Morreu entre os cinco e os sete anos e foi enterrada de barriga para baixo com um cadeado nos pés há 400 anos. O objetivo seria que esta criança do século XVII mordesse a terra, e não os vivos, e não se pudesse erguer do túmulo, refere o comunicado da Universidade Nicolaus Copernicus, em Toruń (Polónia).
O cadeado mostra que as pessoas tinham medo desta criança após a sua morte”, disse Dariusz Poliński, investigador no Instituto de Arqueologia da Universidade Nicolaus Copernicus, ao Live Science.
O arqueólogo tem coordenado as escavações em Pień, na Polónia, desde 2005 e a sua equipa já encontrou mais de 100 sepulturas num local fora dos terrenos da igreja destinado aos proscritos — os pobres, os estranhos e os “possuídos pelos demónios”. No entanto, esta é a primeira criança a ser encontrada com um cadeado triangular no dedo grande do pé — que simboliza o fim de uma etapa, a impossibilidade de comunicação entre mortos e vivos. No local, foram encontrados restos mortais de outras três crianças e mais um cadeado, mas não se sabe a quem pertenceria.
“O principal significado deste sítio é que podemos aprender mais sobre as principais tradições e costumes no contexto de tratar pessoas que eram ‘diferentes'”, disse Poliński. “Todas as características aqui indicam que se tratava de um cemitério para os excluídos, para aqueles que deviam ser esquecidos.”
As “almas perdidas”, mesmo que fossem de pessoas abastadas, acabavam neste tipo de cemitérios. Foi o que aconteceu com uma jovem, que teria entre 17 e 21 anos, encontrada no ano passado, no mesmo local. A jovem tinha sido enterrada com um cadeado nos pés e uma foice por cima pescoço (como que a prendê-la ao chão), mas mostrava sinais de riqueza, como as marcas de uma almofada por baixo da cabeça ou os restos de um gorro de seda, bordado a prata ou ouro, que lhe cobriria a cabeça, descreve a universidade em comunicado de imprensa.
A mulher tinha manchas de ouro no crânio, provavelmente resultado de um remédio que tenha tomado contendo este metal, e manchas verdes no palato, que poderiam ser de uma moeda de cobre colocada na boca (mais uma forma de proteção “anti-vampiros”). Uma das mandíbulas de criança encontradas no local também tinha o mesmo tipo de mancha verde. Talvez os vivos receassem aqueles que morriam de doença ou talvez estas pessoas tivessem comportamentos estranhos por causa da doença, parecendo “possuídos por espíritos maus”, especula o arqueólogo, citado pelo site Science in Poland.
Sobre o cunho de “vampiros”, Poliński diz que não é absolutamente correto e é fruto de um conceito moderno que não existia no século XVII e XVIII, pelo menos não como o atribuímos agora aos “bebedores de sangue”. Mas o investigador não nega que o cadeado, a foice e as moedas na boca eram estratégias “anti-vampiro”.
Há muito que existiam receios de que os mortos se levantassem das tumbas ou viessem assombrar os vivos na forma de fantasmas, especialmente quando tinham tido mortes súbitas e sinistras ou tinham vivido vidas de pecado, como as bruxas ou quem cometeu suicídio. Para evitar que os mortos regressassem, houve estratégias adotadas em várias culturas, como decapitar os mortos, queimar-lhes o coração ou colocar-lhes pedras na cabeça, conta o IFLScience. No século XVIII, o medo de vampiros seria tão grande que houve corpos exumados nos quais se espetou uma estaca no coração por medo que fossem vampiros.
No mesmo local, a equipa de Dariusz Poliński encontrou também uma grávida e o feto de 24 semanas. Na cova onde estava enterrada estavam várias pedras, algumas em locais tão específicos que não pareciam ter ali caído por acidente: sobre o externo (o osso no meio do peito entre as costelas), no pescoço e à volta da cabeça.
“Num futuro próximo, serão realizados testes de isótopos estáveis, na Universidade do Novo México, nas amostras de esqueletos de pessoas enterradas no cemitério de Pień. Também estão planeados testes de ADN. Essas análises podem, certamente, ajudar a determinar quem foi enterrado no cemitério, porque é que estas pessoas foram tratadas desta maneira, se eram imigrantes e se estavam doentes”, diz o arqueólogo, citado pela Science in Poland.