Estava na Academia Socialista para falar de um dos seus temas prediletos — o combate à extrema-direita e aos populismos — mas acabou por vestir também a pele de conselheiro de Estado. Em Évora, Augusto Santos Silva comentou brevemente as polémicas da última sessão do Conselho de Estado, mas apenas para dizer que as fugas de informação sobre o que lá se passou são “graves” e uma “ofensa”.

“São uma ofensa ao Conselho de Estado e aos conselheiros”, atirou o Presidente da Assembleia da República, defendendo que o sigilo sobre o que acontece nas reuniões — que é regularmente quebrado, o que desta vez permitiu que fossem conhecidas as críticas que Marcelo Rebelo de Sousa teceu contra a governação e o silêncio com que António Costa lhe respondeu — é “uma questão de honorabilidade” do órgão e dos seus membros. Santos Silva, como o Observador tinha avançado esta quarta-feira, já tinha protestado contra as fugas de informação na própria reunião.

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Já as eleições europeias — mais em linha com o assunto sobre o qual tinha sido convidado a falar perante os jovens socialistas — não serão um teste para o Governo, garantiu: esse está marcado para “setembro ou outubro de 2026″, quando acontecerem, segundo o calendário eleitoral normal, as próximas legislativas. Importa sacudir a pressão das europeias — e começar a delinear a estratégia para as vencer.

Foi também isso que Santos Silva se propôs fazer na sua aula de meia hora, com foco principal na Europa (” a sala pode esvaziar-se”, gracejou) mas uma série de recados que encaixam bem ao caso português, e na estratégia do PS em particular.

A prioridade da esquerda democrática na Europa, defendeu o Presidente da Assembleia da República — que é, desde que começou a destacar-se pelos embates com o Chega no Parlamento, apontado como um possível presidenciável na ala do PS — deve ser “inutilizar” possíveis alianças entre centro-direita e extrema-direita, um papão que o PS tem agitado em Portugal enquanto Luís Montenegro não rejeita a 100% um acordo futuro com o Chega.

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“Na Itália na prática, e no PPE [a família europeia do PSD] na doutrina, sustenta-se hoje que é possível e desejável construir uma maioria alternativa entre o centro-direita e a extrema-direita. Um objetivo muito importante é tornar inútil essa possível aliança, impedi-la, inutilizá-la”, avisou Santos Silva: “Não podemos permitir que haja uma maioria aritmética entre o PPE e grupos de extrema-direita, porque se existir ela funcionará politicamente”.

Ou seja, o recado serviu para as famílias europeias — onde se deve preservar a “hegemonia” das que estão “envolvidas na construção europeia” (PPE, socialistas, liberais e verdes) e lutar para tirar os extremos da equação — mas podia facilmente transpor-se para o cenário nacional, onde nas últimas eleições o PS fez do Chega e de uma possível aliança com o PSD o seu principal inimigo.

Quais são, então, os conselhos de Santos Silva para que a “esquerda democrática” — leia-se os socialistas — consiga contornar essa ameaça? Por um lado, garantir que os partidos políticos se “identificam” com os cidadãos: “Não podemos perder essa relação de identificação e confiança. As pessoas têm de continuar a confiar em nós e sentir-nos nós como seus e seus como nossos”, avisou. Será preciso “continuar a manter e recuperar e corrigir a relação de confiança, nos casos em que tenha sido perdida, com classes populares e médias da UE”. Tudo para evitar que caiam na tentação de ouvir as soluções para os seus ressentimentos oferecidas pela extrema-direita.

Por outro lado, será preciso fazer a transição climática de forma que “não afaste as pessoas”. E também evitar as “armadilhas” das guerras culturais, das radicalizações “que se alimentam reciprocamente” e das “políticas de nicho”, evitando criar “tribos”.

Pelo meio, Santos Silva ainda conseguiu deixar uma farpa política: os socialistas falam “para o conjunto dos cidadãos” e não excluem “grisalhos”, uma “linguagem da troika para justificar uma coisa tão indigna como foi o corte nas pensões” (na verdade, a expressão foi usada ainda na semana passada, na Universidade de Verão, mas pelo também socialista Álvaro Beleza).

Ficava definido o guião para um ano político tão “importante” e em que a proposta da esquerda democrática será “tão decisiva”. É uma rentrée feita já com olhos postos nas europeias — umas eleições em que o Governo será posto à prova e em que o Chega, como a direita radical lá fora, tem fortes hipóteses de crescer.