Terceiro e último dia de Kalorama, aquele que já estava marcado pelo concerto dos Arcade Fire, mesmo antes do concerto acontecer. Não porque algo de novo rodeava a atuação. Não por nenhuma novidade face às acusações de conduta sexual imprópria de que foi alvo o vocalista, Win Butler, há uns meses (sobre as quais, mais uma vez, nada se viu ou ouviu). Apenas porque se tratou de um concerto dos Arcade Fire, essa espécie de encontro redentor entre seguidores e seus messias, que parece sempre auto-renovar-se na capacidade de surpreender.
O que foi apresentado no palco principal do Parque da Bela Vista foi um concerto repleto de êxitos, desde “Rebellion (Lies)” ou “Wake Up”, faixas importantes de Funeral, o disco de estreia do conjunto, a “The Suburbs”, “Afterlife”, passando pelas “The Lightning (a versão I e II)” que fazem parte do álbum mais recente, WE (2022). A mesma conclusão de sempre, que aqui a ideia não é encontrar a novidade, é regressar a um sítio de permanente fantasia: a música dos Arcade Fire parece mesmo agradar a (quase) todos. E talvez também por isso surja sempre à superfície de uma multidão de milhares uma sintonia rara de ver uma paisagem como esta: cantigas cantadas a plenos pulmões, refrões uivados como se esta fosse a nossa última vez com os canadianos.
Mas na última noite houve novidades. Por exemplo, em forma de regresso, com Siouxsie Sioux, cerca de trinta anos depois de ter estado pela última vez em Portugal, realizando um concerto que foi um autêntico encontro geracional, entre fãs.
A artista londrina fez-se acompanhar por uma banda que a serviu e a complementou de forma bastante musculada na maior parte dos êxitos da sua discografia, desde “Happy House” a “Spellbound”, à referência aos Beatles em “Dear Prudence”, ao seu êxito a solo “Into a Swan” (escolhida para acabar o concerto), correspondendo às expectativas daqueles que ali se apresentaram com a esperança de fazer uma viagem por memórias de outros tempos.
Isto apesar de detalhes técnicas que condicionaram sobretudo o som; e apesar do horário, com um concerto que se pedia noturno mas que foi acompanhado pela tarde solarenga que não estava nas previsões iniciais. Siouxsie, aparentemente alheia a tudo isto, entregou-se como se esperava.
De entrega fez-se também a hora dos Nu Genea — entrega assegurada de ambos os lados do palco. Uma banda que é um duo, formado por Andrea Di Ceglie e Francesco Rago, napolitanos, com o maior dos objetivos no hedonismo do presente, cavalgam ondas groove como poucos parecem conseguir fazer por estes dias. Num festival que anuncia o final do verão, as melodias e os ritmos tropicais servem de bruxedo por um calor permanente e a boa disposição desta estação do ano e a deixar todos os festivaleiros numa boa disposição. Nada disto novo, nem o feitiço que esta musicalidade exerce, nem os próprios Nu Genea, nas coisas dos discos há pelo menos uma década. Mas por vezes é preciso o palco certo na hora certa para lançar uma corrida para um reconhecimento maior. Talvez comece aqui uma nova etapa.
Entretanto, ao mesmo tempo, mas no palco ao lado, o Palco San Miguel, atuavam os The Hives, que, apesar de insistirem que estavam a tocar o bom, velho e fiel rock’n’roll, pouco entusiasmavam com uma atitude demasiado agarrada a uma fórmula que já não parece deste tempo. Ainda que alguns “clássicos” do grupo — como “Main Offender”, “Hate To Say I Told You So”, “Come On!” ou “Tick Tick Boom” — resultem sempre (recebidos mesmo com mosh e crowdsurf), há sempre um sentimento de fabrico em série e de auto-elogio do vocalista Pelle Almqvist que impedem uma outra relação com o que está a acontecer à nossa frente (The Hives que regressam a Lisboa para atuar no Capitólio, no dia 6 de outubro).
No arranque do dia, a irlandesa Ciara Mary-Alice Thompson, conhecida artisticamente como CMAT (que este ano lançou Crazymad For Me), trouxe folk e country. Momento perfeito para quem procura dar atenção às “letrinhas pequenas” dos festivais de verão, descobrindo aquilo que não conheciam.
Responsável por encerrar o festival (ao mesmo tempo que os Young Fathers, que atuavam ao no Palco Samsung), esteve a brasileira Pabllo Vittar, absoluta conquistadora de palcos, dominadora de multidões, mesmo (ou sobretudo) aquelas que se dizem céticas sobre a possibilidade transformadora de uma festa dançada totalmente livre de regras e preconceitos.
A terceira edição do festival no Parque da Bela Vista já tem data marcada, regressando nos dias 29, 30 e 31 de agosto de 2024.