Se as missões à Lua podem ser consideradas uma corrida, então as viagens da Rússia e da Índia ao polo sul do nosso satélite natural são uma versão espacial da história infantil “A lebre e a tartaruga”. A missão russa Luna-25 foi adiada sucessivamente desde 2017, mas acelerou a fundo este mês de agosto para chegar à Lua em 10 dias. A missão indiana Chandrayaan-3, por sua vez, foi construída sobre as lições do falhanço de 2019 e, ao longo de 40 dias, procuraram-se as melhores condições para uma alunagem suave. Tal como na história infantil, a tartaruga ganhou a corrida.

Rússia e Índia partilhavam o mesmo objetivo: conseguir pousar no polo sul da Lua, onde a quantidade de crateras torna a manobra particularmente difícil. Naturalmente, cada um dos países sonhava ser o primeiro a fazê-lo. A Índia conseguiu e tornou-se também o quarto país a pousar na Lua com sucesso — depois dos Estados Unidos, Rússia e China. Entre a missão indiana e russa são mais as diferenças do que as semelhanças.

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Qual a experiência nas missões espaciais à Lua?

O nome da missão russa, Luna-25, dá continuidade à primeira vaga de missões espaciais do país à Lua. A Luna-1 foi lançada em janeiro de 1959 e a Luna-24 em agosto de 1976, mas passaram 47 anos até que uma nova missão russa voltasse ao nosso satélite natural. No passado, a agência espacial russa, Roscosmos, conseguiu fazer pousar veículos não tripulados na Lua, recolher amostras de solo e enviá-las para a Terra — só não conseguiu igualar os Estados Unidos, levando astronautas à superfície.

A Índia, por sua vez, tem uma história de exploração espacial muito mais recente. A Organização Indiana de Investigação Espacial (ISRO) nasceu em 1969 e, em 1980, foi lançado o primeiro satélite por um foguetão indiano. Depois de a China enviar humanos para o espaço, em 2003, a exploração espacial na Índia, nomeadamente à Lua, ganhou um novo ímpeto e a missão Chandrayaan-1 foi lançada em 2008. A missão Chandrayaan-2 foi lançada em 2019, com o módulo de aterragem a despenhar-se na Lua, e, agora, a missão Chandrayaan-3 foi bem sucedida.

Quanto tempo durou cada uma das missões?

A missão indiana Chandrayaan-3 foi lançada quase um mês antes da missão russa, no dia 14 de julho, e pousou suavemente na superfície da Lua no dia 23 de agosto — 40 dias depois —, pelas 13h34 (hora de Lisboa). A missão russa, Luna-25 foi lançada no dia 11 de agosto e estava previsto que pousasse na superfície da Lua no dia 21 de agosto — 10 dias depois —, mas dois dias antes, um problema na manobra que colocaria a sonda na órbita correta, fez com que se despenhasse.

A missão Chandrayaan, nas suas várias componentes, foi aprovada pelo governo indiano no final de 2003 e a primeira sonda, Chandrayaan-1, lançada cinco anos depois. Nos quatro anos que separaram a queda do módulo de aterragem da Chandrayaan-2 e o lançamento da terceira missão, os cientistas melhoraram os equipamentos de forma a que o erro que levou à queda do módulo não se voltasse a repetir.

O regresso à exploração da Lua por parte da Rússia foi anunciado em 2015, mas os lançamentos das missões Luna-25, Luna-26 e Luna-27 foram sucessivamente adiados. Já em 2022, o lançamento da Luna-25 foi adiado por mais um ano, porque o sistema de aterragem falhou nos testes.

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Quanto custam as missões à Lua?

As missões indianas são conhecidas por serem low-cost, pelo menos quando comparadas com as missões das agências espaciais americana (NASA) e europeia (ESA). Ainda assim, a ISRO tem conseguido cumprir os objetivos a que se propõe, nomeadamente com a recente alunagem. Para a missão Chandrayaan-3, a Índia investiu 6,15 mil milhões de rupias indianas (cerca de 69 milhões de euros) — muito menos do que para a missão Chandrayaan-2, onde se gastaram 9,78 mil milhões de rupias indianas (cerca de 109 milhões de euros) —, de acordo com o Hindu Times.

Por sua vez, a Rússia, cuja missão se despenhou na superfície da Lua devido a um erro técnico, terá gasto qualquer coisa como 184 milhões de euros (124 milhões de despesa efetiva com a missão e 60 milhões de despesas gerais acumuladas desde que a missão foi projetada), de acordo com a Freedom TV, canal de televisão em russo com sede em Kiev. Parece muito? É o equivalente ao salário do futebolista português Cristiano Ronaldo ao fim de um ano no clube saudita Al-Nassr.

Para tornar mais clara a capacidade de fazer história na exploração espacial recorrendo a um baixo investimento, a missão Chandrayaan-3 ficou mais barata do que a produção do filme “Interstellar”, de Christopher Nolan, que teve mais de 150 milhões de euros de custos de produção. As três missões da NASA à Lua, as Artemis que vão incluir levar astronautas ao satélite natural, têm um custo estimado, entre 2021 e 2025, de 53 mil milhões de dólares (cerca de 49 mil milhões de euros).

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Quais os equipamentos a bordo das sondas?

A missão Chandrayaan-3 é composta por sete instrumentos científicos, quatro na sonda Vikram, dois no rover Pragyaan e um no módulo de propulsão. Além disso, a sonda está também equipada com câmaras fotográficas que, em conjunto com um altímetro de radiofrequência, auxiliaram na alunagem.

A sonda Vikram vai registar as vibrações no solo, seja por sismos ou queda de meteoritos; medir a temperatura, densidade e potencial elétricos do plasma (iões e eletrões) à superfície; registar a temperatura e condutividade térmica até a profundidade de 10 centímetros; um retrorrefletor, que funcionará como estação geodésica de longo prazo e marcador de localização na superfície lunar.

O rover Pragyaan tem um espetrómetro de raios X e outro baseado em laser, que servem para estudar a composição do solo e rochas lunares, nomeadamente identificando elementos como sódio, magnésio, alumínio, sílica, potássio, cálcio, titânio e ferro, noticiou o jornal Indian Express. E o módulo de propulsão tem um espetropolarímetro que servirá para ler as assinaturas espectrais da Terra a partir da órbita lunar.

Luna-25 também tinha como objetivo estudar os materiais na superfície lunar, as poeiras e o plasma, e estava devidamente equipada para tal. Uma das marcas distintivas da sonda era o braço mecânico de cerca de 1,6 metros de comprimento que deveria recolher o material à superfície da Lua até uma profundidade de 20 a 30 centímetros. Além do braço robótico, com colher e tubo para guardar amostras, a sonda tinha outros oito equipamentos a bordo com objetivos semelhantes aos da sonda indiana: para estudar a composição dos materiais, as partículas carregadas, as propriedades térmicas e tirar fotografias. A sonda tinha ainda um retrorrefletor e estava equipada para medir água e hidróxido (OH) à superfície.

Que agências colaboraram nas missões?

As missões Luna tinham como parceiro a Agência Espacial Europeia (ESA), que depois da invasão da Ucrânia pela Rússia suspendeu todos os projetos com a Roscosmos. A agência espacial russa viu-se assim obrigada a substituir os equipamentos que tinham sido desenvolvidos pela ESA.

A ISRO conta sobretudo com organizações indianas no desenvolvimento, fabrico e controlo dos equipamentos, mas também tem colaborações internacionais. Por exemplo, o retrorrefletor LRA (“Laser Retroreflector Array”) resultou de uma parceria com os Estados Unidos e pertence à NASA (agência espacial norte-americana). Por outro lado, a NASA, ESA e a agência espacial sueca (SSC) apoiaram a comunicação e navegação da missão Chandrayaan-3.