O proeminente comentador chinês Hu Xijin alertou nesta quarta-feira para os danos provocados pela nova Lei de Contraespionagem da China, numa altura em que académicos e funcionários do país passaram a evitar o contacto com estrangeiros.

Numa mensagem difundida através da rede social Weibo, o ex-editor-chefe do Global Times, jornal oficial do Partido Comunista, admitiu que os académicos chineses evitam agora reunir-se com estrangeiros, temendo repercussões, face à nova legislação e a uma campanha de mobilização, promovida pelo Ministério de Segurança do Estado chinês, para “capturar espiões”.

“Como é que podemos expandir o processo de abertura ao exterior nestas condições”, questionou Hu. “A intenção original da campanha definitivamente não visava este efeito, ou será que visava?”, perguntou.

Uma emenda à Lei de Contraespionagem, que entrou em vigor em julho, passou a proibir a transferência de qualquer informação relacionada com a segurança nacional e alargou a definição de espionagem, à medida que o Presidente chinês, Xi Jinping, enfatiza a necessidade de construir uma “nova arquitetura de segurança”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Todos os “documentos, dados, material e itens relacionados com a segurança e interesses nacionais” passaram a estar sob o mesmo grau de proteção que os segredos de Estado, de acordo com a emenda.

Este mês, o ministério de Segurança do Estado chinês pediu a mobilização de “toda a sociedade”, visando “prevenir e combater a espionagem”.

O ministério indicou que todos os órgãos estatais e organizações sociais, empresas e instituições têm a obrigação de prevenir e impedir a espionagem e “proteger a segurança nacional”. O organismo disse que vai colocar à disposição dos cidadãos números de telefone e caixas postais para receber denúncias, “garantindo o sigilo” dos informantes.

A partilha de Hu Xijin surge acompanhada por fotos em que aparece a conversar com um “amigo” diplomata da Coreia do Sul e a garantia: “Eu vou continuar a ter contacto com estrangeiros”.

“Acredito que a abertura da China exige mais contacto com o exterior“, disse Hu. “O meu coração é altruísta e o mundo é amplo”, acrescentou. O comentador apelou “a todos aqueles que têm a mente aberta” que deixem de lado os receios e “abram as portas da China ao exterior“.

Em declarações à Lusa, numa visita recente a Pequim, o especialista em Direito chinês Jeremy Daum ressaltou a linguagem “vaga” e a vontade das autoridades, “agora muito mais forte”, em aplicar a Lei de Contraespionagem. “A letra da lei não é assim tão importante: nunca faltou às autoridades [chinesas] base legal para atuarem”, salientou o investigador do Centro para a China Paul Tsai, da Escola de Direito da Universidade de Yale, nos Estados Unidos. “Mas, agora, há claramente muito mais vontade em fazer cumprir a legislação e, por isso, sentimos que o ambiente está a apertar“, notou.

Daum disse recear que a legislação vá dificultar ainda mais o contacto entre cidadãos chineses e estrangeiros. “Mesmo que não seja esse o propósito: a falta de clareza atribui um ar de suspeição a qualquer contacto”, notou.

“Sinto-me feliz, como investigador, que nesta visita [a Pequim], muitos dos meus velhos amigos chineses tenham mostrado grande disposição em reunir comigo”, observou Daum. “Mas, não sei o quão fácil vai ser fazer novos amigos”, descreveu.