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A jovem de Cabo Delgado que viveu os ataques e padre português que contou a história da sua vocação. Dois testemunhos ouvidos pelo Papa

Este artigo tem mais de 1 ano

Marta dormiu várias noites no mato por medo, depois de a zona onde vive, em Cabo Delgado, ter sido atacada. O padre António Matos teve um acidente grave de carro que o fez viver um caminho.

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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Já no altar-palco do Parque Tejo, depois de ter percorrido todo o recinto a acenar aos peregrinos no papamóvel, o Papa Francisco ouviu dois testemunhos. O primeiro foi o do padre António Ribeiro de Matos, de 33 anos, que falou sobre como viveu “um caminho de encontro [consigo mesmo], com Cristo e com a sua Igreja”.

O segundo, também na primeira pessoa, cheio de emoção, foi o de Marta Luís, uma jovem de Cabo Delgado, região de Moçambique massacrada pela guerra e pelos ataques de extremistas islâmicos: “Os terroristas atacaram nossa aldeia”.

“Fugimos com toda a nossa família para o mato. Ficámos quatro dias escondidos”

O segundo testemunho da noite foi lido, com intensidade, por Marta Luís, uma jovem de 18 anos, moçambicana, natural de Cabo Delgado, que viveu na pele os violentos ataques terroristas.

“Chamo-me Marta, tenho 18 anos. Venho de Moçambique, da Província de Cabo Delgado, onde enfrentamos uma guerra que já dura há cinco anos. Sou do Distrito de Muidumbe numa região chamada Planalto do Povo Maconde. Participava da Paróquia Sagrado Coração de Jesus ou também conhecida como Missão de Nangololo. Venho de uma família simples e pobre. Cedo perdi meu pai, tinha apenas sete anos”, começou por apresentar-se.

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Marta Luís, jovem moçambicana, que apresentou o seu testemunho ao Papa

“Depois que o meu pai morreu, continuámos a nossa missão: minha mãe com as quatro filhas”. Marta “estudava na escola da comunidade e participava na vida da paróquia, onde era acólita e também participava nos encontros para ser crismada”.

“Na região norte onde morávamos ouvíamos falar dos ataques terroristas que aconteciam nas outras localidades perto do nosso distrito, mas não imaginávamos que também iríamos ser atacados”. Mas o pior aconteceu: “No dia 07 de abril de 2021, pela manhã, os terroristas atacaram nossa aldeia. Fugimos com toda a nossa família para o mato. Ficámos quatro dias escondidos. Quando soubemos que os terroristas tinham saído, voltámos para casa.”

Foram noites a dormir no mato por medo, só estavam em casa de dia, afirmou. “Rezávamos muito, pedindo a Deus que nos livrasse de todo mal, e para que o Senhor nos desse a força para superar aquele momento de dificuldade. Não dormíamos a noite toda, ficávamos a rezar Avé Maria e Pai Nosso, pedindo ao Senhor para que não acontecesse o pior nas casas das pessoas.”

“Deus é fiel e dos meus passos, mais ou menos acertados, fez um caminho”

Antes de Marta, foi a vez do padre António de Matos apresentar o seu testemunho. “A pessoa de Jesus foi estando sempre presente ao longo da minha vida, começando pelo ensinamento e testemunho de Fé que recebi da minha avó. Mas na verdade, Cristo era muitas vezes uma boa referência, mas não alguém com quem confrontava os meus caminhos e sonhos. Sem grande consciência disto, tinha os meus planos… Meus, não com Ele nem d’Ele. Até me animava pensar nos outros, envolver-me em projetos sociais e políticos que procuravam o bem-comum. Mas era tudo meu”, começou por dizer o sacerdote.

De seguida, o padre António Ribeiro de Matos continuou a explicar um pouco da sua aproximação à Igreja. “Na universidade, inscrevi-me numa semana de missão. Aí aproximei-me mais conscientemente de Cristo e da Igreja, mas o sentido da minha vida continuava a ser centrado em mim”.

Padre António Ribeiro de Matos contou o seu testemunho perante Francisco

Houve, no entanto, um momento em que isso teve uma reviravolta. “Numa tarde de Agosto de 2011, quando viajava sozinho de carro, adormeci”, conta, acrescentando que quando “acordou na ambulância – e à medida que fui ganhando consciência da gravidade do acidente – percebi que podia ter morrido naquele acidente”

“Percebi que se a minha peregrinação na Terra tivesse terminado naquele momento, a minha vida ‘não tinha valido a pena’. O sentimento de que a vida estava a passar-me ao lado, fez-me querer acolhê-la de outra forma e confrontar-me com perguntas que até aí evitava. Perguntas como: ‘Senhor, que queres que eu faça?’ Foi então que a alegria do encontro com Cristo começou a preencher o meu coração e a fazer-me a querer levar esta alegria a outros”, disse perante o Papa.

Continuando a ler o seu testemunho, o padre explicou que foi, “por isso, que em 2012 [entrou] no seminário”: “Vivi um caminho de encontro: encontro comigo, mas sobretudo pude encontrar-me, de forma mais verdadeira, com Cristo e com a sua Igreja. E que beleza é este encontro com Cristo e com a Igreja. Na minha fragilidade pude reconhecer como Jesus e a Igreja me amam e caminham comigo e crescia o desejo de levar a outros esta experiência.”

Viria a sair do seminário em 2017, “com as dúvidas próprias do caminho”,  mas “Cristo não desistiu de [si], como não desiste de ninguém”. E fora do seminário, continuou “muito ligado a atividades pastorais e [teve] a oportunidade de ir à Jornada Mundial da Juventude no Panamá”. “Deus é fiel e dos meus passos, mais ou menos acertados, fez um caminho. Regressei ao Seminário ainda em 2019 e fui ordenado em 2021 para procurar levar aos outros a alegria de encontrar Cristo, de ser encontrado por Ele. Uma alegria que não é passageira, uma alegria que me é oferecida do Céu”, rematou.

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