Os arquitetos Magda Seifert e Pedro Baía, editores do livro Porto Brutalista, disseram à Lusa que a demolição do mercado de São Sebastião, um dos possíveis destinos do edifício, “não choca”, mas “tem de haver uma estratégia” no local.
“Se se perceber que, se calhar, não está ali a funcionar bem, a equação de demolir não nos choca”, disse à Lusa Pedro Baía, com a concordância de Magda Seifert, numa entrevista conjunta dos diretores e fundadores da editora portuense Circo de Ideias, especializada em arquitetura, após a arquiteta ter referido um antigo projeto de Álvaro Siza para aquela zona, com duas fases, a última de 2000.
Para Pedro Baía, a possível demolição do mercado situado na zona da Sé (1986-1998) enquadra-se num contexto de “eventualmente recuperar, voltar a trabalhar com o Siza no sentido de recuperar e dar mais cidade, mais densidade àquele espaço”, admitindo ainda que o mercado de estilo brutalista (caracterizado normalmente pelo betão ou tijolo à vista, sem revestimentos ou acabamentos) possa ser “integrado com outra função”.
“Mas lá está, tem de haver uma estratégia, não é só demolir porque é betão, é cinzento, fica mal na fotografia e não tem a ver com as casinhas e os turistas”, considerou o arquiteto.
Em 24 de julho, o executivo da Câmara do Porto aprovou por maioria o encerramento definitivo do Mercado de São Sebastião, na zona da Sé, e a atribuição de 44 mil euros de indemnização às cinco comerciantes que lá trabalhavam.
“Podemos demolir o edifício, podemos fazer lá um mercado ou usar aquele espaço para outra coisa qualquer. Agora vamos meditar também em conjunto com o executivo”, referiu então o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, dizendo que todos os relatórios apontavam para a existência de “imensos problemas” e que o mercado “nunca teve condições de conforto”, nem para os comerciantes, nem para os consumidores.
O edifício está no portal SOS Brutalism, uma base de dados na internet que se dedica a sinalizar edifícios brutalistas com falta de manutenção ou em perigo de demolição.
Magda Seifert olha com “naturalidade” para a possibilidade de demolição do edifício projetado por António Moura e finalizado nos anos 90, “porque as cidades são feitas de transformação e o uso dos edifícios também é uma consequência disso”.
“Portanto, a hipótese de o reabilitar ou transformar noutra coisa, ou de o demolir, são ambas, a meu entender, viáveis”, disse a também investigadora na entrevista conjunta à Lusa com Pedro Baía.
O arquiteto, também professor universitário, reconhece que a palavra ‘demolir’ tem o seu peso, considerando-o “um extremo de muito mais consequências e mais problemático do que algo que é mais pacífico, que é recuperar, reutilizar, reaproveitar, alterar o programa, encontrar outra lógica para o edifício, com sentido”.
“Não quer dizer que seja algo que não seja como uma possibilidade. É claro que implica uma maior reflexão”, confiando que na Câmara Municipal do Porto “toda a gente está consciente dessa reflexão”, pelo que “se algum dia se avançar para a demolição, não será de ânimo leve”.
Para Pedro Baía, a discussão pública também se desenvolve em torno da demolição “porque nos anos 40 aquilo foi tudo demolido sem qualquer discussão, completamente de forma até totalitária, não houve auscultação da comunidade, foi tudo arrasado, e agora estamos noutro tempo”.
O arquiteto considera que o mercado de São Sebastião “é interessante”, observando “os socalcos que acompanham a topografia do terreno”, e Magda Seifert nota que o edifício “quase que se funde na topografia e no granito à volta, portanto ele está absolutamente enquadrado, embora tenha um contraste muito grande com as casas que o circundam”.
“Quando lá fomos e tirámos as fotografias [para o livro Porto Brutalista], vimos que aquilo estava já com uns gradeamentos, portanto aquela ideia mais esperançosa ou ingénua de achar que podia estar aberto durante a noite, obviamente que teve que se adaptar à realidade e pôr umas grelhas”, complementa Pedro Baía.
Para o académico, naquela zona da cidade “podem conviver muito bem” o futuro edifício do mercado Time Out (já em construção), adjacente à estação ferroviária de São Bento e que inclui uma torre de Eduardo Souto de Moura, o hotel de betão São Bento Residences, a sul da estação, o próprio mercado de São Sebastião e “a arquitetura tradicional daquela zona”.
“Até é bastante desinteressante pensar uma cidade como um museu e que ela tem de ficar absolutamente congelada no seu tempo. Ou seja, é importante que as cidades tenham os seus tempos dentro dela”, realça Magda Seifert.