a outras perguntas de pessoas curiosas com o assunto. Ao jornal espanhol ABC disse estar surpreendida: “É impressionante que, o facto de há milhares de anos as coisas terem sido tão diferentes do que se acreditava até agora, desperte um sentimento tão forte em tantas pessoas”.

“Raramente podemos dizer que algo é [uma certeza] absoluta, o que podemos dizer é que temos uma probabilidade muito alta de que ela tivesse cabelos escuros, pele escura e olhos azuis, embora também haja uma pequena probabilidade de que não”, acrescentou a arqueóloga. Sem poder ver a rapariga, os cientistas têm de basear-se nos dados disponíveis e apresentar a conclusão mais provável, assim como fazem, por exemplo, na reconstrução da imagem dos homens de Neandertal ou dos dinossauros.