Morreu Ian Wilmut, um dos dois cientistas britânicos responsáveis pela clonagem do primeiro animal a partir da célula de um animal adulto. A notícia foi avançada esta segunda-feira pela Universidade de Edimburgo (Escócia), onde o embriologista e especialista em medicina regenerativa trabalhou toda a vida. A família pediu que fosse respeitada a sua privacidade.

Ian Wilmut tornou-se conhecido quando, a 22 de fevereiro de 1997, anunciou que, juntamente com Keith Campbell, tinha conseguido clonar uma ovelha: Dolly tinha nascido no ano anterior, a 5 de julho de 1996. O núcleo de uma célula da mama de uma ovelha adulta da raça Finn-Dorset foi colocado numa célula embrionária de uma ovelha Blackface escocesa e foi uma ovelha desta raça que serviu de barriga de aluguer à ovelha clonada.

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Numa entrevista ao Observador em 2017, o cientista admitiu que o nascimento da ovelha clonada tinha sido controverso. “Não anunciámos que a gravidez estava a decorrer. Achávamos que era mais fácil fazermos primeiro e depois ser totalmente claro sobre o que tínhamos alcançado e sobre quais as vantagens e desvantagens.” Mas também é verdade que já existiam outros clones de ovelhas, ainda que nascidos de embriões clonados (não a partir de uma célula adulta): Megan e Morag.

Ovelha Dolly, o dia em que acabou a ficção

Mesmo tendo deixado o mundo surpreendido há quase 30 anos, o trabalho de Wilmut é visto como de uma enorme importância para a investigação com células estaminais. “Ian foi um grande embaixador do Instituto Roslin. O seu alcance foi mundial. Ele liderou, na década de 1980, a equipa que produziu a Dolly, da qual veio tanto para o Instituto, para a Universidade de Edimburgo e, na verdade, para a ciência em geral. Perdemos um dos mais conhecidos pioneiros da ciência”, lamentou Bruce Whitelaw, diretor do Instituto Roslin na Universidade de Edimburgo, numa declaração pública.

O interesse na preservação pelo gelo desde o início da carreira científica

Ian Wilmut nasceu a 7 de julho de 1944, há 79 anos, em Inglaterra. Interessou-se pela Biologia ainda no ensino pré-universitário e formou-se na Universidade de Nottingham — iniciou os estudos em Agricultura, mas depois mudou para Ciências Animais. Pensou em ser agricultor, mas acabou por enveredar pela investigação científica.

Foi na Universidade de Cambridge que começou os seus trabalhos com a preservação pelo frio. Primeiro, com uma bolsa de dois meses antes de terminar o curso de Nottingham. Depois, com o doutoramento, no qual trabalhou na congelação profunda de sémen de javali (de forma a que os espermatozoides se mantivessem viáveis).

Dois anos mais tarde, em 1973, Wilmut deu origem a Frostie, o primeiro vitelo a nascer de um embrião congelado. O britânico tinha desenvolvido uma técnica de criopreservação de embriões para que pudessem ser implantados noutras fêmeas que não a mãe. “Em termos práticos, esta técnica foi muito útil na criação de gado”, disse ao Observador em 2017.

Na Universidade de Edimburgo, para onde se mudou nesse ano, o embriologista continuou a trabalhar em células reprodutoras e embriões. Na Organização de Investigação em Reprodução Animal (ARBO) — precursora do Instituto Roslin — deu origem à Tracey, uma ovelha capaz de produzir proteínas humanas em grande quantidade no seu leite. O objetivo era que essas proteínas pudessem ser usadas para tratar doenças, mas nenhuma se mostrou clinicamente viável.

Do nosso ponto de vista, a técnica funciona e fomos capazes de produzir muitas proteínas diferentes em concentrações razoáveis. O problema é que as proteínas que estávamos a produzir não eram úteis em termos clínicos”, disse Ian Wilmut ao Observador em 2017.

Durante o projeto, Wilmut percebeu que precisava de um método mais eficaz para criar ovelhas com as características genéticas que desejava. Foi neste processo que acabou por chegar à Dolly: o núcleo que lhe deu origem pertencia a uma célula adulta, mas mantinha todos os genes necessários para originar um novo organismo. Assim, a equipa de Wilmut e Campbell como que ‘adormeceram’ o material genético original que ‘acordou’ numa célula embrionária e foi ‘obrigado’ a comportar-se como tal.

Da clonagem à investigação com células estaminais

Em 2005, o embriologista trocou a embriologia animal pela medicina humana, e o Instituto Roslin pelo Centro de Medicina Regenerativa da Universidade de Edimburgo. Um ano depois foi nomeado diretor do centro. Aqui dedicou-se a estudar os mecanismos que regulação a reprogramação das células — como quando uma célula adulta diferenciada se torna novamente uma célula estaminal imatura —, com o objetivo de tornar o processo mais eficiente e preciso.

Ele foi um titã do mundo científico, liderando a equipa do Instituto Roslin que clonou a ovelha Dolly — o primeiro mamífero a ser clonado a partir de uma célula adulta —, o que transformou o pensamento científico da época. Este avanço continua a alimentar muitos dos avanços feitos no campo da medicina regenerativa que vemos hoje”, disse Peter Mathieson, vice-reitor da Universidade de Edimburgo, numa declaração pública.

Com o seu trabalho, Wilmut criou as bases para a investigação com células estaminais. Uma das aplicações potenciais destas células é a regeneração de células e tecidos danificados no organismo. O fígado é um dos órgãos que pode beneficiar desta técnica: um transplante de células estaminais que regenere o fígado, em vez do transplante completo do órgão (uma vez que há escassez de órgãos e o risco de rejeição).

Como disse ao Observador, Dolly não foi um percursor da potencial clonagem humana — como muitos desejaram e recearam e que Wilmut nunca defendeu —, mas antes um caminho para o que se podia fazer com a manipulação das células para ajudar a tratar doenças humanas.

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Ian Wilmut reformou-se em 2012 e, quando falou com o Observador aos 73 anos, disse ter tido um percurso profissional afortunado. “Tive muita sorte na minha carreira, com as pessoas que foram meus professores, que eram muito dotados e muito pacientes, e com as pessoas com as quais colaborei.”

Patrono da investigação de terapias inovadoras para a doença de Parkinson

Ian Wilmut casou em 1967 com a sua namorada de infância, Vivienne Craven, e juntos tiveram duas filhas e um filho — e cinco netos. Vivienne Craven morreu em 2015 e Wilmut acabou por casar-se dois anos depois com a vizinha Sara Haddon.

Quando foi entrevistado pelo Observador disse que já que tinha casado pela segunda vez, que já não tinha centros para dirigir ou investigação para fazer, achava que ia aproveitar a oportunidade para se reformar.

A vida do cientista nomeado cavaleiro em 2008, no entanto, ainda tinha mais um capítulo: em 2018, Wilmut revelou que tinha sido diagnosticado com a doença de Parkinson — curiosamente, uma das doenças que poderá vir a beneficiar dos avanços científicos da utilização das células estaminais.

Depois do diagnóstico, o cientista britânico tornou-se patrono de um programa de investigação dedicado ao estabelecimento de novas terapias para retardar a progressão da doença de Parkinson.