Aos24 anos, Luca Re Sartù morreu depois de regressar a casa, em Itália, vindo de Lisboa, onde participou na Jornada Mundial da Juventude. O pai, Francesco Re Sartù, antigo vereador de Marnate, disse ao jornal italiano La Prealpina, suspeitar-se “que tenha contraído a bactéria estafilococos em Lisboa.”
“Ao regressar, na quarta-feira à noite, às 23h30, ao aeroporto de Bergamo, foi levado ao pronto-socorro Mater Domini, em Castellanza, onde sofreu uma paragem cardíaca. Os médicos foram muito bons e conseguiram reanimá-lo, mas perceberam a gravidade da situação e que era necessária uma intervenção diferente e especializada. Na manhã de quinta-feira, foi transferido para a unidade coronária do hospital de Monza, mas nunca recuperou, até que nos deixou na tarde de sexta-feira”, contou ao jornal italiano.
Jovem morre no regresso a Itália após JMJ. Médicos acreditam que contraiu infeção em Lisboa
Luca Re Sartù morreu no dia 11 de agosto. O jovem queixou-se de febre e exaustão ainda em Portugal, teve uma paragem cardíaca já em Itália e alguns media italianos indicam que terá tido uma septicemia, mas só a autópsia poderá esclarecer qual a causa de morte. A autópsia estava, inicialmente, marcada para segunda-feira, dia 14, mas os jornais italianos dizem que foi adiada para esta quarta-feira. A única pista é a alegada infeção com estafilococos.
O que são as bactérias estafilococos?
Os estafilococos são bactérias esféricas com cerca de um micrómetro (0,001 milímetros), que se agrupam em cachos e cuja temperatura ótima de crescimento é equivalente à que encontram no corpo humano. Este género de bactérias, Staphylococcus, é composto por, pelo menos, três dezenas de espécies, mas apenas algumas causam doença grave nos humanos. Não é claro, pelas notícias divulgadas, que espécie terá infetado Luca Re Sartù.
Onde é que existem?
Os estafilococos são um dos mais comuns patogenos do ser humano, ou seja, são vetores de doença comuns. Mas também convivem connosco normalmente: algumas espécies vivem na pele, nas fossas nasais, no trato urinário ou nos intestinos sem causar problemas.
Como se transmitem?
Estas bactérias podem ser transmitidas entre pessoas por contacto direto ou através de objetos. Uma ferida na pele ou uma cirurgia, assim como uma saúde debilitada, podem permitir a entrada das bactérias que, depois, se tornam patogénicas (causadoras de doença). A melhor forma de prevenir a transmissão é ter cuidados de higiene adequados, lembrando que os estafilococos no exterior do organismo são eliminados por sabão ou desinfetantes.
Quando contaminam os alimentos, as toxinas produzidas por estas bactérias podem causar intoxicações alimentares, mesmo que aqueles tenham sido cozinhados. O resultado é, normalmente, vómitos intensos que passam ao fim de poucas horas — embora os bebés e pessoas mais debilitadas possam ter consequências mais graves.
Que doenças podem causar?
- A Staphylococcus aureus está muitas vezes presente na pele e fossas nasais de pessoas saudáveis, mas também podem causar vários tipos de infeções, desde acne, furúnculos e outras infeções na pele, até doenças mais graves como pneumonia, meningite (inflamação das membranas que protegem o cérebro e a medula espinal), endocardite (infeção da camada interior do coração), sépsis ou septicémia (quando a resposta imunitária descontrolada, por causa da infeção, destrói os próprios órgãos).
- A Staphylococcus lugdunensis é mais rara, mas pode causar infeções cutâneas como a S. aureus e endocardite. “A S. lugdunensis também pode manifestar-se como uma forma agressiva de endocardite infecciosa, apresentando-se com destruição das válvulas e formação de abscessso, frequentemente necessitando de cirurgia e com alta taxa de mortalidade”, descreve a revista científica Cureus. Em geral, mostra-se suscetível aos vários tipos de antibióticos.
- A Staphylococcus epidermidis é comum nas infeções hospitalares. É um patogeno oportunista que aproveita os cateteres, sondas e outros dispositivos médicos para entrar no corpo e causar infeção. É muito difícil de eliminar porque cria biofilmes (comunidades organizadas de bactérias envolvidas por uma matriz): por um lado, formam-se em qualquer superfície e que são difíceis de eliminar; por outro, os biofilmes dificultam a ação dos medicamentos antimicrobianos e das células do sistema imunitário. Como agravante, podem transportar genes de resistência a antibióticos e transmiti-los a outras bactérias (mesmo de outras espécies).
- A Staphylococcus saprophyticus é, depois da Escherichia coli, a causa mais comum de infeções urinárias em mulheres jovens. A bactéria vive nas mucosas das vias urinárias e genitais, mas um desequilíbrio na comunidade de bactérias presentes (microbiota) pode fazer com que se multipliquem e provoquem uma infeção.
Quais os principais sintomas a ter em atenção?
Febre e cansaço excessivo, tal como se queixou Luca Re Sartù, estão entre os sintomas mais comuns, assim como mal-estar, dores no corpo e vómitos. Os doentes devem procurar assistência médica e é ideal que a infeção seja detetada rapidamente (assim como se é causada por uma bactéria e qual) porque as infeções com estafilococos evoluem rapidamente.
Como se trata?
As infeções bacterianas tratam-se com antibióticos, mas o antibiótico a usar depende da bactéria (ou bactérias) presente e do estado de saúde do doente. Num caso de infeção grave, quando não se pode esperar pelo resultado dos exames, pode iniciar-se o tratamento com vários antibióticos e, depois, quando houver mais informação, manter só o mais adequado, disse a médica Ana Escobar ao G1 (Globo), sobre outro caso. Quando a infeção chega à circulação sanguínea, se espalha pelo organismo e afeta vários órgãos (septicemia), torna-se muito mais difícil de tratar e causa, muitas vezes, a morte.
O jovem italiano foi infetado com uma forma multirresistente?
Mesmo as bactérias aparentemente inócuas, que convivem com o ser humano podem desenvolver formas (ou subespécies) resistentes a um ou mais tipos de antibióticos. Mas as infeções mais graves, mesmo as que causam a morte, não têm necessariamente de ser resultado da infeção com uma bactéria multirresistente. No caso de Luca Re Sartù, essa informação não é conhecida.
A resistência a um ou mais antibióticos está inscrita nos genes das tais bactérias resistentes, que se tornaram mais comuns pelo uso incorreto de antibióticos ou que os receberam de outras bactérias resistentes. Estas bactérias resistentes podem até viver no organismo da pessoa sem nunca causar problemas (a pessoa está colonizada), serem transmitidas por outra pessoa ou serem adquiridas em contexto hospitalar (onde as bactérias multirresistentes são mais comuns).
Os estafilococos resistentes mais comuns são os MRSA, que significava originalmente Staphylococcus aureus resistente à meticilina, mas que na verdade é uma forma resistente a outros antibióticos. Os MRSA existem em contexto hospitalar, mas também são comuns na comunidade, vivendo na pele e fossas nasais, e podem causar infeção em outras pessoas que não o hospedeiro.
A Staphylococcus hominis, nomeadamente, a subespécie novobiosepticus (SHN) é outra forma resistente a antibióticos, neste caso, à novobiocina. A bactéria na forma normal, pelo contrário, é frequentemente encontrada na pele e só costuma infetar as pessoas com sistemas imunitários mais fragilizados. Aliás, nestes casos, a S. hominis pode mesmo funcionar como uma barreira a bactérias que causam doenças, defendem os autores do artigo publicado na revista científica da Sociedade Americana para a Microbiologia.