Siga aqui o nosso liveblog da guerra na Ucrânia
O Presidente da Ucrânia já estará certamente habituado aos aplausos que costumam gerar-se quando entra numa sala. Esta terça-feira, enquanto se dirigia ao centro do Assembly Hall para uma das mais aguardadas intervenções do dia na 78.ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, Zelensky foi recebido por uma ovação dos líderes mundiais e representantes diplomáticos presentes.
Há um ano, a receção era semelhante, ainda que nessa altura a intervenção do líder ucraniano tenha sido feita num discurso gravado em antecipação e projetado na câmara, no qual exigia à comunidade internacional que punisse a agressão russa. Em 2023, tendo habituado o mundo a deslocações pontuais ao exterior, não perdeu a hipótese de falar perante a assembleia, ainda que se tenham registado as ausências de peso dos líderes de França, Reino Unido, China e a já antecipada Rússia.
Perante uma sala cheia, trajando a já habitual indumentária verde tropa, Volodymyr Zelensky sublinhou que pela primeira vez na história moderna existe uma possibilidade real de pôr fim a uma agressão nos termos do país que foi atacado, criando um precedente para futuros conflitos. “Está é uma hipótese importante para cada nação garantir que, se acontecer uma agressão contra o seu Estado, e Deus nos livre disso, este conflito irá acabar não porque o território será dividido, mas porque o seu território será restaurado na totalidade.” Pode ler aqui os quatro principais pontos da intervenção do Chefe de Estado ucraniano na ONU.
1. Os “terroristas” russos não podem ter armas nucleares
No arranque da intervenção, Volodymyr Zelensky começou por defender o critério que considera ser fundamental para a prevenção de eventuais guerras no mundo: a união. O líder ucraniano afirmou que da Segunda Guerra Mundial ficou a herança de uma estratégia de promoção quer do afastamento do uso de armamento nuclear quer do desarmamento, mas que é preciso ir mais longe. “Francamente, esta é uma boa estratégia, mas não deve ser a única estratégia para proteger o mundo da guerra final.”
Zelensky recordou como, através do memorando de Budapeste, a Ucrânia contribuiu para esse desarmamento. À época, cedeu à Rússia um dos maiores arsenais nucleares, herdado da União Soviética, em troca da garantia de que Moscovo iria respeitar a soberania e o território ucraniano. “O mundo decidiu que a Rússia devia tornar-se o protetor de tal poder. No entanto, a história mostra-nos que a Rússia é o país que mais merecia um desarmamento”, defendeu, acrescentando que os “terroristas não têm o direito de possuir armas nucleares”.
O Chefe de Estado referiu, contudo, que a Rússia “traz ruínas” mesmo sem o armamento nuclear. “O desfecho é igual: vemos cidades e aldeias na Ucrânia devastadas pela artilharia russa.” Alertando para os perigos dos ciberataques e da inteligência artificial, o Presidente da Ucrânia disse que o mundo “tem de parar a Rússia. “Temos de agir juntos para derrotar o agressor e focar as nossas capacidades nesses desafios. O agressor deve ser restringido“, vincou.
2. A Rússia leva a cabo um “claro genocídio” e usa a fome como arma
O Chefe de Estado ucraniano aproveitou o palco do Assembly Hall para voltar a acusar a Rússia de levar a cabo um “claro genocídio” contra o povo ucraniano, dizendo que alguns “terroristas” raptaram crianças nos territórios sob ocupação russa e “deportaram-nas”. O próprio Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu um mandado de captura contra o Presidente russo por este crime, que o impede de viajar para os países signatários do acordo do organismo, recordou Volodymyr Zelensky. “Conhecemos os nomes de dezenas de milhares de crianças e temos provas de centenas de milhares de outras pessoas raptadas pela Rússia nos territórios ocupados da Ucrânia e posteriormente deportadas.”
Garantindo que Kiev está a trabalhar para as trazer de volta a casa, Zelensky mostrou-se preocupado com o impacto que a influência russa poderá ter. “O tempo passa. O que vai acontecer a essas crianças? Essas crianças vão odiar os ucranianos. Isso é um claro tipo de genocídio”, sublinhou. “Quando o ódio é canalizado como arma contra uma nação, nunca se fica por aí.”
No discurso de 15 minutos, cumprindo o tempo estabelecido para cada interveniente, o Presidente ucraniano acusou também a Rússia de usar a fome como arma. Referiu que, desde o início da guerra, os portos ucranianos estão bloqueados pela Rússia. “Os nossos portos do rio Danúbio continuam a ser um alvo de drones”, denunciou, numa altura que os ataques se tornaram mais frequentes após a saída russa do acordo de cereais do Mar Negro.
Os ataques, reforçou Zelensky, fazem com que haja um “aumento de preços” dos bens alimentares em todo o mundo, prejudicando os vários países que dependem dos alimentos ucranianos.
Ainda sobre os corredores de cereais, Zelensky disse que, mesmo após a saída russa do acordo de cereais, a Ucrânia trabalha para garantir a segurança alimentar mundial e deixou críticas a alguns “amigos” que se fingem solidários no teatro político nesta questão, mas que também estão a ajudar a Rússia. Apesar de não mencionar os países em questão, a declaração de Zelensky parece dirigida à Hungria, Eslováquia e Polónia, que vão manter a proibição da importação de cereais ucranianos.
3. Se a guerra for bem-sucedida para a Rússia, “alguns lugares da Assembleia Geral podem ficar vagos”
“Em cada década, a Rússia começa uma nova guerra”, denunciou ainda Volodymyr Zelensky, apontado que Moscovo ocupa parte da Moldávia, da Geórgia e combateu na Síria, um país que transformou em “ruínas”. E prosseguiu a lista: “A Rússia engoliu a Bielorrússia, está a ameaçar o Cazaquistão e ameaça os Estados Bálticos. A Rússia transforma a guerra contra o povo numa arma contra vocês, contra o direito internacional baseado em leis”, reiterou.
Aos que acompanhavam o discurso, dirigiu um aviso sobre as consequências que podem esperar no futuro: “Alguns lugares da Assembleia Geral podem ficar vagos”, porque, acredita Zelensky, depois de uma vitória a sobre a Ucrânia, Moscovo não travaria a sua ambição expansionista e avançaria para a conquista de outros países.
Zelensky voltou a repetir a ideia de que a guerra vai muito além da Ucrânia, referindo que o país têm recebido um apoio significativo no seu plano de paz de dez pontos. “Mais de 140 países e organizações internacionais apoiaram totalmente ou em parte a fórmula ucraniana”, anunciou.
Recordou que a Ucrânia está a preparar a cimeira de paz global, deixando o convite para que todos os países que “não toleram uma agressão” participem no encontro. “A fórmula de paz ucraniana está a tornar-se global. Está preparada para oferecer soluções e medidas que vão resolver todas as formas de armamento que a Rússia utilizou contra a Ucrânia e outros países”. Disse ainda estar ciente das “negociações duvidosas” que decorrem por trás das cortinas, mas sublinhou: “Não se pode confiar no mal, perguntem ao Prigozhin se alguém pode confiar nas promessas de Putin”, numa referência à morte do líder do grupo Wagner num acidente de aviação pelo qual Kiev responsabiliza o líder russo.
4. Rússia “está a empurrar o mundo para a guerra final” — e a Ucrânia está a impedi-lo
No final do seu discurso, Volodymyr Zelensky não deixou dúvidas sobre a previsão de que a guerra poderá expandir-se muito para lá da Ucrânia. E deixou um aviso claro: a Rússia “está a empurrar o mundo para a guerra final”. A Ucrânia, por sua vez, está a “garantir” que ninguém, no futuro, “vai atacar outros países”.
“A instrumentalização deve ser restringida, os crimes de guerra devem ser punidos, as pessoas deportadas devem regressar a casa e os ocupantes devem voltar à sua terra. Devemos estar unidos”, disse o Presidente da Ucrânia.
Rematando a sua intervenção com o habitual “Slava Ukraini” (“Glória à Ucrânia”), Zelensky voltou a receber um aplauso da sala.