Mais de 200 seniores de instituições de Vila Nova de Gaia, no distrito do Porto, frequentam o programa “Cante pela sua saúde”, dinamizado pela cantora Anabela Pires e que pretende promover o envelhecimento ativo e combater o isolamento social.
Cinco dias por semana, a biblioteca da Academia de Música de Vilar do Paraíso recebe seniores de várias instituições do concelho. Acompanhados por auxiliares, de bengala ou de andarilho, mostram pressa em chegar, sentar-se e começar a aula. São recebidos pela sorridente professora Irina Horbatyuk, que é quem vai dar início à parte mais divertida do dia.
Têm entre 65 e 100 anos e são as caras novas do projeto que já vai no segundo ano em Gaia, que em 2022 acolheu 140 seniores e que este ano subiu para 210. As sessões começaram em junho e o espetáculo de encerramento está agendado para fevereiro.
Vencedora do festival da canção em 1993, Anabela Pires fez valer o projeto que criou no âmbito do mestrado em Psicologia, na Universidade Autónoma de Lisboa, em 2012, para avaliar o impacto do canto em seniores em centros de dia e os resultados “muito positivos” verificados ao nível do bem-estar subjetivo nas cinco semanas em que durou.
Vencedor em 2017 do Orçamento Participativo de Portugal, o projeto recebeu 100 mil euros aplicados a ensinar o canto e verificar, cientificamente, a evolução dos cerca de 140 seniores das misericórdias de Almada e de Lisboa, contou à Lusa.
Com um novo concurso, desta vez da Fundação Belmiro de Azevedo, com a DGArtes, para apoiar projetos artísticos de promoção do bem-estar e combater a solidão e isolamento dos mais velhos, no momento em que o país saía da pandemia da covid-19, a cantora fez o projeto, agora chamado “Cante pela sua saúde”, chegar a Gaia em 2022.
“O estudo de impacto está a cargo da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação do Porto”, explicou Maria da Luz Galamba, que colabora com a cantora na gestão do projeto, sublinhando que os participantes são avaliados antes, durante e no final do programa.
Maria da Luz Galamba enfatiza que “está cientificamente provado que o programa é promotor do envelhecimento ativo, da saúde mental e física, do bem-estar social e subjetivo”.
Há 23 anos em Portugal, a ucraniana Irina Horbatyuk é a professora de canto, mas afirma sentir-se “filha” e “neta” no meio dos alunos que recebe com abraços e beijinhos.
“É um projeto novo na minha vida, nunca tinha tido contacto didático com esta faixa etária. Foi um desafio para mim, também como pessoa, pois acima de tudo eu identifico estas pessoas como sendo os meus pais e os meus avós, emocionalmente para mim foi fantástico”, confessou à Lusa.
Ao apelo para explicar o lado técnico do projeto respondeu: “o canto é uma via para melhorar a saúde”, pois faz com que o “corpo vibre com a intensidade de um tom específico, o que liga as pessoas, não apenas a letra, mas também a emoção com que se canta”.
Os exemplos dos “ganhos são muitos”, assinalou Anabela, que foi à memória buscar um caso: “tivemos um senhor que sofreu um período muito longo de isolamento durante a pandemia e que, quando integrou o projeto, não falava, mas à medida que foi participando nas sessões de canto começaram a observar-se melhorias até um dia em que, na sua instituição, disse ‘eu canto pela minha saúde'”.
O segundo exemplo surgiu na primeira pessoa, pela voz de Maria do Carmo Lopes, de 70 anos. Há dois anos no projeto, foi prontamente que confirmou a importância de integrar o projeto.
“Eu quase que não falava, tinha disfagia [dificuldade em engolir acompanhada de dor], não desenvolvia [apesar de estar em terapia da fala] e estava muito atrofiada. Quando comecei as sessões notei que a voz se soltou e depois foi sempre a melhorar. Estou muito grata ao projeto”, relatou.
Até fevereiro, as cinco turmas de Gaia irão aprender canções de Rui Veloso, Xutos e Pontapés, um ‘medley’ de rock português, Zeca Afonso, fado e música popular e tradicional portuguesa, para além de um ‘workshop’ de canto lírico, a cargo de Sérgio Martins, tenor do Teatro São Carlos.
O espetáculo final está agendado para 04 de fevereiro, avançou Anabela, que, até lá, espera ver materializados os convites para trabalhar em Loures e para voltar a Almada.