Ao navegarem na orla de uma ilha deserta e de florestação pujante, em 1420, os tripulantes da frota dos exploradores João Gonçalves Zarco, Bartolomeu Perestrelo e Tristão Vaz Teixeira ficaram surpreendidos com o que pareciam ser uivos de lobos numa enseada. Amedrontados, mas movidos pela curiosidade, descobriram uma colónia de animais nunca vistos.

Foi a primeira interação conhecida entre portugueses e as focas-monge-do-mediterrâneo, que os marinheiros logo batizaram de lobos-marinhos. “A par dos morcegos, os lobos-marinhos eram os únicos mamíferos nativos que ocupavam o meio terrestre na Madeira”, diz Cláudia Ribeiro, bióloga marinha e atual coordenadora do Projeto de conservação do lobo-marinho no Instituto das Florestas e Conservação da Natureza (IFCN). “Não se sabe ao certo quantos lobos-marinhos existiam à época, mas sabe-se que eram abundantes no arquipélago.”

A povoação que se ergueu junto à enseada foi chamada de Câmara de Lobos. O lobo-marinho faz hoje parte do brasão de armas da Madeira e dá o nome ao ferry que faz a travessia entre o Funchal e o Porto Santo. Mas muito sangue derramou até se ter tornado num dos símbolos da região – os animais foram caçados ao longo de quinhentos anos para utilização da pele e gordura.

As capturas deliberadas e acidentais conduziram a uma redução drástica da população. Na década de 80 do século XX, as estimativas de população de lobos-marinhos eram de seis a oito indivíduos. Os lobos-marinhos estavam perto da extinção em Portugal. “Mas esta espécie é de uma resistência impressionante”, diz Cláudia Ribeiro. “Para escaparem à predação, fugiram do seu habitat ótimo e refugiaram-se nas Ilhas Desertas, onde estão mais expostas a um mar tempestuoso e ao vento forte, mas garantiram a segurança para os escassos sobreviventes da colónia”. A ajuda chegou finalmente em 1986, com a primeira legislação de proteção aos mamíferos marinhos na região Autónoma da Madeira. Dois anos mais tarde, quando arrancou o primeiro projeto de conservação da espécie nas ilhas Desertas. A foca-monge escapou por um triz. No Mediterrâneo e em Cabo Branco, na Mauritânia, encontram-se os outros efetivos do raro mamífero, mas todas as populações da espécie ainda não chegam ao milhar – há apenas cerca de setecentos indivíduos no mundo inteiro.

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É uma das maiores focas do mundo: pode ultrapassar os três metros e pesar mais de 300 quilos. Vivem entre 20 e 25 anos e têm um apetite voraz, fundamental para sustentar a morfologia corpulenta; alimentam-se de peixes, caranguejos e moluscos, como lulas e polvos, à volta  de três quilos por dia. “Para os encontrarem, procuram essencialmente na plataforma continental, que é estreita no caso do arquipélago da Madeira, em mergulhos entre os cinquenta e os cem metros de profundidade”, explica a bióloga madeirense. “Mas já registámos um mergulho até aos 429 metros.”

A plataforma continental reduzida, aliada a 600 anos de exploração dos recursos piscícolas costeiros, faz com que a abundância de peixe nas águas da Madeira não seja muito elevada, pelo que as focas ali são mais magras do que as congéneres da Mauritânia. Consequentemente, atingem a maturidade sexual mais tarde: aos seis ou sete anos, e não por volta dos três ou quatro como ocorre nas fêmeas do Cabo Branco. “Isso deve-se a menor disponibilidade de recursos alimentares,  o que faz com que as fêmeas do nosso arquipélago tenham menos tempo útil de reprodução do que as que ocorrem noutras paragens”, diz Cláudia Ribeiro. “Os nascimentos ocorrem em outubro e novembro, preferencialmente dentro de grutas exíguas, o que contribui para uma alta taxa de mortalidade infantil. As ondas entram com força pelas grutas e, por vezes, projetam fatalmente as crias contra as rochas, ou inundam as grutas causando afogamento ou problemas de termorregulação”.

Os lobos-marinhos estão hoje mais preservados, mas ainda não saíram dos cuidados intensivos. As redes de emalhar, uma arte de pesca perigosa para os animais, foram proibidas em todo o arquipélago em 2000. Já os covos, os cestos compridos para capturar algumas espécies, continuam em uso. “Já encontrámos um juvenil afogado no interior de um covo colocado ilegalmente nas ilhas Desertas. Entrou para comer o peixe que ali estava reunido e não conseguiu sair. Mesmo no caso em que os lobos-marinhos não consigam entrar no covo, podem provocar ferimentos na cabeça ou no pescoço, constituindo assim um risco para a espécie”, diz Cláudia Ribeiro. A bióloga diz que, graças a várias campanhas de sensibilização, muitos pescadores têm vindo a alterar um comportamento histórico de rivalidade para com o lobo-marinho na captura de peixe.

Outra preocupação é a degradação do habitat devido à ocupação intensa da costa, em parte resultante da sobrecarga turística. “Os lobos-marinhos precisam das praias para descansar e cada vez é mais difícil encontrar praias desocupadas e sem pessoas, sem  que sejam perturbados no seu descanso”, diz a especialista. “Não nos podemos esquecer que se trata de um animal selvagem, que deve viver com a mínima perturbação possível.”

Nome comum: Foca-monge-do-mediterrâneo (lobo-marinho)
Nome científico: M monachus
Classe: Mammalia
Estatuto de conservação: Em perigo
Distribuição em Portugal: Arquipélago da Madeira
Principais ameaças: Artes de pesca abandonadas, sobrepesca, poluição, degradação de habitat
Dimensões: Os machos podem ter mais de três metros de comprimento, enquanto as fêmeas não passam dos 2,60m. O peso ronda os 300 quilos.

Este é o oitavo de dez artigos sobre espécies marinhas ameaçadas que ocorrem em Portugal. Na semana passada escrevemos sobre o vampiro dos mares que sobreviveu à extinção dos dinossauros. E antes disso sobre o habitante invulgar da Ria Formosa, a maldição da barbatana do tubarão-martelo liso, a joia do lusco-fusco submarino, o golfinho tímido que está a viver um drama, o intrigante réptil turista das águas portuguesas e a ave marinha mais ameaçada da Europa. No próximo sábado apresentaremos outra.