O novo filme de François Ozon, “O Crime é Meu”, passa-se em Paris, entre as guerras. Madeleine Verdier (Nadia Tereszkiewicz), é uma atriz jovem, bonita, com pouco talento e ainda menos dinheiro, que tem um namorado rico mas tonto, pronto a abdicar da sua herança por amor, já que a família não aprova o namoro. Madeleine partilha um apartamento decrépito com a sua melhor amiga, Pauline Mauléon (Rebecca Marder), advogada recém-formada, também desempregada e igualmente sem um tostão. Ainda por cima, têm vários meses de renda em atraso e o senhorio já está a perder a paciência, e não aceita mais desculpas nem concede mais adiamentos.

Quando Madeleine é acusada de ter assassinado um conhecido e libidinoso produtor que se tentou aproveitar dela em troca de um papel numa peça, e apesar de não ser culpada, as duas amigas têm uma ideia. Vão apropriar-se do crime e fazer de Madeleine uma vítima ingénua que se limitou a defender a sua virtude dos avanços de um monstro concupiscente, e pôr em causa o poder masculino. Emocionada e indignada, a opinião pública e a imprensa tomarão o partido da atriz, que será absolvida por legítima defesa e ganhará fama e bons papéis no teatro e no cinema, enquanto que a sua advogada terá publicidade e muitos casos em tribunal.

[Veja o “trailer” de “O Crime é Meu”:]

Meu dito, meu feito. Célebres e bem pagas, as duas amigas mudam-se para uma casa de luxo, com criadagem e tudo. As coisas parecem correr pelo melhor, mas Madeleine e Pauline esqueceram-se de uma coisa. O verdadeiro assassino continua à solta e pode aparecer a qualquer momento, estragando o arranjinho das duas amigas. Em “O Meu Crime”, François Ozon adapta uma peça de teatro francesa da década de 30 que Hollywood já filmou duas vezes, logo nessa mesma altura e nos anos 40, e mostra mais uma vez a sua capacidade consumada de circular entre géneros e registos completamente antitéticos.

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[Veja uma entrevista com as duas principais atrizes:]

Aqui, Ozon harmoniza, num “pastiche” irrepreensível, a esfuziante comédia de “boulevard” francesa e a acelerada “screwball comedy americana”, e mescla os artifícios do teatro e do cinema, mostrando também todo o seu talento para conceber personagens femininas, escolher as atrizes ideais para lhes dar corpo e dirigi-las a preceito. E assina um filme alegremente amoral, todo ele leveza e ritmo, personagens burlescas, diálogos pândegos, situações anedóticas e golpes de rins do enredo, em cujas entrelinhas passa uma mensagem de defesa da causa feminina, mas que nunca se torna comicieira. É que Madeleine e Pauline são tão bonitas, desembaraçadas e audaciosas, como mentirosas, aproveitadoras e manipuladoras…

Nadia Tereszkiewicz e Rebecca Marder espalham genica, comicidade e charme em doses iguais, e Fabrice Luchini, André Dussolier e Dany Boon compõem os segundos papéis masculinos de forma desopilante, sempre à beira da caricatura mas sem darem um passo em falso. E “O Crime é Meu” duplica a hilaridade e a trapalhada assim que entra em cena Isabelle Huppert no papel da espaventosa Odette Chaumette, uma atriz tão veterana como canastrona, e glória esquecida do cinema mudo, que vem reivindicar o seu a seu dono e recordar que, como dizia o outro, “ou comem todos, ou há moralidade”. E o filme que lhe deu fama, “La Flûte Merveilleuse”, de 1910, de e com Max Linder, existe mesmo!